Just Look Over Your Shoulder escrita por Marylin C


Capítulo 1
I'll be there




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Come stop your crying, it will be all right

Vamos, pare de chorar, tudo ficará bem

Just take my hand and hold it tight

Só pegue minha mão e segure firme

I will protect you from all around you

Eu te protegerei de tudo ao seu redor

I will be here, don't you cry

Eu estarei aqui, não chore

 

A garotinha andava sozinha por uma estrada de terra batida, tentando não tropeçar na barra de seu volumoso vestido azul claro. Os sapatos estavam em suas mãos enquanto os pés descalços ficavam cada vez mais encardidos em contato com a terra. A solidão não a assustava. Muito pelo contrário, a deixava mais livre para caminhar por onde seus pés quisessem levá-la, e eles simplesmente adoravam andar. Ela observava a paisagem desprovida de pessoas enquanto seguia a estrada: casas com as portas escancaradas, varais onde roupas secavam ao vento litorâneo, uma bola de couro abandonada sobre a grama. Ela ouviu um cachorro latindo e apressou o passo, notando o animal preso a uma árvore alguns metros atrás dela. Cavalos e ovelhas pastavam tranquilamente, galinhas e porcos escapavam de seus cercados, pois já não havia ninguém parar fechar as porteiras. Como se toda a humanidade dali tivesse simplesmente evaporado.

Exceto a ausência de população, não parecia haver nada de errado por ali. Os sons dos animais e o sussurrar do vento pelas folhas das árvores eram os únicos barulhos que podiam ser ouvidos, e a menina continuou andando, seguindo a estrada. A vila permanecia inabitada. Nada perturbava a aparente paz daquele lugar.

De repente, não havia mais estrada por onde andar. Ela se viu caminhando diretamente para um penhasco, o horizonte acabando na queda livre. Quis parar, mas não conseguia. Seus pés tinham verdadeiramente tomado o controle, e eles não queriam parar. Ela se contorceu, tentando impedir-se de cair. Gemeu angustiada, a beirada do penhasco cada vez mais próxima. Tentou agarrar-se a um tronco de palmeira que aparecera perto dela, mas seus pés continuavam arrastando-a para a queda. Machucou seus dedos ao insistir em segurar-se na árvore, mas os pés da garotinha eram muito mais fortes. Gritou, clamando por socorro. Suas pernas pareciam não pertencer mais a ela, como que enfeitiçados continuavam levando-a para sua morte certa.

— Maren! — ouviu, afinal. Uma aflita voz masculina que ela já conhecia, chamando seu nome. — Maren, minha rainha! Acorde! Por favor, acorde!

A jovem abriu os olhos, apercebendo-se ofegante e perfeitamente segura em seu quarto. Um rapaz de revoltos cabelos negros e músculos à mostra por usar uma camisa sem mangas a segurava pelos ombros, o olhar castanho coberto de preocupação.

— E-eu... Eu estou bem, Julio. — falou, escondendo o rosto com uma mão enquanto tentava normalizar a própria respiração e as batidas de seu coração. O olhar preocupado do rapaz negro não a deixou quando ele afastou-se, prontamente estendendo uma taça com água para sua rainha beber. Maren sorriu-lhe em agradecimento antes de tomar o líquido com um gole só.

— Aquele pesadelo de sempre? — Julio, o guarda pessoal da rainha e seu maior confidente, indagou ao sentar-se ao lado dela na extremidade da cama e por a taça vazia de volta sobre a mesinha de cabeceira. Ela assentiu, prendendo os próprios cabelos castanhos em um coque alto antes de encostar a cabeça no ombro do rapaz. Ele a apoiou, afagando os cabelos dela distraidamente. — Honestamente, você deveria consultar um dos Mestres a respeito desses sonhos. Estão cada vez mais frequentes.

— Deve ser apenas o nervosismo com o jantar, Julio. Eu vou melhorar. — ela respondeu com um sorriso que deveria acalmar seu guarda, mas que simplesmente o fez erguer as sobrancelhas. Ela sentou-se ereta, desencostando-se dele. Suspirou, revirando os olhos. — Eu sei, não é normal. Vou escrever uma carta ao Mestre Louis assim que possível. Ficará mais feliz assim?

Julio levantou-se da cama, finalmente permitindo-se sorrir levemente.

— Perfeitamente, minha rainha.

— Agora saia do meu quarto, preciso me trocar. Encontre Xavier para mim e pegue a lista com todos os meus compromissos de hoje, sim? — a rainha Maren levantou-se também, vestindo o robe de seda que estava pendurado em um gancho na parede para cobrir a camisola curta.

— Muito bem. Grite se precisar de algo ou se resolver sair andando. — ele piscou um olho para a moça, que riu ao assentir. O homem bateu a porta ao sair, deixando Maren sozinha. Ela respirou fundo, observando a luz do sol adentrar o quarto pelas enormes janelas de vidro que iam de um canto a outro da parede e se abriam para a varanda. Habitava um dos quartos mais altos da Torre Purpúrea, então não precisava se preocupar com curiosos que quisessem ter uma visão desnuda de sua rainha.

Ela se dirigiu para o enorme guarda-roupa que ocupava boa parte da parede à direita da varanda, abrindo uma das portas para encontrar sua coleção de vestidos e as gavetas onde escondia dois pares de calças e camisas que afanara de Julio alguns anos atrás para usar quando fosse cavalgar. Ele apenas fingia ignorar a existência de tais peças de roupa no armário da rainha, ela sabia. Julio sempre sabia de tudo que se tratava dela.

Optou por um modelo simples, azul e sem mangas, de um tecido leve que possuía apenas duas saias. Trocou a camisola pela combinação de roupa íntima antes de vestir-se finalmente, irritando-se levemente com o cabelo que resolvera escapar do coque.

— Ora, eu francamente preferiria cortar esses fios terríveis... — reclamou para si mesma enquanto usava uma fita pra fazer um rabo de cavalo com os rebeldes cabelos ondulados que iam até os ombros da moça. Olhou-se no espelho do guarda-roupa, tentando ver se poderia passar-se por alguém que tinha tido uma boa noite de sono. Achou o resultado satisfatório e calçou os sapatos, encontrando sua fina coroa decorada com delicadas flores moldadas em ouro dentro de uma caixa de vidro sobre uma prateleira e olhando-se no espelho mais uma vez. Considerou por alguma cor no rosto com uma maquiagem, mas desistiu ao sentir seu estômago roncar.

Saiu do quarto e seguiu corredor abaixo, passando pela porta aberta do quarto vizinho ao dela. O quarto de Julio. Revirou os olhos e a fechou antes de seguir seu caminho, passando por mais dois quartos antes de chegar às escadas que levariam até a sala comum da Torre. Desceu a mesma pulando os degraus de dois em dois, passando por alguns empregados que subiam ou desciam e cumprimentando-os com sorrisos animados. Chegou até a sala, mobiliada com uma enorme escrivaninha e diversos sofás e poltronas que tornavam aquele um bom ambiente para se estar com a família. Havia um rolo de pergaminho sobre a escrivaninha, que Maren pegou com um muxoxo irritado. Julio com certeza tinha encontrado Xavier, o administrador e Secretário Real, e aquela era a lista daquele dia. Escolheu não desenrolar o pergaminho, levando-o consigo para ver o que deveria fazer depois de tomar o café da manhã. Ela então encontrou a porta que a levaria às escadas em caracol que descia até o corredor principal do castelo e, ao contrário do que a maioria faria, simplesmente flutuou por cima dos degraus enquanto descia em uma velocidade espetacular. Riu ao chegar embaixo, prosseguindo até a sala de refeições. Uma mulher de meia idade e cabelos grisalhos já estava à mesa, atacando uma taça com o que parecia ser salada de frutas.

— Bom dia, mamãe! — sorriu Maren, sentando-se à cabeceira da enorme mesa da sala de refeições  e partindo um pedaço do bolo que estava à sua frente. A antiga rainha desejou-lhe um bom dia antes de voltar-se totalmente para o que comia. A mais nova sentiu então a súbita urgência de levantar-se e andar, mas tentou controlar-se para, pelo menos, comer seu bolo em paz. Sentiu o sabor do bolo branco e tomou um gole de café, respirando fundo enquanto tentava concentrar-se na comida.

— Vá andar, Maren. Não contenha isso, você sabe que passará mal se continuar sentada. — A mulher  disse, encarando seriamente a filha. A moça com certeza tentara esconder sua agonia, mas os olhos treinados da antiga rainha Eleonora não deixavam nada escapar. A jovem por fim levantou-se, se desculpando com a mãe e levando a xícara de café ao sair apressada da sala. Encontrou Julio no corredor, carregando sua habitual bolsa de couro. O olhar contrariado de sua rainha o fez parar o que quer que estivesse fazendo (no caso, comendo uma maçã) para acompanhá-la pelos corredores do castelo alvo que ficara conhecido como Estrela do Norte por refletir o brilho da lua à noite.

Ele delicadamente ajeitou a coroa de flores de ouro que estava pendendo para um lado da cabeça da moça enquanto ela andava, ganhando um pequeno sorriso de agradecimento. Então o guarda soltou um longo assobio, ao que imediatamente voou para seu ombro um falcão de penas marrons. Maren tomou o último gole de café e estendeu a xícara para o pássaro com um sorriso levemente culpado, que a pegou pela asa com as garras e voou na direção da cozinha do castelo. Tanto o pássaro quanto o próprio Julio tinham sido providências tomadas pela mãe de Maren quando sua condição foi descoberta. Logo que nasceu, ela passava mal por nenhum motivo específico e, até aprender a andar, essa tendência não tinha cedido. Os Mestres do Conselho dos Magos entenderam que sua condição advinha de uma formação diferente do modo que a magia corria nas veias dela, e não era contagiosa ou hereditária. Logo notou-se que ela ficava bem quando andava, suprindo os desejos de seu corpo, e a antiga rainha adaptou tudo para que sua garotinha pudesse viver como qualquer ser humano.

Rainha e guarda chegaram até os jardins, em um confortável silêncio de quem tinha o costume de fazer aquilo o tempo inteiro. Ela abriu então o rolo de pergaminho que encontrara na antessala da Torre Purpúrea ao descer as escadas pela manhã, fazendo uma careta para as linhas e linhas de palavras bem desenhadas que sentenciavam o dia atarefado que surgia.

— Preciso ir até as cozinhas, aos alojamentos do exército e imagino que tenho um chá para tomar com alguém. — anunciou, os dois ainda andando. — E a reunião com a nobreza está marcada para as quatro, além de eu precisar revisar tudo o que eu aprendi sobre o reino de Refka para não causar uma guerra civil por falar algo que eles tomem como ofensa. — Julio deu algumas batidinhas no ombro da garota, como se a consolasse. A rainha revirou os olhos, sorrindo levemente para o guarda. — Tenho também uma reunião com os representantes das cidades do reino. E céus, ainda preciso checar se temos tudo que precisamos para o jantar de amanhã! — leu o último item da lista, assombrada.

— Muito bem. O que quer fazer primeiro? — ele indagou, fazendo-a dar de ombros.

— Sinto que seria muito mais fácil checar o jantar se Xavier fizesse uma lista. — Maren comentou, ao que o guarda assentiu. Assobiou novamente e encontrou papel e tinta em sua bolsa de couro, entregando-os à rainha da cabelos castanhos.

— Acho que sua mãe precisaria ler a lista ela mesma depois que ele a redigisse, para ter certeza de que não falta nada. — Julio sugeriu, fazendo Maren acenar a pena em sua direção como se concordasse. O tempo que ela levou para escrever o bilhete para o administrador foi o mesmo que o falcão voltou para onde os dois estavam, pousando no ombro do guarda com um chacoalhar de asas. A rainha enrolou o bilhete e o entregou ao pássaro, desejando-o um bom dia e indicando o destinatário do bilhete. Este assentiu e levantou voo novamente, com um frio cumprimento para Maren.

— Ele fica bem mal-humorado pela manhã. — ela riu, ao que Julio assentiu com um sorriso.

— Diaval tem uma personalidade forte, com certeza. — ele comentou — Mas voltemos aos seus afazeres.

— Acho que me parece um bom momento para conversar com o comandante do exército.

— Não se esqueça de redigir a carta ao Mestre Louis, falando dos seus sonhos. — Julio pediu. Maren assentiu, pegando mais uma folha de papel que seu guarda ofereceu. Os dois seguiram andando, a rainha apoiando a folha do ar para poder escrever a carta, e a sacudiu depois de acabá-la para secar a tinta. Então a soprou, o papel levantando voo e se transformando em um passarinho que voou para longe. Apoiou-se em Julio para continuar andando, já que aquele tipo de magia requeria muita energia da parte dela. Como sempre se apoiava, em todas as situações. O guarda era o chão que trazia equilíbrio aos seus passos.

 

For one so small, you seem so strong

Para alguém tão pequena, você parece tão forte

My arms will hold you, keep you safe and warm

Meus braços irão segurá-la, mantê-la segura e aquecida

This bond between us can't be broken

Esta ligação entre nós não pode ser quebrada

I will be here, don't you cry

Eu estarei aqui, não chore

 

Depois de terem conversado com o comandante, onde Maren passou-lhe instruções sobre a designação de um grupo de guardas para acompanhar os futuros visitantes quando chegassem ao porto, Julio e sua rainha se dirigiram à vila adjacente ao castelo, onde deveriam comparecer a uma reunião dos representantes de cada cidade do reino. Eles mal tinham chegado à estrada quando um homem a cavalo surgiu no horizonte. O uniforme do exército real, azul e dourado, reluzia à luz do sol.

Ao invés de seguir para a vila ou para o castelo, o soldado parou diante dos dois. Apeou com rapidez e fez uma reverência à rainha, menos profunda do que Julio acharia adequado. Mas, antes que ele pudesse tecer qualquer comentário, a voz urgente do homem se dirigiu a Maren:

— Majestade, um navio foi avistado no horizonte. Pudemos verificar que está em frangalhos, como se tivesse passado por uma grande tempestade, mas não possui bandeira alguma. O que devemos fazer?

— Tem alguma ideia de quantos tripulantes ele comporta? — ela indagou, desencostando-se de seu guarda para assumir a postura altiva e eficiente que lhe cabia.

— É um navio grande, majestade. Precisaria de ao menos trinta tripulantes, caso nenhum deles fosse dotado de poderes mágicos. Mas alguém como a senhorita poderia facilmente controlá-lo sozinho. — o soldado respondeu rapidamente, gesticulando muito. Julio acreditava que sabia o nome dele. Seria Edward? Elliot?

— Acredito que a guarda do porto será suficiente, juntamente com quinze outros homens. — ela acenou com a cabeça para Julio, que encontrou mais papel em sua bolsa para começar a redigir um documento real. — Solicite-os com urgência ao comandante, além de ao menos três boticários. Caso sejam realmente trinta tripulantes, devemos estar preparados.

Julio acabou de escrever a solicitação que Maren acabara de falar, passando o papel para a rainha assinar. Ela releu-o, acrescentou mais uma linha ao documento e o soprou para fazer a tinta secar. Dobrou-o, entregando-o ao soldado logo em seguida.

— Obrigado, majestade.

— Por favor, Edwin, não se esqueça da linha que acrescentei ao documento: demonstrar gentileza. — ela pediu, mas o tom contido em sua voz denunciava aquilo como uma ordem. Julio riu internamente ao ouvir o nome do homem sendo pronunciado pelos lábios de sua rainha. A memória dela para nomes era realmente impressionante. — Não sabemos o que essas pessoas querem, mas também não sabemos pelo quê elas passaram. Sejam solícitos, não hostis. Entendido?

— Sim, majestade. — e Edwin subiu novamente no cavalo, galopando em direção ao alojamento dos soldados com o documento em seu bolso. Maren voltou-se então para Julio, que tinha um pequeno sorriso de admiração no rosto. Ela ergueu uma sobrancelha e ele respondeu a indagação muda:

— Nunca deixarei de admirar a segurança com que você desempenha seu trabalho.

Ela riu.

— Mesmo quando estivermos velhos e nenhum dos dois poder mais andar por aí para resolver os assuntos reais?

— Mesmo assim. — ele tocou-lhe o rosto, um gesto involuntário e gentil que fez a rainha enrubescer levemente. — Vamos, minha rainha. Temos uma reunião agora. — ele tossiu, virando-se constrangido para voltar a andar.

— Se importa de pedirmos uma carruagem agora? Estou ficando cansada. — ela disse, tentando ignorar o pequeno momento de estranho afeto que acabara de se passar. Ele fez que sim com a cabeça, assobiando mais uma vez naquele dia para chamar Diaval. Só então Maren notou que ele tinha prendido os longos cabelos cacheados em uma trança apertada. Quem será que tinha feito aquele belo trabalho? Deveria pedir que essa pessoa fizesse uma trança assim nela mesma também. Quem sabe no jantar de amanhã…

Ela riu de si mesma. Estava divagando para distrair-se do rubor que invadira seu rosto bronzeado quando o rapaz negro a tocara. Desde o último inverno, esses momentos tinham ficado cada vez mais comuns: ela embaraçada com o toque gentil dele, com sua atenção e honestidade. Era verão, o que significava quase seis meses daqueles momentos esquisitos que ela inconscientemente aprendeu a gostar. O que aquilo realmente significava? O que diabos acontecia ali, naqueles poucos segundos de uma intimidade diferente da que os dois estavam habituados?

Deveria descobrir o quanto antes, resolveu enquanto subia na carruagem que acabara de chegar.

 

'Cause you'll be in my heart

Porque você estará no meu coração

Yes, you'll be in my heart

Sim, você estará no meu coração

From this day on, now and forever more

Desse dia em diante, agora e para sempre

You'll be in my heart, no matter what they say

Você estará no meu coração, não importa o que eles digam

You'll be here in my heart, always

Você estará aqui no meu coração, sempre

 

Julio nunca soube apontar exatamente o momento em que se descobriu apaixonado pela jovem rainha de Ikla. Os dois haviam crescido juntos, ela como uma animada e diligente princesa e ele como seu fiel guarda e confidente. Não havia uma memória sequer em sua cabeça onde ele não estivesse correndo atrás da figura esguia de Maren, ou brincando com ela, ou pensando nela. Suas vidas estavam tão entrelaçadas que o rapaz negro sentiria que, se um dia fosse obrigado a separar-se dela, seria como perder parte de sua alma. Cada vez que refletia sobre a possibilidade dela um dia casar-se com algum nobre ou rei de um lugar distante, algo dentro de si se mexia com angústia. Mas bom, ele não poderia fazer nada para tentar impedi-la, caso esse dia fatídico chegasse. Sabia que ela não se casaria por menos que amor verdadeiro, então esperaria apenas que o homem que ela escolhesse soubesse o quão privilegiado era por ter o coração de tão inigualável mulher.

Ele suspirou, a cabeça nas nuvens enquanto apenas fingia ouvir os discursos apaziguadores de sua rainha. Estava mais concentrado no timbre de sua voz, amável e firme e tão conhecido, do que nos significados reais das palavras. Não era de seu feitio perder-se em pensamentos, especialmente durante uma reunião oficial, mas depois da cena que involuntariamente armara, não poderia evitar. Imaginou que deveria confidenciar-lhe os sentimentos que o consumiam desde que se entendia por gente, mas algo dentro de si o dizia que não estava pronto. Julio sabia, obviamente, que Maren nunca iria afastar-se completamente e que não teria um pingo de ojeriza pelo amor dele. Mas não estava preparado para ouvi-la pedir desculpas por não poder dizer que sentia o mesmo. Talvez nunca estivesse.

— Todos os assuntos pendentes foram resolvidos? — a pergunta interrompeu o rumo sombrio dos pensamentos dele, e o murmúrio de aquiescência dos burgueses representantes das cidades do reino o fez levantar-se de sua cadeira para acompanhar Maren enquanto ela se despedia. Os dois andaram para fora da sala, seguidos pelos homens que ainda conversavam em voz baixa. Adentraram a carruagem que os aguardava, e a rainha riu para ele. — Você estava em algum lugar muito distante durante a reunião, não estava?

Julio abriu um sorriso amarelo de culpa, dando de ombros.

— Bom, sim. Mas não é exatamente minha função prestar atenção em suas reuniões de negócios, é?

— Creio que não. — Maren sorriu — Mas eu gosto de contar com sua opinião. Xavier é um pouco…

— Enfadonho? — ele sugeriu, fazendo-a assentir com outra risada melodiosa que fez o coração dele pular uma batida. — De qualquer modo, acho que deveríamos voltar ao castelo. Os guardas devem ter conseguido lidar com o navio destroçado e estão levando quem quer que sejam seus tripulantes para lá.

— Deveríamos mesmo. — Maren concordou, mas adquiriu uma expressão entristecida. — É uma pena, eu queria muito ir até a velha Marilla e indagar como realmente estão as coisas na cidade.

— Você pode fazer isso depois. — Julio argumentou antes de por a cabeça para fora para falar com o cocheiro sobre o próximo destino de sua rainha. Voltou a acomodar-se na carruagem justo quando a mesma começou a se mover, Maren olhando distraída pela janela e parecendo perdida em pensamentos. Ele pegou-se imaginando o que ela diria se agora, naquele momento, ele falasse o que estava entalado em sua garganta por anos. Os olhos azuis se arregalariam em surpresa, certamente. Ela abriria um sorriso que pedia desculpas, e ele precisaria se controlar para não chorar até estar sozinho em seus aposentos. Seu coração se partiria, mas ao menos ele teria sido honesto. E, mesmo que conseguisse reconstruí-lo, ela ainda estaria lá. Ocupando todo o espaço possível, como se seu pobre coração sempre tivesse lhe pertencido. O que, ele sabia, não deixava de ser verdade.

— Maren, eu… — começou, mas ela o interrompeu ao ver algo fora do comum em sua janela.

— Julio, que tumulto é aquele na frente do castelo?! — a rainha perguntou alarmada. Julio olhou para onde ela apontava, e viu uma confusão de soldados e cavalos e fogo. Bem às portas da Estrela do Norte, que estavam sendo fechadas pela Guarda Real naquele momento. O que diabos…?

Maren gritou para que parassem a carruagem e desceu rapidamente, seu guarda atrás dela com a espada em punho. Os dois correram pelo ar, a rainha utilizando-se de sua mágica para fazê-lo acompanhá-la no voo, e puderam ter uma parca noção do que estava acontecendo. Um rapaz sem cabelos na cabeça tinha fogo em ambas as mãos, e os soldados tinham feito um círculo ao seu redor apontando espadas e lanças. Ele atirava as chamas para tentar desfazer o círculo, cada vez se aproximando mais tanto da escadaria principal do castelo quanto de alguns corpos desfalecidos que estavam sendo examinados por dois dos boticários reais. Outros guardas protegiam esses homens em seu serviço, e as portas da Estrela do Norte já tinham sido quase completamente fechadas quando a rainha aterrissou bem no meio do círculo.

— O que diabos está acontecendo aqui?! — gritou, tanto para os soldados quanto para o desconhecido careca. Julio permaneceu em posição de ataque, usando seu corpo para impor distância entre Maren e o estranho que atirava fogo. A rainha também tinha chamas em suas mãos, e o olhar que dirigiu para o rapaz fez Julio pensar que com certeza cairia de joelhos se estivesse no lugar dele. — Alguém pode me responder? — ela perguntou, um pouco menos ríspida que da primeira vez.

— Este homem exigiu falar com Vossa Majestade a qualquer custo. — um dos soldados, que o guarda reconheceu como o mesmo Edwin daquela manhã, respondeu.

— E por que estamos aqui, em meio a esta confusão, se o pedido dele é tão simples de ser resolvido? — Maren indagou, uma pontada de irritação em sua voz ao extinguir as chamas de suas mãos com um gesto.

— Nós o avisamos que Vossa Majestade estaria em reunião no momento, mas ele exigiu que fosse chamada naquele momento e ameaçou invadir o castelo para ir atrás de Vossa Majestade ele mesmo. — outro soldado replicou, o olhar acusador ainda dirigido ao desconhecido. Julio notou, com uma pontada de preocupação, que ele ainda não tinha apagado seu próprio fogo.

— Oh, então temos aqui alguém impaciente. — ela comentou, analisando o rapaz careca. — Abaixem as armas! — ordenou. Hesitantes, os homens ao redor guardaram espadas e lanças. Julio permaneceu no lugar, sem se abalar pela ordem de sua rainha. Encarava o vermelho incandescente que queimava nas mãos do estranho, pensando que ele seria um homem morto se tentasse atirar uma daquelas coisas em Maren. Então ouviu o sussurro manso dela, e sentiu o toque tão firme quanto carinhoso em seu antebraço. — Julio.

Suspirando, guardou a espada e deu um passo para o lado. Ainda tinha a mão no cabo da arma, caso aquele desconhecido tentasse qualquer coisa contra a dona de seu coração. Ela dirigiu-lhe um olhar confiante antes de dar um passo para frente, as mãos abertas como quem diz que não tem nada a esconder. Se dirigiu ao rapaz na Língua de Todos os Povos, em um tom tão amável quanto firme:

— Perdoe os excessos dos meus soldados. Meu nome é Maren, sou a governante da ilha de Ikla. O que deseja tão avidamente falar comigo?

— Aqui não. — ele replicou, uma frieza inigualável em sua voz. Ela deu de ombros.

— Não posso deixá-lo entrar em meu castelo enquanto sussurra desse modo para o fogo. Por favor, extingua-o e vamos conversar como adultos. — pediu, ao que ele hesitou. Então aquiesceu, extinguindo as próprias chamas e começando a subir a escadaria.

— Cuide da minha tripulação. — ele pediu, olhando os boticários trabalharem. Maren assentiu, ordenando que os portões fossem abertos e entrando em seguida. O desconhecido foi atrás, deixando Julio e os soldados com expressões incrédulas. Ele foi o primeiro a sair de seu estupor, revirando os olhos e distribuindo ordens de auxiliar a tripulação ferida do recém-chegado e então correndo para dentro, bem a tempo de ver sua rainha desaparecer na sala de reuniões com o desconhecido. Ela fechou a porta com um baque surdo, e Julio engoliu em seco.

Se Maren não queria que ele fizesse parte da reunião, tudo bem. Ficaria ali, plantado ao lado da porta, até que ela precisasse dele. Sempre estaria ali.

 

Why can't they understand the way we feel

Por que eles não podem entender o jeito que nos sentimos?

They just don't trust what they can't explain

Eles só não confiam no que não podem explicar

I know we're different, but deep inside us

Sei que somos diferentes, mas dentro de nós

We're not that different at all

Não somos tão diferentes de jeito nenhum

And you'll be in my heart

E você está em meu coração

Yes you'll be in my heart

Sim, você está em meu coração

From this day on

Desse dia em diante

Now and forever more

Agora e para todo o sempre

 

Maren manteve-se sentada quando o rapaz deixou o aposento, embasbacada. Tinha uma mão sobre a boca, em choque, e seus pensamentos estavam embaralhados e confusos com a velocidade que sua mente tentava raciocinar. Foi assim que Julio a encontrou, tendo o desconhecido dito que a rainha precisava dele antes de se dirigir rapidamente de volta à entrada do castelo, na certa para descobrir o que tinha sido feito de sua tripulação.

— Minha rainha? — chamou, ao que ela voltou o olhar perdido para ele. Tinha lágrimas nos olhos, o que fez as entranhas do guarda se contorcerem. O que aquele estrangeiro desgraçado tinha dito para fazer a dona de seu coração chorar? — O que aconteceu, Maren? — correu para segurar as mãos dela, apoiando um joelho no chão para ficar no campo de visão da moça.

— É simplesmente horrível, Julio. Eu… — ela começou, balançando a cabeça como quem diz que não consegue acreditar em algo — Eu nem consigo explicar. E eu preciso fazer algo. Mas não sei o que fazer!

— Por que você não tenta me explicar? — ele sugeriu — Talvez possamos encontrar uma solução juntos.

Maren soltou uma pequena risada.

— Lembro de ouvir os nobres reclamando uma vez que eu confio demais em seu julgamento. — comentou, tentando recuperar o bom humor. — Até mesmo Xavier murmura, quando acha que eu não posso ouvi-lo, que sempre descarto as opiniões dele se as suas são diferentes.

— Bom, eles não podem entender o que há entre nós, não é? — Julio deu de ombros, sorrindo também. — Mas você está se desviando do assunto. O que aquele homem disse para aflingir-lhe tanto?

Então ela contou uma história. A pior e mais dura história que ele já teve que ouvir na vida. A rainha deixava as lágrimas escorrerem livremente enquanto falava, e o guarda tirou um lenço do bolso para que ela as enxugasse depois de terminar seu relato. Ele também, ao final, tinha lágrimas nos olhos castanhos.

— Entende agora por que eu preciso fazer algo? — ela perguntou, ao que ele assentiu em dúvida.

— Tem certeza de que podemos confiar nas palavras dele?

— Sim. — a rainha disse, firmemente. Para Julio, aquela palavra bastava para atestar a veracidade daqueles fatos odiosos.

— Devemos reunir o Conselho dos Magos. Essa situação não pode permanecer assim.

— Michi quer voltar para a ilha imediatamente, para salvar outros de seu povo. — Maren comentou.

— Michi?

— O desconhecido que sussurra para o fogo. O nome dele é Michi. Devo ter esquecido de mencionar isso na história que recontei.

— Bom, eu posso entendê-lo. Mas ele quer voltar sozinho? A tripulação dele está em péssimo estado. — Julio disse, e foi só olhar para a moça a sua frente que entendeu. Uma pontada de dor atingiu-o ao pronunciar sua conclusão. — Você quer ir também, não quer?

— Sim. — ela deu de ombros, uma expressão decidida em seu rosto ainda marcado pelas lágrimas. — Minha mãe pode cuidar de tudo por aqui, e eu sei que você também. Mas sinto que é algo que preciso fazer.

— Ele não deveria ficar para testemunhar perante o Conselho? — o guarda perguntou, sem entender.

— Algum dos membros da tripulação dele deve acordar a tempo.

— Mas e o jantar de amanhã? O imperador espera que você… — mas Maren o interrompeu, desgostosa:

— Eu não terei uma refeição com um genocida como ele. Se os Mestres chegarem aqui antes, podemos prendê-lo por assassinato em massa amanhã mesmo.

— Então por que não esperamos um dia? — Julio sugeriu — Tenho certeza que ao menos um dos Mestres chegará a tempo, então poderemos levar a frota junto com Michi para restaurar a ordem em Refka.

— É uma boa ideia. — ela concordou. — Michi ficará furioso, mas é o mais sensato a se fazer. E será muito mais seguro e efetivo se eu for com os soldados ao invés dele ir sozinho.

Julio suspirou, notando a ênfase que sua rainha colocara na primeira pessoa do singular com desgosto. A dor que sentiu aumentou, transformada em preocupação aguda com o que aconteceria com ela longe, com um quase-desconhecido.

— Eu não posso ir também, certo? — indagou, só por desencargo de consciência. Ela negou com a cabeça e abriu um sorriso de desculpas, para então parecer se lembrar de algo e falar:

— Preciso te perguntar algo.

— Pode falar.

— Você disse ainda a pouco que as pessoas ao nosso redor não entendem a nossa relação. — ela começou, somente um pequeno movimento nervoso de suas mãos indicando que o que Maren falaria era realmente importante para ela. — Mas eu mesma tenho encontrado dificuldade em entendê-la ultimamente. O que está acontecendo conosco, Julio?

O rapaz abriu a boca, sem palavras. Ela estava realmente perguntando se…

— Tenho tido a impressão de que nossos momentos de intimidade estão muito mais frequentes. Digo, em relação a amizade tranquila que tivemos todos esses anos… — Maren comentou, ruborizando. Então franziu as sobrancelhas, tentando pensar rapidamente no que diabos queria falar.

— Creio que não estou compreendendo, minha… — Julio começou, mas ela interrompeu exasperada:

— E há situações em que eu simplesmente queria… Bom, não sei… Nesse momento mesmo, vendo a preocupação em seu olhar, eu só quero…

O guarda estava começando a entender o que ela queria dizer, mas não podia acreditar. Será que…? E então, para completar o estado de choque em que Julio se encontrava, um brilho arteiro passou pelo olhar azul da rainha e ela simplesmente puxou o guarda pelo colarinho, selando seus lábios nos dele.

Ele ficou sem reação por um segundo antes de aprofundar o beijo e levar as mãos trêmulas ao rosto e cintura de Maren, cuidadosamente erguendo-a da cadeira. Ela passou os braços sobre o pescoço dele, acabando com a distância de seus corpos e fazendo cada célula do corpo de Julio vibrar com o contato. A rainha arranhou de leve as costas dele antes de afastar-se levemente, um sorriso bem-humorado iluminando seu rosto. O guarda soltou um riso incrédulo, embasbacado, e acariciou-lhe o rosto com o polegar. Ela se pôs de ponta de pé para roubar-lhe um último beijo e então saiu de seus braços, se dirigindo para a porta somente para olhar por cima do ombro, diretamente para ele, com um meio sorriso arteiro antes de sair falando em voz alta:

— Alguém, por favor, chame o comandante do exército real!

 

When destiny calls you, you must be strong

Quando o destino te chamar, você precisa ser forte

I may not be with you

Eu posso não estar com você

But you got to hold on

Mas você precisa segurar firme

They'll see in time, I know

Eles verão com o tempo, eu sei

We'll show them together

Nós os mostraremos juntos

'Cause you'll be in my heart

Porque você estará em meu coração

Believe me you'll be in my heart

Acredite em mim, você estará em meu coração

I'll be there from this day on

Eu estarei aqui desse dia em diante

Now and forever more

Agora e para todo o sempre

 

meses depois

Maren ansiosamente encostava-se na amurada do navio, procurando com o olhar aquele a quem pertencia o seu coração em meio à multidão que se aglomerava no porto. Todos queriam saudar a rainha e receber seus familiares do exército real que tinham ido para a missão em Refka, mas ela quase não conseguiu impedir-se de amaldiçoá-los todos por impossibilitá-la de localizar Julio.

— Sentiu saudades de seu reino, majestade? — o capitão aproximou-se dela, sorrindo.

— Você sabe que sim, Theo.

— Não acho que vá encontrá-lo aqui no porto. Deve estar no castelo, cumprindo seu dever de tomar conta de tudo o que se relaciona a você.

— Acho que tem razão. — ela suspirou. — Vamos descer?

O homem assentiu, verificando que o timoneiro do navio tinha amarrado o barco ao píer e então seguindo sua rainha para fora. Ela cumprimentou todos com sorrisos e acenos de cabeça, os guardas ajudando a abrir caminho para ela até que se viu na rua principal da cidade portuária. Olhou em volta, as pessoas ocupadas com seus afazeres ou abraçando felizes os maridos e filhos que retornavam. O coração de Maren ficou pesado ao pensar naqueles que nunca retornariam, e fez uma nota mental para pensar em algum jeito de ajudar as famílias daqueles que tinham perecido em combate. Continuou andando, seguindo a rua principal em direção ao castelo. Tinha deixado Theo e os outros guardas para trás, ordenando-os que fossem encontrar suas famílias, e despachado a carruagem com o baú onde carregava suas roupas e armas de volta para casa. Preferia andar sozinha, como já era seu hábito, depois de meses confinada em salas e saindo apenas para lutar.

Observou o verde das árvores e sentiu a brisa primaveril passar pelo rosto enquanto seguia a estrada. Não era um caminho muito longo, mas a rainha era uma das poucas pessoas que fazia aquele caminho a pé sem se cansar.  A outra pessoa que conhecia que poderia acompanhá-la estava…

— Julio? — Maren perguntou para si mesma, reconhecendo o cavalo e o cavaleiro que acabavam de aparecer em seu campo de visão. Eles seguiam a estrada na direção oposta à que ela estava indo, o que significava que vinham do castelo. A visão dos cabelos negros trançados e o sorriso convidativo a fez ter certeza de que era realmente ele. — Julio! — gritou dessa vez, começando a correr empolgada na direção dele. Mal percebeu que corria pelo ar e não pela terra, animada como estava em finalmente vê-lo, e por conta disso o percurso que levaria dez minutos a pé durou menos de vinte segundos.

O guarda riu da empolgação de sua rainha, descendo do cavalo para correr ao encontro dela. Conhecendo-a como conhecia, seria mais seguro que ela se jogasse nos braços dele estando seus pés bem fincados no chão do que se ele estivesse sobre as costas de um cavalo. E foi exatamente o que aconteceu.

— Eu senti tanto a sua falta! — ele afundou o rosto nos cabelos dela, mantendo o corpo diminuto no ar com seu abraço. Maren riu, apertando-o com os braços e fechando os olhos. Finalmente estava de volta ao lugar que podia chamar de lar.

— Também senti a sua. — sussurrou, fazendo Julio soltá-la e a olhar com uma expressão emburrada que ela achou extremamente adorável.

— Foi maldade sua ter me beijado um dia antes de ir embora. Eu passei anos tentando pensar em um jeito de lidar com sua rejeição e do nada sou obrigado a lidar com o conhecimento de que você me ama como eu te amo, sozinho! Por meses! — reclamou, ao que a rainha caiu na gargalhada. — Não vejo graça em meu sofrimento, majestade.

— Você vai mesmo me chamar de majestade, Julio? Agora? — ela lutou para parar de rir, mas a expressão do guarda suavizou-se em um sorriso calmo. — E por que você contava tanto com minha rejeição?

Ele deu de ombros, entrelaçando seus dedos nos dela.

— Sempre imaginei que você eventualmente se casaria com algum nobre ou rei de algum país distante e me pediria para levá-la até o altar. — respondeu, suspirando. — Eu estava quase preparado para aparentar estar mais feliz que tudo no dia do seu casamento, tinha até refletido que dormiria em um quarto diferente do meu para que você não pudesse me ouvir chorar.

— Você é muito dramático. — ela sorriu — E bom, sempre pensei que seria minha mãe a me levar até o altar. Sinto muito por arruinar seus planos.

— Estou suficientemente satisfeito por ter tido meus planos arruinados, muito obrigado. — Julio brincou, olhando em volta para constatar que eles continuavam sozinhos antes de roubar-lhe um beijo rápido. — Por favor, me deixe ir com você nas próximas vezes que tiver que fazer viagens desse tipo.

— Não posso, me desculpe. — ela fez que não com a cabeça, e então voltou a sorrir — Ikla não pode ficar sem ambos os seus governantes.

— Ambos os…? — ele franziu a testa, sem entender. Maren revirou os olhos, o sorriso de felicidade brincando em seus lábios.

— O rei consorte governa quando a rainha não está, lembra? — ela piscou para ele, que abriu um sorriso parecido com o dela — E sinto muito mais uma vez por arruinar seus planos depressivos, mas você não pode me levar até o altar se já vai estar lá, me esperando.

— Você quer mesmo se casar comigo? — Julio perguntou, fazendo-a revirar os olhos mais uma vez.

— É claro que sim. Agora vamos. Quero abraçar minha mãe. — ela se afastou, começando a subir no cavalo malhado que aguardava pacientemente ser novamente requisitado. O guarda montou atrás dela, que pegou as rédeas e começou a conduzir o animal de volta ao castelo em um trote confortável.

— O que afinal aconteceu? E Michi não quis voltar com você? — ele indagou.

— Ele preferiu permanecer lá, já que eu dei a ele a função de ajudar as famílias afetadas por aquele imperador insano a se reestabelecerem. Devemos esperar cartas dele ao menos uma vez a cada dez dias, com seu relatório. — ela explicou. — E foi uma série de batalhas intensas. Ele tinha prisões e câmaras de tortura espalhadas pela ilha inteira. E convencer a população que os magos não eram perigosos como ele tinha dito foi bastante difícil também.

— Eu imagino. — ele a abraçou por trás. — Você deve estar exausta.

— Estou, mas contente que tudo se resolveu. Os membros do Conselho ainda estão aqui? — Maren permitiu-se relaxar no abraço, respirando fundo com a calma que não teve nos últimos meses.

— Sim. Devem ir embora daqui a alguns dias. Insistiram em recebê-la de volta. Tem uma grande festa sendo preparada, já aviso.

— Oh, céus. Não podemos fugir, não é?

— Acho que não, meu amor. — Julio riu. A rainha sentiu o coração disparar com o uso daquele apelido carinhoso, e virou-se para olhá-lo com um sorriso.

— Repete. — pediu, fazendo-o sorrir.

— Meu amor.



Always I'll be with you

Sempre estarei com você

I'll be there for you always

Estarei aqui para você sempre

Always and always

Sempre e sempre

Just look over your shoulder

É só olhar por cima do ombro


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