Match Macabro escrita por noelfvalenca


Capítulo 2
Capítulo 2


Notas iniciais do capítulo

Última parte do conto Match Macabro.

Espero que gostem e comentem!



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Os nervos de Clara gelaram. Seus olhos se arregalaram e a sua boca ressecou ao ler aquilo. Tão curto e grosso. Só podia ser um blefe. Ele era louco e queria assustá-la. Desses homens que não aceitam um não de uma mulher.

Infantil, pensou, uma ponta de dúvida a cutucando atrás da nuca.

Não se importando mais em ser educada, Clara enviou:

“Você é um verdadeiro idiota. Não estou nem aí para as suas ameaças. Você nem sabe onde eu moro, babaca”.

Pensou em sair do chat, mas algo a reteve no último instante, tempo suficiente para receber uma resposta ainda mais assustadora de Felipe.

“Tem certeza que eu não sei onde você mora, Clara? Está a fim de arriscar? ”

Ela não teve palavras, digitadas ou faladas, para responder as perguntas na tela do celular. Em questões de segundos tudo ao seu redor tinha se transformado em um verdadeiro turbilhão de medo, apreensões, incertezas e adrenalina. Seu coração palpitava forte demais. O que deveria fazer? E se ele não estivesse mentindo? De alguma forma teria como ele descobrir onde era a sua casa? Ela não havia registrado endereço algum ao se cadastrar no aplicativo. Não dera tais dados. Respondera apenas perguntas básicas sobre suas preferências, atividades e gostos. Nada tão pessoal assim como o endereço da sua residência. Só podia ser um blefe dele.

Colocou o dedo em cima do botão de sair, mas se reteve quando a sua mente, regada por adrenalina e neurotransmissores agitados, ponderou:

Mas e se ele for algum tipo de nerd-hacker-superinteligente e doentio, que durante a conversa invadiu o meu celular e baixou todos os meus dados, inclusive o meu endereço?

Sim, tudo isso era absolutamente possível nos dias atuais. Ela não sabia como as pessoas conseguiam fazer isso, mas um deslize no mundo virtual e um espertinho, equipado com um bom aplicativo malicioso, poderia arruinar a sua vida em segundos. Ela não podia arriscar e mandou a única mensagem na qual conseguiu formular e que seus dedos puderam digitar o mais rápido possível.

“Eu vou chamar a polícia! ”

Uma figura animada de uns cinco segundos de duração apareceu na tela do chat de Clara, era uma grande cara redonda e amarela gargalhando histericamente até lágrimas bem azuis jorrarem dos seus olhos enquanto ela rolava de um lado para o outro rindo. A mensagem de Felipe veio logo em seguida:

“Quando eles chegarem aí, você já estará morta”.

Clara sentiu os músculos petrificarem. Ele estava certo.

Trêmula, ela digitou:

“O que você quer? Isto é algum tipo de brincadeira? ”

“Eu já disse a você. Quero que a gente se divirta bastante. Você não está se divertindo? ”

“Não, ” ela respondeu, nervosa e irritada.

Uma carinha amarela e triste enviada por Felipe apareceu na tela do chat e ele enviou:

“Pena. Porque estou me divertindo muito”.

“Você é um doente! ”

“E você, o meu brinquedinho...”

Clara não aguentou mais, saltou do sofá exasperada, sem controle de suas emoções e resolveu sair correndo porta afora até alcançar o vizinho mais próximo e pedir ajuda. Mas ela não chegou a dar sequer dois passos quando novamente o celular vibrou na sua mão e o som chato de uma nova mensagem do Trorer ressoou quase como um agouro.

“Se você sair da casa, eu te mato, ” dizia a mensagem. Fria. Assustadora. Selvagem no seu minimalismo amedrontador.

O que ela faria? Como poderia combater esta ameaça virtual personificada em um rapaz de belo sorriso, mas de mente completamente perturbada? Não. Isto ele não poderia cumprir. Saber onde ela morava e ter chance de matá-la antes da polícia chegar ainda eram situações possíveis dele conseguir executar, mas esta não. Não tinha como ele chegar na sua casa a tempo de a pegar antes que ela conseguisse ajuda de terceiros. Ela estava salva. Correria o mais rápido e para o mais longe que pudesse até conseguir ajuda. Nem se deu ao trabalho de escrever esta mensagem para seu perseguidor virtual. Ela vencera a batalha.

Preparando-se novamente para sair em disparada da sua casa, o celular voltou a informar que uma nova mensagem havia chegado. Clara se deixou levar pela curiosidade do momento e a afetação pela adrenalina. Leu:

“Estou do lado de fora esperando você sair”.

Seu corpo pareceu mergulhar em um profundo oceano congelado enquanto era puxado para as suas profundezas escuras pelos tornozelos amarrados por correntes enferrujadas em um bloco de gelo desolador. O pavor a estava consumindo aos poucos.

Ele não podia estar falando sério. Aquilo só podia ser uma...

TREENZZZ!

A campainha tocou alto, a fazendo pular para trás com um gritinho abafado. O coração quase arrebentando no peito. Seus olhos arregalados se fixaram na porta da entrada perfurada por um olho mágico dourado. Era a sua salvação. Um vizinho ou qualquer pessoa que fosse estava ali e ela poderia conseguir ajuda mais rapidamente e se livrar de tudo aquilo o quanto antes. Sentiu os membros se aquecerem novamente quando o sangue quente os percorreu para que ela tivesse forças para correr até a porta. No seu celular, porém, apareceu uma mensagem educada de Felipe.

“Atenda a porta, por favor, Clara”.

O seu rosto, as pontas dos seus dedos e até mesmo os seus lábios ficaram brancos e gelados de pavor. Ele não podia estar ali.

TREEEENNZZZZ.

A campainha tocou outra vez, ainda mais tenebrosa que antes.

Mesmo apavorada, Clara gritou, perguntando:

— Qu-que-quem é?

A resposta apareceu escrita no seu celular em forma de mensagem do chat do Trorer, estava em tom casual e divertido.

“É o Felipe. Atende a porta. Quero te matar”.

Clara soltou um berro desesperado e temeroso antes de sair correndo para os fundos da casa. Se ele estava ali na porta da frente, ela teria como fugir pela dos fundos. Empregaria todo o esforço do seu corpo preparado por anos de aeróbica na corrida pela sobrevivência.

Rápida e nervosa, Clara atravessou a sala, um corredor estreito e a cozinha até avistar a porta dos fundos enfeitada por uma janela mediana pela qual ela podia enxergar a existência de uma silhueta grande e disforme a esperá-la do lado de fora.

— Não pode ser... — ela sussurrou, apavoradíssima. As pernas quase falhando.

No seu celular surgiu uma mensagem de Felipe.

“Estou aqui também, te esperando”.

A silhueta escura do lado de fora começou a bater na porta e girar a maçaneta tentando forçar a entrada, por sorte Clara havia trancado tudo antes de tomar banho. Ele não conseguiria entrar. Mas ainda sem muita confiança, Clara foi até a mesa próxima e a arrastou até a porta dos fundos, bloqueando a passagem. Isso lhe daria mais algum tempo.

Ela correu de volta para a sala de estar e viu que alguém também batia na porta da frente e forçava a entrada enquanto não parava de tocar a campainha. Estaria sendo atacada por uma gangue? Entre lágrimas, medo, soluços e desespero, ela gritou para a porta:

— O que você quer?!

A mensagem no celular respondeu:

“Matar você”.

Ela gritou novamente, pedindo socorro e auxílio para os vizinhos que não chegariam. Estava cercada e trancafiada dentro da própria casa. Sentia a garganta se fechar, pressionada pelo medo crescente palpitando em seu peito arfante. A porta da frente e a dos fundos continuavam sendo esmurradas e forçadas ao mesmo tempo, a campainha tocava incessantemente, enlouquecendo o seu juízo perturbado.

Sem forças para emitir um som através da garganta, Clara digitou no celular e enviou para Felipe:

“O que você é? Onde você está? ”

A resposta veio escrita logo em seguida:

“No mundo atual sou tantas coisas e posso estar em todos os lugares que desejar. Basta permitirem a minha entrada. Um simples clique despretensioso e eu estou em tudo”.

Todas as luzes da casa de Clara começaram a se acender e apagar ao mesmo tempo que a televisão, o rádio, a máquina de lavar, o notebook e vários outros aparelhos eletroeletrônicos faziam o mesmo. Ligando e desligando várias vezes.

Clara berrou e correu para o único lugar onde ainda poderia se sentir o mínimo segura possível. Subindo as escadas da casa, ela trancou a porta do próprio quarto, arrastou a cama até ela para impedir a entrada do intruso e se escondeu dentro do seu armário de roupas, trancando a porta assim que entrou nele.

Encostada na parede maciça atrás de si, hiperventilando e tremendo toda, Clara resolveu ligar para a polícia e pedir socorro. O maníaco já estava na sua casa, era a única chance que tinha. Depois ligaria para os vizinhos para pedir auxílio. Precisava tentar de tudo para sobreviver a toda aquela insanidade. Seus dedos clicaram nos botões necessários para sair do aplicativo Trorer e fazer uma ligação, mas nada aconteceu. A tela do chat com Felipe, assim como a foto sorridente dele, continuava no display do telefone. Ela não conseguia sair do aplicativo. Estava presa nele.

Enquanto tentava sair do aplicativo dentro do seu armário escuro, o mundo lá fora continuava um caos absoluto, com todos os aparelhos ligando e desligando simultaneamente. Então uma mensagem de Felipe apareceu no seu celular:

“Você sabe por que o ícone do Trorer é um coração vermelho? ”

Sem entender aquela pergunta, as mãos suando compulsoriamente e a respiração ofegante no meio das suas lágrimas, Clara escreveu:

“Não sei”.

A resposta obtida foi:

“Porque é a primeira coisa que vou arrancar de você para devorar”.

Antes de poder ter qualquer reação, Clara sentiu algo com muita força e brutalidade esmurrar as suas costas, seguido por um som estranho e angustiante de algo se esmigalhando como cascas de nozes. As suas vértebras, costelas e o osso externo se estilhaçaram quando uma mão violenta e misteriosa atravessou as suas costas e se enterrou fundo até sair, escura, grande e ensanguentada, na frente do seu peito, com o seu coração preso entre os dedos.

Ela deixou o celular cair no chão, o display rachou como o vidro de um carro batido. Quando a mão e o braço dentro do seu corpo e segurando o seu coração saíram de uma vez só, ela caiu, estrebuchando. O sangue vazando abundante do seu corpo se espalhou pelo chão liso até alcançar o celular cujo display rachado mostrava o ícone de um coração vermelho a pulsar fracamente.

De barriga para cima, a visão completamente enevoada, Clara viu e ouviu uma silhueta monstruosa e disforme acima de si devorar com selvageria o seu coração, dentada por dentada.

Antes que a escuridão total se abatesse sobre si, Clara sentiu quando algo a puxou pelas pernas até um canto do armário e começou a mastigá-la dolorosamente. Aos poucos o seu sangue se espalhou mais e mais pelo chão do armário à medida que o ícone vermelho do coração pulsante no seu celular quebrado ia ficando cinza e parando de pulsar até morrer de vez quando as luzes do display se apagaram.

***

Júlio chegara em casa feliz da vida, um sorriso de ponta a ponta no rosto. A noite anterior fora deliciosa. Tinha se dado muito bem com a garota com quem marcara um encontro casual por um aplicativo de paquera — um dos muitos que adorava usar quase todos os dias. Conhecera tantas garotas e se dera bem tantas vezes através destes aplicativos que os achava a invenção do século. Iria tirar o dia para descansar da noite anterior e pensar em qual aplicativo usaria hoje para conseguir alguém à noite. Deixara a garota em casa dizendo que ligaria para ela depois, mas claro que ele não faria isso. Havia muitas garotas no mundo e ele não podia se prender tão cedo a uma.

Deitado na cama macia, os pés descalços, a calça de moletom azul folgada no corpo, as mãos atrás da cabeça a contemplar o teto branco do seu quarto, Júlio teve o descanso interrompido pelo som de mensagem nova no seu celular. Pegou o aparelho da mesinha ao lado da cama e viu escrito no display:

“Olá! Teste o novo aplicativo de pegação e paquera, Trorer. É sensacional. ”

Sem pensar duas vezes, Júlio clicou no ícone de um coração vermelho pulsando no canto da tela e começou a preencher o formulário de cadastro do aplicativo. Seria ótimo. Ele testaria logo se aquele aplicativo era tão bom como diziam os depoimentos dos usuários.

Quero só ver, pensou animado.

Após se cadastrar e postar uma foto no seu perfil de usuário, Júlio foi passando os olhos pela lista de garotas também cadastradas no mesmo aplicativo e finalmente se encantou pela foto de uma moça linda. Ela tinha cabelos castanhos, usava uma franja lisa lateral, a cabeça estava um pouco pendida para um lado e sua expressão era bela e provocativa.

Os pelos no corpo de Júlio se eriçaram de excitação.

— Uau! Você é show — disse, sorrindo e piscando para a foto da moça no seu celular.

Ele clicou na foto dela. Um grande coração vermelho piscou e explodiu na tela do aparelho e uma mensagem apareceu:

 “Um match foi dado. Clara também te curtiu. Partam juntos para uma viagem inesquecível. Iniciem um chat agora. ”

— Mas é claro, bebê — ele comentou, mordendo o lábio inferior e aceitando o convite para um chat particular.

A sala de mensagens do chat do aplicativo se abriu e uma mensagem o recebeu:

“Olá, Júlio. Eu sou a Clara. Você é novo por aqui? ”

Sentando-se na cama e encostando as costas na parede, Júlio respondeu:

“Sou sim, gata. O que você gosta de fazer? ”

“Adoro me divertir. Vamos nos divertir? ”

“Vamos sim, Clara, ” ele respondeu, já imaginando como seria ter aquela mulher nos seus braços por uma noite inteira.

Outra mensagem vinda de Clara surgiu no seu celular:

“Eu garanto que vamos, Júlio”.

~ FIM ~


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