Sempre que alguém me dizia que eu não passava de uma covarde, no fundo eu sabia que era verdade.

Se fosse pra descrever tudo o que eu senti ao te ver aquele dia, acho que me faltariam, logo no começo, palavras e sentimentos plausíveis. Mas acho que nada seria o bastante e eu acabaria ali, como sempre, olhando feito besta para os botões da sua camisa. Já não sei se consigo, como antigamente, olhar diretamente para seus olhos.

Não foi como das outras vezes. Você estava diferente, eu também tinha mudado, acho que nós dois entramos de cabeça naquela brincadeira chamada “crescer”. Mas a minha maior certeza naquele momento, ao olhar para os seus olhos, era a de que alguma coisa ainda continuava a mesma.

Mas foi só quando realmente nos cruzamos que senti que precisava de uma última confirmação. Quando você me perguntou o que eu fazia ali, num bar, tão tarde da noite, não soube responder. Talvez porque a resposta devesse vir de você.

— Sim, é verdade. Vou me casar em breve.

Fiquei sem saber o que dizer. Senti aquilo, que permaneceu guardado mesmo depois de todos esses anos, se agitar dentro de mim. Era uma mentira de mal gosto, não? Sabia que Rosalya tinha fugido do assunto pra não me magoar, mas ainda assim, grande parte de mim supostamente acreditava que era tudo mentira.

Então, continuei ali, com toda a minha falta de coragem, olhando os botões da sua camisa.

— Você realmente pensou que eu iria te esperar a vida toda?

Queria muito responder que sim, mas acho que não conseguiria dizer nada... pelo menos, não sem começar a chorar.

— Por um tempo eu realmente pensei que poderia te esperar pra sempre, sabe? Mesmo que no fundo eu soubesse que não iria dar certo e que você não foi embora porque quis… eu nunca deixei de acreditar que talvez as coisas fossem dar certo pra nós dois.  Mas se passaram seis meses e você disse “adeus”. Não preciso dizer que concordei plenamente com aquilo. Porque no fim, você disse que foi um prazer a vida ter nos dado a oportunidade de nos encontrarmos e eu não entendi até hoje o porquê de você não conseguir se despedir como uma pessoa normal. Eu só fiquei parado, como você está nesse exato momento. Sem ação, sem conseguir falar ou fazer nada, porque só me restara, numa mão, os cacos do meu coração e na outra, todas as desculpas que me deu e eu sei que você também não as entendia.

— Mais uma vez você estava lá, sendo gentil da pior maneira possível. — continuou. — Sei que terminou comigo e cortou o contato para não me fazer sofrer. E também sei que, no fundo, sofreu tanto quanto eu. Então, fiz o que você pediu… segui em frente. Ou pelo menos tentei. Por um bom tempo tudo pareceu ser só uma grande farsa. Mas sabe o que era uma mentira maior maior ainda? Eu continuar acreditando que a qualquer momento você voltaria, pediria desculpas e tudo voltaria ao normal. Você estava tão longe, querida. Não teve que lidar com todas as memórias te cercando tão de perto. Tudo me fazia lembrar de você: a escola, a lanchonete, meus poemas, nossas fotos, os discos que ouvíamos juntos, meu bloco de notas e até mesmo meus lençóis. Sempre que nada me lembrava da sua presença, eu sabia que minha cabeça estava só brincando com meu coração, porque a ferida continuava lá, pungente, tal como uma doença terminal que ia me devorando célula por célula. Você não saia dos meus sonhos, minha mente me pregava peças, reinventando-te todo santo dia. Quem chamaria isso de seguir em frente? Foi aí que eu parei de mentir para mim mesmo, já que eu estava me agarrando à memórias enquanto os dias passavam e eu me afundava mais e mais. Todas as minhas esperanças estavam amarradas por um fio de esperança e sequer tive coragem de telefonar para cortá-lo ou não. Era injusto que você estivesse tão bem e...

— Eu não estava, Lysandre. Simplesmente não estava. Meu coração parecia uma zona de guerra, não importava o quanto eu tentasse me enganar. Eu sentia sua falta assim como precisava de ar para respirar. Quebrei a nossa promessa e sei que agora não tenho o direito de te cobrar nada e tudo o que me restou, assim como a você, foram as lembranças. E… eu… só queria que você soubesse que... — não pude continuar. Algo dentro de mim tinha acabado de se acender, uma epifania dolorosa. A verdade só veio à tona a partir do momento em que me vi obrigada a dizer em voz alta. Antes, era só um talvez. Mas agora, já não há como voltar atrás. Nada poderia preencher a distância entre nossos corações, não mais.

— Você não precisa falar nada, Lynn… já que continua sendo transparente como papel. Só te peço que não chore, porque acho que isso doeria mais em mim do que em você.

E ali, sentados lado a lado naquela bancada, Lysandre segurou minha mão. Daquela mesma maneira que fazia antigamente, quando eu estava chateada. Não pude continuar a fingir. Não enquanto ele secava minhas lágrimas e dizia que tudo iria ficar bem.

— Querendo ou não, somos como areia e mar. — Segurei um soluço, me forçando a ser corajosa pela primeira vez e a colocar tudo pra fora. Talvez aquela fosse minha última chance. — Sempre acabamos nos encontrando, de uma maneira ou de outra, mesmo que tão longe. Você foi o meu primeiro amor, Lysandre. Qualquer outro serviu apenas para me provar que você foi único e sei muito bem que você entende o que quero dizer. Eu agi errado, mas agi por amor. Parte por amor, parte por egoísmo, eu sei. Durante todo esse tempo, eu mantive todo aquele amor apertado entre as mãos. Eu apertei bem forte para que nenhuma gota escapasse, esperando que um dia você o quisesse de volta. E agora? Onde eu deveria descartá-lo? É o mais certo a se fazer, porque não parecia justo dá-lo a qualquer um que não fosse você. Estou sendo uma megera por te dizer isso só agora? Não sei, de verdade... mas no fundo acho que sim. Confesso que por mais que eu me ache corajosa por ter dito tudo isso, veja só… mal consigo olhar pro seu rosto porque não consigo ver sua reação. Acho que fracassei sendo forte por todo esse tempo. Sabe o que realmente foi uma grande farsa? Eu nem sei se consigo dizer isso em voz alta, por que eu…  

— Ei... não precisa dizer, se não quiser. Sei muito bem o que quer dizer. E sei que você sabe que sempre vai ser especial pra mim. Você foi a minha primeira namorada e minha primeira grande decepção. Você esteve comigo nos bons e maus momentos, me ensinou do que se trata o verdadeiro amor, me ensinou também a ver a vida de uma forma completamente diferente. Sou infinitamente grato a você, já que sempre te carregarei no coração por muitos e muitos motivos, desde por sempre achar meu bloco de notas a por ter me amado com todo seu coração. Sim, você foi o grande amor da minha vida, mas agora...  esse amor pertence a outra pessoa, Lynn. E estou feliz assim. Se fosse o contrário, eu estaria feliz por você. Então, por favor, não chore. Sei que é egoísta pedir, mas… fique feliz por mim, sim? Esse é o nosso ato final. Precisávamos disso para resolver de vez tudo o que ficou pendente entre nós dois e sei que você vai ficar bem. Agradeço por ter me amado e por ter me feito feliz, por estar comigo nos momentos mais difíceis e ter me apoiado em minhas decisões, por toda a dor e a chance de amadurecer, por ter me dado os melhores momentos da minha vida e, principalmente… por incrível que pareça, por ter encontrado meu bloco de notas e por pensar que eu era um fantasma. Se não fosse por sua curiosidade e a mania de assumir os problemas dos outros, talvez eu nunca tivesse me apaixonado por você. Nada é para sempre, querida… e esse é o nosso fim. Podemos não fazer mais parte da história um do outro, mas sei que seu futuro está cheio de felicidade. Uma hora essa dor vai passar, pequena… — Colocou algumas mechas de meus cabelos para trás, para que pudesse finalmente olhar em meus olhos e sussurrou — digo isso porque espero que a minha também passe.

Lysandre beijou-me a testa e as costas da mão, com um tom de despedida. E então… sorriu. O mesmo sorriso que sempre me fez cair de joelhos, cheio de amor e serenidade.

A verdade é que, enquanto ele seguia em frente, a maior parte do tempo, eu estava completamente estagnada.

Vê-lo partir, com toda a certeza, quebrou alguma coisa dentro de mim.

Só quando Lysandre virou as costas para ir embora, percebi que ele nunca tinha mudado.

Na verdade, nada estava diferente. Felizmente, isso incluia meus sentimentos.

Tinha a plena consciência de que, desde o começo, eu não precisava ter dito uma palavra...

Porque ele sempre soube que eu nunca, em momento algum, havia deixado de amá-lo.