Black Dog escrita por Clarinna


Capítulo 2
Capítulo II




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Onde encontrar um jovem lobisomem maltrapilho, sem amigos ou família, no meio de uma noite de quarta-feira, sem ser de lua cheia? Sirius apostava que seria em um bar, e o único bar frequentado por bruxos que ele conhecia nas proximidades era o Caldeirão Furado. Estava depositando em Lupin todas as suas esperanças, e esperava que isso fosse motivo suficiente para que todas as forças do universo conspirassem para que ele o encontrasse logo, são e salvo e disposto a ajudá-lo.

Ele corria não apenas pelo desespero de buscar alguém, mas também porquê sentir o vento nos  pelos e o asfalto gelado nas patas lhe concedia a sensação de liberdade que não sentia há semanas. Nessa velocidade não tardou a parar na frente do velho bar, ofegante, porém determinado. Esperou alguns minutos até que uma senhora de véu e aparência suspeita abriu a porta pelo lado de dentro e ele se encolheu para passar entre as pernas dela e adentrar o local.

A estalagem era esfumaçada, cheirava a sopa de ervilhas, madeira velha e a alguma coisa muito estranha que um velho bruxo fumava em um cachimbo a um canto do aposento. Sirius correu os olhos astutos de cachorro pelo ambiente tentando ignorar as fotografias de si mesmo em anúncios do tipo “assassino perigoso foragido”, até se deparar com um rapaz loiro, alto e magro sentado numa banqueta, acotovelado sobre um livro no balcão de bebidas, tinha uma cerveja amanteigada na mão e uma pena na outra, a cabeça estava baixa enquanto ele lia, porém era inconfundível para Sirius.

Em pisadas rápidas, mas sem se exaltar, ele se aproximou disfarçadamente até parar ao lado do rapaz e conseguir visualizar cada cicatriz em seu rosto e as dobras de suas vestes amarrotadas. Ele tomou o cuidado de tentar não assustá-lo, mas não teve muito sucesso. Deu um latido baixo e sonoro, e como o outro não deu sinais de ter escutado, tocou com a pata em sua canela.

— Mas o que... – ele mirou o chão sem entender e seus olhos âmbar se arregalaram - ALMOFADINHAS! – com o susto, o rapaz se desequilibrou e tombou a banqueta, quase derrubando sua cerveja inteira no chão também - Pelas barbas de Merlim!

Sirius, vendo que todos começaram a encarar Lupin em busca do motivo daquele escândalo, entrou debaixo do balcão e esperou enquanto lambia a cerveja do chão.

— O que foi? - ouviu o dono do bar, Tom, perguntar e não obter resposta imediatamente – Remus, o que aconteceu, homem?

Aparentemente Remus estava se recuperando mal da aparição de seu velho amigo vira-lata e gaguejou algumas vezes antes de responder.

— E-ele... Não foi nada, desculpe, achei que algo tinha roçado minha perna. - respondeu tentando controlar a voz.

— Impossível, matei o último rato ontem! – retrucou Tom, inconformado, e todos ouviram quando ele saiu com passos fortes, provavelmente bravo por ter que armar as ratoeiras de novo.

Lupin não voltou a se sentar, então Sirius pôs seu focinho para fora até a altura dos olhos e pode encarar o lobisomem, que o encarou de volta com desconfiança e confusão. Um deles honestamente esperava uma recepção mais calorosa.

— Vou deixar o dinheiro aqui encima, Tom. - Lupin avisou para o homem que tinha se enfiado na cozinha atrás da ratoeira, lançou um olhar para o cão e apanhou o livro encima do balcão.

Saiu andando acompanhado do imenso cachorro negro entre os bêbados e fumantes, subiu algumas escadas e andou por um corredor mal iluminado onde só se ouvia os sons de conversa no andar de baixo e as unhas felinas arranhando a madeira.

Eles pararam em uma porta com placa metálica que indicava o quarto numero cinco, ele a abriu e deixou o cão passar, mas antes que Sirius tivesse voltado completamente a forma humana já havia uma varinha apontada para seu peito.

— Remus? – exclamou Sirius, surpreso.

— Você traiu James e Lily Potter? – Lupin indagou com as mãos tremendo.

Alguns segundos se passaram em que Sirius se manteve imóvel com os braços abertos, encarando os olhos desafiadores e ao mesmo tempo amedrontados do amigo, até se dar conta de que ele era mesmo um assassino perigoso foragido para todo mundo, uma vez que ninguém sabia da verdade, senão ele, James e Lily.

— Você sabe que eu iria preferir morrer do que traí-los, Aluado. - respondeu lealmente, e bastou para que Lupin abaixasse a varinha e o fitasse com seriedade antes de puxá-lo quase agressivamente para um abraço.

Sirius se esqueceu da amargura por ser acusado de traidor assim que o cheiro de grama e livros velhos que Lupin exalava chegou às suas narinas, fazendo-o se lembrar da escola e da amizade de anos, levando a questionamentos breves em sua mente, como quando e porquê eles haviam se deixado levar por desconfianças, afinal, não fazia tanto tempo assim desde Hogwarts, quando viviam como se partilhassem do mesmo sangue e da mesma maldição de fera.

— Eu sinto nojo de mim mesmo por ter pensado assim. - Remus sussurrou enquanto os dois estavam abraçados.

— Queria poder dizer que não pensei mal de você também, meu amigo. - Sirius apertou seu ombro com carinho – Estamos quites.

Eles se soltaram e, antes que qualquer dos dois pudesse dizer mais alguma coisa, Lupin foi assaltado por sua racionalidade e saiu fechando todas as janelas do quarto e tampando buracos em que até pobres baratas curiosas pudessem obter alguma informação sobre o paradeiro de Sirius Black.

Quando terminou, se voltou para o amigo e o olhou de cima a baixo antes de falar, quase todas as palavras ao mesmo tempo:

— Você e Clara estão bem? Onde vocês estão? Não me diga que está escondido em uma caverna fria em alguma montanha com um bebê, Almofadinhas. - Sirius levantou uma mão para pedir calma – Desculpe.

— Já fui muito adepto de cavernas, mas depois que você vira pai, as coisas mudam. – ele deu de ombros.

— Sirius. – ele insistiu com impaciência, querendo obter as respostas logo.

— Certo. – Sirius assentiu e o trejeito brincalhão desapareceu.

O animago desviou os olhos de Lupin para o chão e respirou fundo, como se tomasse coragem para fazer o que tinha ido fazer ali.

— Deve imaginar que a história é longa, porém agora vou te apresentar os fatos mais recentes, e o motivo da minha visita. – ele pigarreou antes de continuar – Fugi com Clara para a antiga casa da minha família, no Largo Grimmauld. – Lupin o olhou com uma mistura de surpresa e pena, conhecendo a repulsa que Sirius tinha pela casa - Quis permanecer sozinho para não correr riscos, me estabilizar e, por um momento, achei que daria conta do recado, sabe? Erradiquei a poeira e as artes das trevas de boa parte da mansão, Clara está bem alimentada e alegre na maior parte do tempo, mas não sei até quando isso vai durar. – ele mordeu o lábio inferior com ansiedade antes de terminar a fala - Ela vai crescer em algum momento e provavelmente se tornar tão rebelde quanto o pai. 

Ele iniciou uma caminhada pelo quarto ouvindo a madeira ranger sob seus pés, jogou os cabelos para trás e tomou fôlego para continuar.

— Eu me enganei, mais uma vez. – ele parou de costas, olhando para as cortinas fechadas da janela – Achei que não precisava de ninguém, mas como você bem sabe, sempre dependi dos meus amigos, da minha adorada Florence e,  agora mesmo, estou dependendo de um elfo praticamente em decomposição para vigiar o sono da minha filha.

— Um elfo em decomp...?  – Lupin iniciou a pergunta e Sirius balançou a cabeça para que ele não terminasse.

— O elfo não é importante. – ele esclareceu, impaciente – O quê eu quero dizer aqui, Remus, é que eu não consigo fazer isso sozinho. No começo parecia que tudo ficaria bem, mas percebi que preciso de alguém do meu lado, Clara precisa de alguém do lado dela além de mim, porque nem sempre eu vou ser o melhor dos mundos para ela. Entende o quê quero dizer?

— Sirius...  – Lupin iniciou sua fala com a testa levemente enrugada e um tom de sensatez na voz.

Sem deixa-lo prosseguir, Sirius tomou o amigo pelos ombros para olha-lo de frente e fazer o apelo que estava disposto a fazer, não importando a reação ou a resposta, mas a tentativa.

— Escute, não sei que rumo tomou para a sua vida, mas se ela ainda tem algum espaço para nós, estou te pedindo ajuda para dar um rumo para a minha e da minha família. – nunca na vida ele tinha pedido nada daquela forma para um amigo, na verdade, era conhecido por ser autossuficiente quando jovem, além de absurdamente arrogante – Sim, estou te pedindo para vir para casa comigo agora, e se a sua resposta for não, seja direto, porquê eu preciso voltar para minha filha.

Lupin o encarou pelo o que pareceram vários minutos com as mãos soltas ao lado do corpo, e Sirius até pensou que ele iria dizer que não tinha nada a ver com ele e seu bebê remelento e que ele fosse para o inferno e não o procurasse só quando precisava de alguma coisa, mas ouviu exatamente as palavras que esperava de Remus John Lupin:

— Tenha dó, Sirius. Você é meu melhor amigo e sinto como se Clara fosse minha filha também, desde que a peguei no colo na maternidade. – ele disse como se fosse óbvio.

— Você foi o primeiro depois de Florence e eu. – lembrou Sirius com entusiasmo do dia do nascimento da filha, o dia em que descobriu um desafio muito maior do que tudo que já tinha tentado na vida – Ela te amou desde o primeiro momento.

— Eu me lembro, eu a amo também desde então e faria qualquer coisa por qualquer um de vocês. – respondeu, fazendo Sirius sorrir de orelha a orelha – Diga-me o que fazer, sou um lobisomem desempregado, pobre de galeões, porém rico de conhecimento, totalmente a seu dispor.

— É isso que você põe no seu currículo? – Sirius zombou, ainda sorrindo.

— Na verdade, é sim. – então eles se abraçaram em meio as risadas.

Ao juntar seus poucos pertences em uma maleta de mão e organizar o quarto com a ajuda de um feitiço de arrumação, Lupin explicou que sobreviveu as últimas semanas com o dinheiro que James havia deixado com ele antes de ser morto, e desde então estava hospedado no Caldeirão Furado, saindo durante o dia para procurar emprego e voltando sempre frustrado, pois ninguém quer contratar um lobisomem, não importando o tamanho de sua inteligência ou seus níveis em magia.

— Depois da sua fuga o ministério entrou em contato comigo e alguns agentes chegaram a frequentar o bar por alguns dias, pois achavam que eu poderia saber qual era o seu esconderijo e se sua filha estava com você. – contou Lupin enquanto vestia o casaco puído – Todos acham que você é louco e levou Clara para maltratar a pobre criança, ao invés de deixá-la para que a encontrassem em casa.

— Louco eu sou um pouco, mesmo. – Sirius concluiu – Mas, além da promessa que fiz à Florence de que não abandonaria nossa filha sob nenhuma hipótese, existe o fato de que, sem ela, eu ficaria louco por completo. 

— Ela não pode viver sem o pai dela, tampouco. – Lupin bateu em seu ombro com orgulho - Você está tomando as decisões certas.

— Ah, meu caro, você se surpreenderia com as decisões que alguém é capaz de tomar quando tem um bando de dementadores bem na porta da frente. – ele riu sem realmente achar graça.

Ainda relatando os acontecidos depois do desaparecimento de Almofadinhas, Lupin contou que nas luas cheias ele ia para algum local distante e isolado de tudo e de todos, como sempre, o quê o tornou mais solitário durante o tempo, e Sirius pensou que isso poderia ser diferente se o amigo morasse com eles definitivamente.

— Eu sinto a falta deles todo os dias. – Lupin disse nostalgicamente, observando algumas meias se enrolarem sozinhas – James sempre me deu todo o apoio do mundo, de todas as formas, e Lily foi uma grande amiga, ela conseguia enxergar em mim coisas que eu mesmo não era capaz, jamais imaginei que poderia viver sem algum dos dois.

— Nem me fale. – Sirius colocou as mãos nos bolsos do sobretudo de forma pensativa – Você sabe do Harry? Só me lembro que Hagrid estava encarregado dele na noite em que tudo aconteceu.

— Ele foi levado para a casa dos tios trouxas, em Little Whinging. – a última meia foi para a maleta e ela se fechou com um estalo – Imagino que fosse o último lugar para onde Lily gostaria que ele fosse, mas confio nas decisões de Dumbledore.  

— Pobrezinho. – o coração de Sirius encolheu novamente – Queria poder ficar com ele, essa era a minha responsabilidade como padrinho.

— Pare de se martirizar, creio que Harry vai compreender seus motivos no futuro. – consolou Remus.

“ Isso se ele não achar que eu traí os pais dele, também”, Sirius pensou com amargura.

Chegada a hora de deixar o Caldeirão Furado, o cão negro reapareceu e eles saíram para noite, não sem antes pagar Tom pela estadia e lamber mais um pouco de cerveja do chão. Sirius estava começando a se preocupar com a possibilidade de Clara ter acordado.

— Espero que um dia eu possa te retribuir. – ele quis dizer quando os dois se encaminhavam para um beco escuro a fim de aparatar, mas só saíram latidos.


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