Como (não) se apaixonar por Danilo escrita por Ahelin


Capítulo 1
Cinco toalhas, por favor


Notas iniciais do capítulo

O tema desse capítulo é "A primeira vez que nos falamos".
Boa leitura :3



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Foi meu primeiro inverno em Campos do Jordão. Nenhum dos meus pais conhecia a cidade; o frio era atrativo o suficiente para valer o risco. 

Viajamos de carro. Sete horas na estrada! Minha irmã mais velha tinha acabado de descobrir a Netflix e baixou uns cinco filmes pra ver nesse período, ignorando completamente a existência do resto da família e meus pedidos incessantes de que ela dividisse a tela e os fones de ouvido comigo. Meu irmão mais novo não aguentou e dormiu na primeira meia hora. Ficamos só minha mãe, meu pai, eu e o CD que ele tinha gravado na véspera: Legião Urbana, Cazuza, Paralamas do Sucesso, um ou outro Nirvana ou Queen no meio e esporádicos tons de Vivaldi.

Acho que nunca tinha falado tanto com eles quanto naquele dia. Sentada no meio do banco de trás, eu apoiei os pés nas costas do banco do motorista e fui cantando, acordada a viagem toda. 

— A única razão pra não nos perdermos na cidade é que o hotel é bem na entrada, hein — comentei, cheia de humor, com meu pai. 

— Pousada — corrigiu ele, fazendo pouco caso da minha piada. — É uma pousada, não um hotel. 

Dei de ombros e estiquei as pernas, animada para finalmente sair do carro. A última parada parecia ter sido um século atrás. Tivemos a Decepção Número 1, porém, quando um grande portão nos impediu de passar. 

— O estacionamento é ali ao lado. — Um senhor que estava saindo nos indicou o caminho. — Não dá pra subir de carro!

Subir?

Descobrimos, da pior maneira possível, que a tal pousada ficava no alto da maior colina da cidade — claro, isso aos olhos da Adolescente Dramática™ de 14 anos, vulgo eu. Minhas panturrilhas reclamaram por todo o percurso de cerca de cem metros até o que parecia ser o céu. Meus irmãos foram praticamente carregados pelo meu pai, que achava cada coisinha ali o máximo.

Em vez de anjos e nuvens, encontramos uma casa normal de três andares (se é que alguma casa normal tem três andares). A senhora na recepção — uma sala muito agradável com sofás e uma pequena TV — era tão gentil quanto aquelas madames de desenho animado. Atrás dela, tinha um garoto sentado num banquinho, com a cara emburrada.

Admito que era a cara emburrada mais lindinha que eu já tinha visto. Tentei dizer oi, mas por mais que eu o encarasse, ele não retribuía o olhar. 

A Decepção Número 2 veio quando vi o número atrás da chave do quarto e descobri que estávamos hospedados no quarto mais alto. 

— A vista é bonita — justificou minha mãe, um sorriso inocente estampado no rosto, quando a questionei. Quis ficar com raiva, mas não demorou mais que dez segundos para que meus pensamentos fossem tomados pela cara emburrada do garoto outra vez. 

Tendo lido todos os livros românticos da face da Terra, eu sabia que nós dois nunca seríamos almas gêmeas ou algo parecido — justamente porque conhecia o padrão clichê das garotas com as quais essas coisas aconteciam e me julgava acima deles. 

Bom, o fato de eu estar aqui, hoje, lhe escrevendo isso, é prova de que eu estava redondamente enganada. 

Quase caí desmaiada tentando subir — dessa vez, sem drama. Dois lances de escada por andar foram demais para o meu sistema cardiorrespiratório nada atlético. 

Uma batida na porta interrompeu meu ato de pular em cima da cama quentinha; como todos estavam ocupados desfazendo suas malas, a não ser meu irmão, que já estava dormindo outra vez, resolvi ser prestativa e atendi. Era ninguém menos que o Garoto Emburrado, agora sustentando uma expressão levemente mais convidativa — que eu mal conseguia ver atrás da pilha de toalhas que ele carregava. 

De pé, dava pra ver que ele era um palmo mais baixo que eu, mas nem por isso era menos namorável.

Só de lembrar que, seis anos atrás, "namorável" era uma palavra, tenho vontade de rir. 

Os cachos castanho-escuros não ajudavam muito minha vã tentativa de vê-lo como uma pessoa qualquer, e os olhos verdes, menos ainda. Nove entre as dez revistas que eu assinava diziam que era furada se apaixonar nas férias. 

Meu Deus. "Furada" também era uma palavra. 

— São cinco? — Ele disse. A voz, pra minha sorte, não tinha nada de másculo ou atraente, era só a voz de um menino normal. 

Demorei pra perceber que, enquanto fazia essas considerações, ele estava me encarando. Provavelmente esperava uma resposta, mas qual era mesmo a pergunta?

— O quê?

— Toalhas — esclareceu ele. Como continuei com o mesmo olhar idiota, ele prosseguiu: — Pra vocês. Pra se secarem depois do banho. Sabe o que é tomar banho, né? Cinco pessoas. Cinco toalhas. Certo?

— É. — Não tive capacidade mental pra responder à altura, então só balancei a cabeça em afirmativo (mesmo depois de já ter confirmado, o que deve ter feito com que eu parecesse ainda mais tonta).

— Tá. — Ele separou habilmente cinco toalhas, mas se atrapalhou ao me entregar e tudo que ele tinha nas mãos foi parar no chão. — Merda! — esbravejou, mas logo depois arregalou os olhos e ficou vermelho como se fosse um absurdo dizer "merda" na frente de uma menina. 

Ainda não sei dizer, mesmo depois de tanto tempo, se achei isso fofo ou esquisito, até porque essa era, de longe, uma das minhas palavras favoritas. Comecei a nutrir um sentimento estranho por você, cujo nome não faço ideia. De qualquer forma, esse foi o primeiro motivo, junto com os outros quatro desencadeados por ele, para que eu tenha decidido só hoje lhe escrever essa carta. 

Ajudei a recolher o que tinha caído, mas não foi nada parecido com as cenas românticas de filme. No fim, fiquei ajoelhada no chão com minhas cinco toalhas no colo enquanto ele virava as costas e saía como se nada tivesse acontecido. 

Foi a primeira e única vez que nos falamos naquele ano — e, nas minhas memórias de menina, ele deixou de ser o Garoto Emburrado Bonitinho para continuar sendo apenas o Garoto das Toalhas.

Isso não durou muito, claro. Foi questão de tempo até que surgisse o segundo motivo.


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Notas finais do capítulo

E aí?
Diz pra mim o que achou ;)