Nossa pequena história escrita por


Capítulo 1
Em cacos


Notas iniciais do capítulo

Tema do capítulo: A primeira vez que nos vimos



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Dois anos antes da batalha

Conhecer Mitéra após minha “morte” foi a melhor coisa que já aconteceu comigo. Na época, a Praia Aurial ainda era tão branca quanto as nuvens do céu em um dia de sol e nada de ruim ainda havia acontecido com nossa irmandade desde então.

Estávamos montando uma fogueira perto do mar para nos esquentarmos no clima frio daquele mundo mágico, e as chamas eram azuis por causa do sal do mar. Eu estava totalmente hipnotizada pelas cores, perdida em pensamentos.

— Paula! — Levantei o olhar das chamas para o grupo de meninas que estavam ali comigo. — Pegue aquele frasco que está lá na lareira de casa, por favor? — Uma de minhas novas irmãs pediu. Acenei com a cabeça, apertei os braços em volta de mim para me esquentar mais ainda e caminhei até o pequeno chalé de madeira, sentindo meus pés descalços afundarem na areia. Aquela era e ainda é uma das melhores sensações do mundo.

Abri a porta e me dirigi para a sala, onde a lareira estava acessa. Em cima dela, ao lado de algumas fotos e desenhos emoldurados, havia um frasco transparente com um líquido claro e brilhante que eu não fazia ideia do que era. Era lindo e hipnotizante como a maioria das coisas naquele reino mágico.

E foi assim que eu o conheci. Prestes a pegar o frasco nas mãos, escutei alguém entrando no chalé e, no susto, derrubei-o de minhas mãos. O vidro se espatifou assim que encostou no chão e o líquido escorreu pelos cacos, manchando o chão com brilho branco.

— Maia? — Uma voz masculina chamou assim que o barulho do vidro espatifado parou de ecoar. Parecia preocupado.

— Droga... — Murmurei, me ajoelhando ao mesmo tempo em que um par de botas – aparentemente de montaria de dragões – apareceu na soleira da porta.

— Ah... — O suspiro de alívio foi totalmente audível, assim como o som de uma espada voltando para sua bainha. — Você é a nova Yvridikó? Não esperava encontrá-la tão cedo... — A mesma voz perguntou, com um tom de riso. Continuei a recolher os cacos do vidro.

— Sim. A nova Yvridikó mais desastrada do mundo. Droga, a Maia vai me matar. Eu perdi o líquido todo, e eu nem sei o que é... — Bati as mãos com cuidado na calça de moletom e bufei, vendo o chão ficar permanentemente manchado. O desconhecido riu e se aproximou.

— Não se preocupe, ela consegue mais em dois segundos. — Sua voz tinha um toque de reverência que me deixava com náuseas. Era como se ele amasse minha irmã mais do que qualquer coisa.

— O que era isso? — Perguntei, voltando a recolher os cacos do chão. Algumas partes estavam bem longe de mim e o desconhecido se ajoelhou, pegando essas partes.

— Pó de fada diluído, que ela consegue comprar em qualquer feira de beira floresta. Serve para manter as chamas de um fogo acesso por mais tempo. — Ele me respondeu, as mãos grandes agilmente montando um bolinho com o que sobrou do frasco.

— Isso é esclare... — Parei de falar assim que ergui meus olhos e encontrei os deles. Eles eram verde-escuros, como uma floresta, e também me olhavam fixamente.

Minhas mãos tremeram, derrubando novamente o bolinho que ele montava, e me estômago revirou violentamente. Fiquei com medo de vomitar na frente dele, enquanto ainda nos olhávamos profundamente, e minha respiração ficou ofegante.

E então eu fiquei irritada. Por algum motivo extremamente aleatório, eu fiquei irritada. Meu rosto queimou e eu sabia que estava ficando vermelha, mas não de vergonha. Mordi a parte interna de minha bochecha e fechei as mãos em punhos.

— Perdeu algo no meu rosto? — Perguntei, irritada. Ele sentou-se no chão, arrumou correndo os cacos de vidro e depois ergueu as mãos como em sinal de rendição.

— Eu... eu... não, claro que não. Você... você é muito bonita...

E foi aí que eu me levantei de um salto, quase explodindo de raiva.

— Ah não! Não, não, não! — Comecei a andar de um lado ao outro. Foi quando tive um insight:

— Não me diga que isso é aquele negócio ridículo de “conexão das almas” que eu li nos livros... Isso não pode estar acontecendo... — Eu cobri o rosto com os dedos e dei as costas para tentar me acalmar.

— Você... não viu o que eu vi? — Perguntou. Franzi as sobrancelhas.

— E o que exatamente você viu? — Minha voz subiu duas oitavas de tanta irritação.

— Eu vi você, Paula... — O jeito que ele disse meu nome, com carinho, me fez estremecer. — Quero dizer...

— Para! Por favor, para! — Pedi. — Por favor er...

— Aster — Ele completou, como se soubesse exatamente o que eu iria perguntar. Seu nome não me era estranho, eu deveria ter escutado ele na voz de uma das minhas irmãs.

— Aster. Sim. Eu sinto muito, isso não era para estar acontecendo, de maneira nenhuma. Eu li sobre isso em algum dos livros que a gente têm aqui em casa e... eu simplesmente não quero isso! — Respirei fundo, ainda irritada.

Aster se levantou, e eu notei pela primeira vez o quanto ele era alto e em como seus braços tinham músculos definidos. Balancei a cabeça.

— Eu achei que nós... que você...

— Achou errado, Aster! Não existe um “nós”, isso não é uma droga de conto de fadas... Eu tenho escolha, não tenho? Eu não quero minha alma conectada com ninguém, que droga, eu não quero! — Meu corpo inteiro tremia de raiva e eu tentava ao máximo respirar para, sobretudo, acalmar meu estômago e reprimir as memórias que insistiam em vir naquele momento.

— Mas... — Ele parecia muito confuso. Seus olhos estavam tristes e ele tentou se aproximar de mim. Me afastei bruscamente, tudo em volta de mim esquecido momentaneamente.

— Não! — Eu gritei, e minha voz ecoou no chalé quase vazio. — Eu preciso sair daqui! — Anunciei, como se fosse necessário.

Passei por ele, contornando o jovem que ainda estava ali parado. Foi a primeira vez que notei que seus cabelos eram plúmbeos como os de Maia, e lembrei de onde eu conhecia seu nome: era irmão gêmeo de minha irmã mais velha.

— P? — Uma voz gritou e alguém correu até mim. Me esquivei dos braços de Ahken e corri para trás de algumas pedras.

— Ao menos uma vez desde a minha transformação, me deixem sozinha! — Gritei para minhas irmãs. Depois, ajoelhei no chão e, de uma vez, despejei na areia todo o conteúdo que estava em meu estômago.


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Notas finais do capítulo

(1) - Mitéra é a ilha mágica onde essa história vai se passar
(2) - Paula refere-se ás meninas como sendo suas irmãs, mas é apenas uma forma carinhosa. Nenhuma delas realmente é irmã da outra
(3) - Yvridikós são as servas da água em Mitéra. Também conhecidas como "sereias", embora essa nomenclatura seja bem errada

Espero que tenham gostado ♥ Próximo capítulo: sábado, dia 08



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