Dentuço escrita por Wi Fi


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Olá! Eu não estava planejando esta história, mas senti uma inspiração súbita de fim de semana, e as pessoas do grupo do Nyah também pareciam interessadas em um casal como esse do vídeo, então voilà.
Eu dou um doce pra quem encontrar todas as piadinhas sutis que eu tentei colocar nessa história.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/762281/chapter/1

Lydia não era o tipo de pessoa que usava apps de namoro. Entretanto, um recente pé-na-bunda, uma taça de vinho e os péssimos conselhos de sua prima a levaram a instalar o maldito aplicativo.

— Olha, você tem todo o direito de ficar triste por causa do término – disse Alice, a prima em questão, entregando-lhe uma taça com sorvete enquanto as duas se esticavam confortavelmente no sofá de Lydia – Mas pelo menos chore e seja produtiva: comece a arrumar candidatos a próximo boy-magia.

— É esse o fundo do poço em que eu estou? Aplicativos de pegação? – reclamou Lydia, ao mesmo tempo que desbloqueava a tela do celular – É assim que eu perco toda a minha dignidade?

— Escuta, não tem nada de errado em usar a internet para conhecer caras bonitinhos. Todo mundo faz isso hoje em dia, você ficou para trás. Vai, baixa essa porcaria e eu te mostro como funciona.

O aplicativo se chamava “Love Bites”, que Lydia já achou cafona. Ela criou uma conta, escolheu uma foto de perfil – de alguns meses antes, quando ela ainda não havia desistido de ir à academia – e se viu forçada a escrever uma descrição ridiculamente pequena e simplificada da sua personalidade.

“Oi! Eu sou a Lydia! :)

26 anos, estudante de Literatura. Gosto de museus, um bom disco de vinil, filmes antigos e de gatos, não necessariamente nessa ordem.

Mande uma mensagem se quiser conversar!”

Ela encarou a tela do celular, um pouco decepcionada. Sabia que era uma pessoa muito interessante, e tinha tanto que gostaria que as pessoas soubessem sobre si – mas era impossível colocar toda sua essência em apenas um pequeno texto daqueles, cuja intenção era atrair algum homem tão solitário quanto ela e talvez arrumar um encontro.

— Que comecem os jogos – ela murmurou, apertando a caixa que indicava “Finalizar perfil”.

Passou o resto da noite conversando com Alice, sobre a faculdade, sobre o trabalho, sobre que viagens poderiam fazer no final do ano se poupassem dinheiro o suficiente. O celular de Lydia ficou abandonado, e ela foi dormir sem se lembrar que o tal aplicativo de namoro existia em seu aparelho. Apenas um zumbido irritante no meio da madrugada a fez acordar, e checar as suas notificações.

***

Mor3 disse, às 3h29: Boa noite.

Lyddie92 disse, às 3h30: Olá!

Mor3 disse, às 3h30: Pela sua descrição, vi que gosta de coisas velhas.

Lyddie92 disse, às 3h31: Haha, acho que pode-se dizer que sim.

Mor3 disse, às 3h31: E por acaso você gosta também de caras velhos?

Lyddie92 disse, às 3h32: Depende...não costumo ir em encontros com idosos, mas consigo ser convencida a tentar coisas novas.

Lyddie92 disse, às 3h32: Espera, quantos anos você tem? Não diz no seu perfil.

Mor3 disse, às 3h32: Isso é muito rude de se perguntar.

Mor3 disse, às 3h33: Ei, olha o horário. Legal.

Lyddie92 disse, às 3h33: Dizem que três da manhã é o horário do demônio.

Mor3 disse, às 3h34: Isso é besteira. Qualquer horário é horário do demônio se você estiver de mau humor.

Lyddie92 disse, às 3h34: Hahaha, é. Ou sem café.

Mor3 disse, às 3h35: Acabou de me lembrar que eu não tomo café faz séculos. Queria poder tomar de novo algum dia desses.

Lyddie92 disse, às 3h40: Olha, foi bom conversar com você, mas eu estou morrendo de sono. Podemos conversar de novo em um horário não-illuminati, em que o sol esteja brilhando e eu esteja completamente acordada?

Mor3 disse, às 3h42: Eu não sou muito fã da luz solar.

Mor3 disse, às 3h42: Mas não posso recusar um pedido a uma dama.

Mor3 disse, às 3h43: Boa noite, Lydia.

Lyddie92 disse, às 3h44: Boa noite, Mordred!

Lyddie92 disse, às 3h44: (nome maneiro, aliás)

***

Duas semanas depois, Lydia se encontrava indo para um café retrô no centro da cidade. Ela já tinha ido naquele lugar algumas vezes, desacompanhada, mas naquele sábado ela tinha um encontro.

O lugar tinha como tema os anos 20: jazz tocava sem parar, com fotos em preto e branco de moças de cabelo curto dançando em vestidos elegantes e penas na cabeça. Ela olhou ansiosamente para o celular, só para ter certeza de que havia enviado sua localização para Alice e para outras cinco pessoas de confiança. Além disso, tinha spray de pimenta na bolsa. Nunca se sabia quem era o psicopata que se pode conhecer em um aplicativo de namoro.

Lydia havia tentado uma roupa que a fizesse parecer descontraída – uma camiseta com estampa de flores, em tons pastéis, calça jeans e uma jaqueta ocre por cima. Havia ficado muito tempo pensando na roupa – queria passar uma boa impressão, mas ao mesmo tempo se sentia irritada por estar se prendendo a uma noção tão patriarcal e antiquada de que deveria agradar ao tal homem que ela nem conhecia. Mas, como Alice não parou de dizer o dia todo, Lydia talvez devesse tentar não ser tão ansiosa e teimosa, e só aproveitar uma noite divertida com um cara bonito.

E não foi nada difícil localizar Mordred. Não só ele era bonito, mas tinha um estilo certamente notável, como Lydia havia conseguido notar pela foto de perfil que ele tinha colocado no Love Bites— era uma pintura de um homem de cabelos longos, vestido com roupas antigas.

Ela deu alguns passos inseguros na direção a mesa dele, antes que ele a visse.

Mordred finalmente olhou para o corredor e viu Lydia. Ergueu uma mão - cheia de anéis – e acenou. Quando a garota se aproximou, ele se levantou e puxou uma cadeira para ela se sentar.

— É um prazer te conhecer pessoalmente – Mordred disse, quando os dois ficaram frente a frente, separados pela mesinha de madeira – Fiquei a semana toda esperando pelo nosso encontro.

“Eu não sei se isso foi fofo ou assustador” Lydia pensou consigo mesma “Bem, é para isso que eu trouxe spray de pimenta”.

— Também estou feliz por te conhecer pessoalmente – ela respondeu, educadamente – Você com certeza mantém a pose do seu perfil.

Em sua descrição do Love Bites, Mordred tinha apenas escrito “Mordred B. Ludwig III. Crer é muito monótono. A dúvida é apaixonante”. Lydia reconheceu a frase de Oscar Wilde e, somada à aparência invulgar do homem, deixou-a curiosa.

Mordred, naquela ocasião, estava usando um sobretudo cor de vinho, camiseta preta e calças jeans rasgadas. Ele tinha a pele pálida, cabelo castanho liso que alcançava suas costas, mas que agora estava parcialmente preso com um pequeno elástico, barba e bigode bem cuidados e Lydia podia jurar que ele estava usando lápis de olho.

É, era difícil não notar Mordred.

— Eu tento ser autêntico – Mordred respondeu, dando de ombros e se reclinando para trás na cadeira. Ficaram alguns segundos em silêncio antes que ele prosseguisse – É tão difícil quebrar o gelo em situações assim, não é? Nunca sabemos como começar a conversar com alguém em quem podemos apresentar interesse romântico.

— Realmente – Lydia concordou, sentindo-se ainda mais constrangida. Quem diabos era aquele homem?

— Eu acho mais fácil se começarmos falando de gostos em comum. Você gosta de literatura, eu suponho.

— Bom, é só o assunto que eu escolhi estudar por sete anos. Gosto um pouquinho só – sarcasmo era seu mecanismo de defesa para situações que a colocavam fora de sua zona de conforto. Aparentemente, Mordred gosto da resposta, já que deu um sorriso mínimo, de boca fechada.

— Sei que é uma pergunta difícil, mas eu gostaria de saber qual é o seu autor preferido.

Lydia cruzou os braços e pensou por algum tempo. Bolas, decidir entre todos os autores que já havia estudado em sua vida, sem contar aqueles cujas obras ela havia lido por gosto pessoal, era praticamente impossível.

— Acho que posso passar a noite toda discutindo entre os melhores aspectos dos melhores autores, sem chegar em um que eu goste mais que os outros – ela concluiu, por fim.

— Eu adoraria ouvir o seu raciocínio.

A garota ergueu as sobrancelhas, impressionada. Mordred parecia genuinamente interessado nas opiniões dela sobre os autores. Isso era bonitinho, de certa forma. Talvez ele não fosse tão creep quanto ela esperava, mas tinha alguma coisa no comportamento dele que a desconcertava.

— Atualmente, eu estou gostando muito do Fitzgerald, que aliás, está de acordo com esse café – Lydia respondeu – Mas alguns meses atrás eu estava apaixonada pelos Irmãos Karamazov.

— São gostos bem variados. Gosta das críticas sociais, não é?

— Mas é claro! Todas as épocas têm aspectos negativos e positivos, e uma crítica não é necessariamente algo negativo, é uma reflexão - e a literatura é parte do que torna essa reflexão possível.

— A música está tomando essa função, atualmente, não acha?  - perguntou Mordred – Tenho a impressão de que não muitos autores se preocupam em fazer críticas sobre a sociedade atual através de seus livros. Eles escrevem mais sobre.... dragões, alienígenas...

— Romances adolescentes envolvendo lobisomens e vampiros – completou Lydia – É, mas isso não é considerado Literatura. A Literatura precisa de tempo para se concretizar. Aposto que quando o Oscar Wilde publicou O Retrato de Dorian Gray as pessoas pensaram “Bom, essa é uma história estranhamente homoerótica, ninguém vai lembrar disso, Oscar”.

Mordred, dessa vez, deu risada abertamente. A risada era seca e rouca, como se estivesse fora de uso por muito tempo, e seus dentes eram brilhantes como pérolas...

Espera.

Aquilo eram presas?

Não, não podiam ser. Que tipo de pessoa tem presas? Pessoas loucas, isso sim. E Mordred parecia ser apenas um cara culto com um estilo emo. Ele não parecia ser louco.

Um garçom veio perguntar se eles já haviam decidido o que pedir, e como Lydia nem tinha se lembrado de olhar o menu, ela só pediu uma xícara de chá de hibisco, o seu preferido, que era o que ela normalmente pedia.

— E você, já sabe o que vai pedir? – o garçom perguntou, virando-se para Mordred.

— Ah, eu não vou querer nada, obrigado – respondeu o homem.

O garçom foi embora, deixando novamente os dois a sós.

— Tem certeza que não vai querer nada, Mordred? – perguntou Lydia – Não vai ficar com fome?

— Não se preocupe, eu não tenho fome. Na realidade, não posso comer nada.

— Está doente? Ou é só uma dieta?

— Um pouco dos dois. Eu sou um vampiro.

Ele disse a frase como se não fosse nada de surpreendente, e Lydia pensou que tinha ouvido errado.

— Um o quê?

— Um vampiro – Mordred repetiu, e abriu a boca, em um sorriso exagerado. Indicou com o dedo as suas presas.

— Ah, tá - Lydia respondeu, ironicamente – Se você é um vampiro, eu sou a Princesa Leia.

— Estou falando sério. Eu sou um vampiro.

— Olha, eu entendo. Estilo de astro do rock, meio adolescente rebelde e com o nome de estrangeiro rico, ser um vampiro combina com a sua estética. Boa piada.

Mas Mordred não tinha mudado sua expressão.

Ok, talvez ele fosse louco. Ou talvez Lydia estivesse tendo uma alucinação muito estranha e ela fosse louca. Ela sentiu-se tentada a pegar o spray de pimenta na bolsa.

Ao mesmo tempo, ela tinha que admitir que era meio sexy.

— Como assim você é um vampiro? – Lydia perguntou mais uma vez, só para ter certeza se ele estava dizendo o que ela imaginava que ele estava dizendo.

— Vampiro, oras. Nasci em 1787, fui mordido em 1815...e morri. É por isso que eu não posso comer nada, meu organismo não funciona mais – Mordred explicou – Eu só te mando mensagens de noite porque passo o dia escondido em casa, dormindo, porque não posso sair no sol. Se você não notou, eu também não pisquei o tempo todo que nós estivemos juntos.

O coração de Lydia parou. Era verdade. Ele não tinha piscado ainda. Era isso que a tinha incomodado o tempo todo, sem que percebesse.

Mordred era um vampiro.

— O que diabos um vampiro está fazendo em um aplicativo de namoro? – foi a primeira frase que Lydia conseguiu formular - É assim que você atrai os seus lanchinhos? Eu vou ser mordida e ter que passar os próximos séculos vivendo nas sombras como sua amante?

— Não, não se preocupe com isso – Mordred respondeu com um revirar de olhos, parecendo ofendido – Essa caricatura que a mídia cria de nós não é nada verdadeira.

— Sabe quem diria isso? Um vampiro que está prestes a morder o pescoço de uma jovem bela e saudável. Eu não confio em você, dentuço!

Mordred ergueu uma sobrancelha. Lydia havia se afastado um pouco da mesa, puxando a cadeira para trás, e apertava a bolsa. Estava a um segundo de pegar o spray de pimenta e fugir.

O suposto vampiro se inclinou para a frente, e agora seu olhar parecia mais divertido do que irritado.

— Tem certeza que você não gostaria de conhecer melhor um vampiro? Posso estar morto por dentro, mas tenho muitas coisas interessantes para contar.

Oh não, ele era lindo. Lydia repetiu para si mesma que aquilo era burrice, e que provavelmente ele era só um doido pervertido, mas ao mesmo tempo... nunca tinha tido um encontro tão interessante em toda a sua vida.

Ela suspirou profundamente e puxou a sua cadeira de volta para perto da mesa.

— Eu sei que é assim que toda mocinha morre nos primeiros quinze minutos de um filme de terror – ela disse, enfim – Mas que se dane. Conte-me mais sobre você, dentuço.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Comentários são bem-vindos!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Dentuço" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.