Deus dos Erros escrita por Dramoro


Capítulo 12
A Corte das Viúvas


Notas iniciais do capítulo

Hello people! Se vocês leram até aqui, acredito que estejam gostando da história. Portanto, continuarei postando capítulos periodicamente. Espero que gostem :)



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Cada passo era uma soma de quilos ao espírito de Charles. Quanto mais ele andava, mais certo ficava de que estava se aproximando de algo perigoso e destrutivo… A Mudança. Seja lá para onde estava sendo levado, seja lá o que aconteceria quando chegasse a tal desconhecido destino, nada seria como antes. Assim como quando abraçara Heitor.
A legião de mascarados fizera com que Charles, Marcus e Leonardo entrassem novamente nos domínios da névoa. Por um segundo, o menino cogitou escapar, mas logo percebeu quão tola era essa ideia. A sensação de escolher um lugar para ir e deixar-se ser levado pela névoa até tal lugar era completamente diferente do que ele sentia agora. Uma força parecia puxá-lo para dentro da névoa. Como uma gravidade interior, puxando seus pensamentos para um único local. Charles não sabia qual, mas sempre que tentava imaginar qualquer outro, sua imaginação se dissolvia e seus planos eram tragados para aquele terrível caminho.
Não demorou muito para que finalmente as brumas brancas se abrissem, revelando um novo cenário. No lugar da cama de pedregulhos que forrava os caminhos ferroviários, o fantasma agora pisava sobre concreto liso e cinzento. Uma ponte larga e suja que se estendia de margem a margem acima de um rio esverdeado e borbulhante. Até os mortos se incomodavam com o cheiro que exalava de suas águas, porém, sensações piores assolavam a alma de Charles.
Guiados pelo fantasma mascarado e alto que confrontara Marcus anteriormente, ele, Charles e Leonardo seguiram pela ponte. Em cada lado de sua extensão, havia figuras sombrias apoiadas em corrimões enferrujados. Muitos eram outros espíritos com máscaras de crânios, mas havia também pequenas crianças cintilantes. Todas belas em seus tons avermelhados e cabelos de ébano. Uma falsa e atraente inocência que encobria suas naturezas demoníacas.
— Curumins… - sussurrou Charles a Leonardo.
Este ergueu vagarosamente a cabeça como se não tivesse ouvido direito o que Charles lhe dissera. O fantasma suspirou ao olhar para o amigo de óculos escuros. Desde que havia enfrentado os necranis, Leonardo parecia estar se desfazendo. Fumaça era descamada de seu corpo astral sempre que se movia, como se fosse um pedaço de gelo seco sendo molhado. Charles ainda não entendia muito bem o que exatamente Leonardo havia feito contra os espectros caninos, mas, seja o que fosse, custara-lhe caro.
Marcus, por sua vez, estava em completo silêncio. Ele caminhava a frente dos dois, cabisbaixo e deprimido. A máscara feita com seu próprio crânio, cujos olhos eram de cristal vermelho, ocultava qualquer expressão que assomasse seu semblante. Porém, mesmo não podendo vê-lo, Charles sabia que estava sofrendo.
O menino voltou a olhar para a plateia que o comia com os olhos. Além de espíritos e demônios, havia também outros seres de formas desarmonizadas e variadas. Cada um com características bizarras e mórbidas. Charles sabia o que eram… fantasmas como Córade e Nepecrapto. Consumidos. Como foram tolos de imaginar que conseguiriam vencer aquele grupo.
Entre tantos rostos famintos, um par parecia estar muito ávido. Próximo ao fim da ponte, dois espíritos encapuzados bloqueavam a passagem. Um usava uma capa bege, e assim como muitos possuía uma máscara de crânio, porém, seus olhos de cristal eram de cores diferentes. Um era vermelho e brilhante, o outro azul e fosco com várias rachaduras. Ao seu lado, alguém se escondia dentro de uma capa negra tão escura que apenas seus olhos podiam ser vistos. Íris pratas e brilhantes como duas luas cheias em uma face de trevas.
Assim que os prisioneiros se aproximaram, ambos os encapuzados se recolheram e liberaram o caminho. Instintivamente Charles parou de andar.
— Qual é o problema, cachinhos? Tem medo de altura? Continue andando. – ordenou o mascarado mais alto.
Charles olhou para Marcus e Leonardo. Os três estavam quase na outra ponta da ponte, porém, a poucos metros do final do caminho havia um imenso buraco.
— Não se preocupe, Charles. – disse Marcus sem olhá-lo com uma confiança forçada. – Já estamos mortos, esqueceu? Continue a andar.
Charles então voltou seu olhar para o fim da ponte. Na outra margem, havia um gato negro de olhos púrpuros, o mesmo que havia visto no estacionamento do prédio onde morava. O felino tinha o olhar fixo em Marcus e estava diante de uma estátua negra de um metro. O artefato retratava uma mulher com uma longa saia, busto desnudo, e um turbante rosa como seus olhos.
— Andem. – ordenou Córade, desta vez, com um tom calmo e imperativo.
Antes que Charles pudesse se mover, ouviu Leonardo gemer e cair no chão. Uma de suas pernas havia se desfeito em fumaça branca. O garoto foi até o fantasma asiático e o ajudou a se levantar, apoiando um de seus braços ao redor de seu pescoço. Então continuaram sua marcha.
Ao pisar na fenda da ponte, Charles esperava cair no rio poluído, mas, ao invés disso, sentiu seus pés tocando em algo sólido e gelado, como se a fenda fosse apenas uma parte invisível da ponte. Algo pulsou no ar e de repente tudo havia mudado. No lugar de uma ponte agora havia um imenso e largo corredor com paredes altas e decoradas com símbolos espirais negros. Não havia fenda no caminho, mas, sim, uma vasta e rasa lagoa redonda, na qual Charles, Marcus e Leonardo se encontravam agora.
À frente dos três erguia-se uma imensa estátua de quinze metros, a mesma que Charles vira do outro lado da ponte, porém maior e mais detalhada. Seus olhos pareciam ser feitos de um líquido magenta que refletia tudo aquilo que estivesse sobre a lagoa. Diante da estátua se encontrava o gato negro de olhos púrpuros, mas ele não era o único felino ali. Logo atrás dele, na base da estátua, três colunas de mármore negra se encontravam com três gatas brancas de olhos vermelhos, uma para cada coluna.
— Um… necrotério… - disse Leonardo com esforço.
— Sim. – confirmou Marcus. – Esta é a Corte das Viúvas. As juízas de Vivian Obá.
— Vivian quem? Do que você está falando? O que está acontecendo? Quem são todas essas… pessoas? Por que estão atrás de você? O que…
— Cale a boca, Charles. – rosnou Marcus. – Não é hora te ficar te ensinando sobre esse mundo. Fique quieto e não interfira mais. Isso vale pra você também, Leonardo. Nenhum dos dois deveria ter me seguido. Não deveriam estar aqui!
— Que irrelevante. – disse uma voz forte ecoando pelo imenso corredor. – Acha mesmo que não buscaríamos os seus protegidos depois que capturássemos você?
Charles olhou ao redor procurando a dona daquela voz, mas a única coisa que achara foram os olhares de prata e cristal dos dois seres encapuzados que continuavam a encará-lo. Aquele que ocultava seu rosto nas sombras ergueu uma mão tão pálida que parecia brilhar e apontou para o alto. Charles seguiu a direção que o ser indicava e então repousou seu olhar sobre as três gatas brancas de olhos vermelhos.
— Eles não têm nada a ver com isso! Deixe-os ir! – vociferou Marcus.
A gata do meio apertou o olhar e então a lagoa assumiu a mesma cor de seus olhos, uma mistura de fogo e sangue.
— Nós decidiremos isso. – disse a gata da esquerda com a cabeça para o alto, mas sem tirar os olhos de Charles e Leonardo.
— Aman, faça sua parte. – ordenou Olímpia, a gata do meio, líder da corte e a mais cruel dela.
Marcus sempre a temera, mais do que a qualquer outro feiticeiro da legião, e nunca tivera tanto medo do que a gata poderia fazer do que naquele momento. Contudo, não podia demonstrar fraqueza. Não agora. Se não tinha meios para lutar, deveria fingir que tinha meios para barganhar.
— Guarde sua máscara, rapaz. – ordenou Aman, balançando lentamente sua cauda.
Marcus apertou a face de osso como se fosse um botão, afundando-a de volta para o interior de sua cabeça. Todos ali presentes, fantasmas, demônios e consumidos se reuniram ao redor da lagoa, observando os três prisioneiros.
— Estamos aqui esta noite para julgar o réu, Marcus Santana Almeida. – prosseguiu Aman. – Ele é acusado de roubar um amuleto de nossa senhora, Vivian Obá, de sequestrar uma de suas videntes, e de abandonar a nossa legião.
— Como o réu se declara? – perguntou Zuleika, a gata da direita, a mais impiedosa das três juízas.
— Não importa como ele se declara. Vamos ver por nós mesmas. – interviu Mégara, a gata da esquerda, uma feiticeira vingativa cuja alma descarnada estava presa naquele corpo felino, assim como suas companheiras.
— Que seja. – concordou Zuleika indiferente.
As três gatas inclinaram seus corpos, como se estivessem tentando ver melhor o que estava abaixo delas. Então, as águas rubras e quentes da lagoa cintilaram e tremularam ao redor de Marcus, como se pequenas ondas partissem dele. Logo, o reflexo na água mudou, mostrando agora aquilo que Marcus ocultava em sua memória.
Primeiro, o reflexo revelou uma menina negra e muito jovem dormindo nas areias à beira do mar. Havia um colar em seu pescoço, uma corrente de elos de madeira negra com um pingente do formato de um bebê encolhido. Enquanto a menina dormia, uma mão se esticou e rompeu os elos, tirando o colar da menina.
Então as imagens mudaram. Uma mulher velha estava sentada dentro da mesma lagoa que agora Marcus, Charles e Leonardo estavam. Vários fantasmas mascarados lutavam contra necranis ao seu redor. Então a imagem se moveu, aproximando-se da mulher velha. Uma mão pequena e infantil foi esticada para ela, e não foi rejeitada. A velha segurou a mão, e ergueu-se junto com seu libertador, fugindo para longe da lagoa enquanto os fantasmas eram estraçalhados pelos espectros.
O reflexo na água então se tornou pura luz ofuscante por alguns segundos e então voltou ao normal. Todos olhavam para Marcus agora.
— Culpado. – disseram todas as gatas em uníssono.
— Sem nenhuma dúvida. – continuou Olímpia. – Resta-nos agora decidir a sentença.
— Oblitere-o. – sugeriu Zuleika.
— Encarne-o em um bebê de rato, e deixe-me brincar com ele. – pediu Mégara.
— Oblitere-o – repetiu Zuleika com mais firmeza.
— Entregue-o aos raonins. Deixe que eles o torturem e o incinerem.
— Não. Nada acontecerá a ele. Nenhum mal cairá sobre a alma de Marcus Santana. – decretou Olímpia. – Já aos seus protegidos… bem, sejamos criativas.
— Oblitere-os. – propôs Zuleika novamente.
— Dê-os de comida para os curumins. Ou…
— Eu gostei dessa. – interveio Olímpia. – São dois votos. Está decidido.
— Não… - disse Marcus cerrando os punhos.
— Nada acontecerá a você, Marcus Santana. Mas seus amigos serão levados a um ninho de Curumins onde terão suas almas desmembradas, mastigadas e digeridas lentamente. Podem levá-los.
— NÃO!!! – trovejou Marcus em fúria. – Ninguém irá tocá-los! Vocês não podem…
— Você não tem nenhuma autoridade aqui! – disse Zuleika. – A sentença está mantida.
— Não, não está. Apenas Vivian Obá pode me julgar. Eu exijo sua presença!
O silêncio que se fez foi pior do que tudo que Charles ouvira naquela noite. Após escutar o que planejavam fazer a ele e a Leonardo, o menino pegara a mão do fantasma asiático e a apertara com força. A sensação de estar desmembrado e pendurado no lar do Xainael, o Demônio das Flores, ainda o incomodava como cicatrizes em sua mente. Ainda assim, aquela tensão era ainda mais agonizante. Charles não conseguia chamar por Nepecrapto, algo o impedia, e duvidava que Otávia ou a Velha pudessem fazer algo mesmo se estivessem ali. O único outro que sempre lhe passara segurança agora se mostrava completamente impotente, com apenas argumentos como munição. Ninguém os ajudaria desta vez. Seja lá quem Marcus havia chamado, Charles sabia que não traria consigo a salvação.
— Ora, mas que absurdo. Oblitere todos de uma vez. Estou farta de ouvir a voz desse traidor. – resmungou Zuleika dando as costas para a lagoa.
— Não. – interveio Aman. – O réu tem o direito de chamá-la. Porém… está certo disso, Marcus? A decisões dessa corte, embora duras, sempre se mostram brandas ao se compararem com as sentenças dela. Tem certeza de que quer invocá-la?
— Chame-a de uma vez, gato imundo! – cuspiu Marcus. – Que ela me puna pessoalmente, ao invés de mandar seus animais fedidos no seu lugar.
— Que seja, então. – Aman se aproximou da lagoa, fechando seus olhos crepusculares e sussurrando para as águas: – Kom na ons toe… Moeder van die verdrink. Kom na …Vivian Obá.
Todos, exceto Marcus, Charles e Leonardo, afastaram-se da água. O temor substituíra o ar. A lagoa tremulou e tremeluziu em tons escuros de magenta. Em seu centro, uma macha se formou, como uma sombra aderindo à escuridão cada vez mais. Logo, ela tomou massa para si, não um corpo astral como o de um fantasma, mas de carne e sangue quente. Ergueu-se em sua forma viva uma mulher alta e negra. Seus cabelos crespos caíam por longos e volumosos cachos lustrosos que alcançavam o fundo da lagoa, como raízes saindo da água.
Sua presença trazia imponência, medo e respeito para o salão. Ao abrir seus olhos, íris magentas e escuras se revelaram. Líquidas como as da estátua atrás dela. Suas roupas, porém, eram completamente diferentes. No lugar de um turbante e uma longa saia, Vivian Obá trajava a própria noite. Um leve vestido preto salpicado de brilhos brancos. Suas unhas eram longas e pretas, e cicatrizes lineares afundavam-se ao redor de seus pulsos. Lembranças de tempos nos quais a liberdade fugia de seu alcance. Mas o que o passado lhe negara, agora era seu domínio, para dar e arrancar de quem quisesse.
Embora ninguém se sentisse seguro em estar sob sua presença, era exatamente isso que lhes dava proteção. A mulher ergueu os braços e o queixo, assumindo uma pose que exigia reverência, e foi o que teve em resposta. Todos os seus servos se ajoelharam.
— Minha Senhora… - disse Aman olhando para baixo. – Perdoe-me por chamá-la, mas o réu… exige ter sua presença no julgamento.
— Pare, Aman. – ordenou a mulher abaixando os braços. – Todos os meus filhos têm o direito de me ver. Até mesmo aqueles que me presenteiam com a traição e com o abandono.
— Você não é minha mãe, bruxa velha. – rosnou Marcus fazendo com que todos erguessem as cabeças em incredulidade. – Não é a mãe de ninguém. É apenas mais uma opressora, com métodos diferentes. Você não é melhor do que os Lordes da Morte.
— Chega de insolência, Marcus! – vociferou Aman apertando os olhos em fúria. – Mais um insulto e eu mesmo irei obliterar seus amigos!
— Não se atreva…
— Marcus, meu querido filho. – interrompeu Vivian andando em círculos ao redor do garoto. – Do que tem tanto medo? O que desespera seu coração? Onde está a coragem que teve ao me roubar e fugir? – seu olhar se voltou para Charles e Leonardo. – Eles a tiraram de você, não é mesmo?
— Deixe-os fora disso.
— Ora, mas isso não é possível. Não vê? Assim como eu e meus filhos, vocês estão ligados. Se algo me ataca, minha legião me protege. Sofre comigo. Assim como eu sofro com ela. Se hei de ser julgada, meus filhos também serão. Você é a prova disso. Não foi você que destruiu vários dos meus acolhidos ao me trair e fugir?
— Foi diferente…
— Sua punição para mim caiu sobre os meus. Por que a minha para você não cairia sobre os seus? Mesmo um traidor tem coerência em sua lógica, onde está sua? – questionou a bruxa de costas para Marcus e de frente para Charles e Leonardo.
Marcus não sabia o que dizer. Por mais que houvesse tido motivos para trair Vivian Obá e fugir com a vidente, motivos terrivelmente fortes, ele poderia ter apenas partido. Mas, mesmo depois de ter sido acolhido e protegido por ela, o menino havia decidido que a impediria de continuar suas práticas cruéis. Poucos da legião sabiam o que ela fazia com o amuleto que ele roubara, poucos saberiam. E de todos que sabiam apenas ele resolvera agir. Ainda assim, não havia argumentos contra a bruxa. Por mais terríveis que fossem seus métodos, por causa deles Marcus havia tido segurança durante anos. Cuspira no prato que comera e o jogara no chão. Merecia tudo que estava lhe acontecendo… mas Leonardo e Charles, não.
— Você diz que somos seus filhos. Então, por favor, tenha misericórdia, não de mim, mas de meus amigos. Você já foi como eles… inocente. – Marcus se ajoelhou, abrindo mão de seu orgulho. – Puna a mim pelos meus erros. Não a eles. Eu imploro.
Vivian franziu o cenho, ainda olhando para os Charles e Leonardo.
— Você… implora? – a bruxa abriu um delicado sorriso, fino como o fio de uma espada.
Estava claro para Charles que ela não atenderia àquele pedido. Vivian Obá estava apenas tirando o máximo que podia do orgulho e força de Marcus. Ela queria vê-lo humilhado e quebrantado, para só então cravar sua espada em seu coração usando a alma de seus amigos. Mas então algo aconteceu. O fantasma mascarado, cujo olho de cristal estava quebrado, aproximou-se da lagoa. Entrou na água e se pôs ao lado da bruxa, sussurrando algo ao seu ouvido e então voltando para seu lugar.
O sorriso da bruxa esvanecera.
— Ora, ora. – disse grudando o reflexo de Charles em seus olhos. – Meu filho está com sorte esta noite. Serei misericordiosa, afinal. – todos se remexeram surpresos. Vivian Obá se virou para Marcus. – Seus “amigos” poderão ir embora. Contudo, você ficará aqui… e não estará sozinho.
A mulher esticou a palma da mão esquerda voltada para baixo. Um objeto emergiu da água e pulou para sua mão. Um boneco de madeira com formas redondas e retangulares. Várias marcas se espalhavam por seu pequeno corpo. Algumas acesas com luzes de cores diferentes, e outras apagadas e negras como queimaduras velhas. Uma boca costurada com arame se delineava pela cabeça redonda e careca do boneco e buracos irregulares formavam seus olhos cegos. Um pequeno totem de maldição.
— Ficará aprisionado no corpo de Helseun com os outros traidores. Será torturado em um inferno feito para você até que o tempo do tempo se acabe, ou até que tudo que exista em seu coração tenha sido destruído. Não haverá mais amor ou paz dentro de ti, nem mesmo a amizade. Apenas dor, tristeza, tormento e solidão. Essa é a sua sentença final, Marcus Santana, e só há um jeito de sair dela…
— Jamais devolverei o amuleto. Mesmo que você condenasse todos que eu amo a um destino pior, jamais devolveria o amuleto. – adiantou-se Marcus. – Estou pronto para a minha punição.
— Não! – berrou Charles sem conseguir mais apenas assistir a tudo aquilo. – Você não pode fazer isso… Precisamos de você… Otávia precisa de você… eu preciso.
— Não se intrometa, Charles. Já está decidido. Não há mais o que ser feito. Fique quieto e saia daqui com Leonardo.
Vivian virou a cabeça para o lado apenas um pouco, permitindo que aquela conversa continuasse para saber até onde iriam.
— Há um jeito. Se… se trouxéssemos o amuleto para senhora, libertaria Marcus? – indagou Charles.
Marcus arregalou os olhos, misturando raiva e desespero dentro de seu sangue.
— NÃO! Ela não terá o amuleto de volta! Não pode! – protestou.
— Certamente. – respondeu Vivian usando uma de suas afiadas unhas para romper a costura da boca do boneco.
Assim que o fez, uma marca verde fluorescente se revelou sobre o nariz de Marcus, entre suas duas sobrancelhas. Um “T” de cabeça para baixo ladeado por duas formas parecidas com a letra “C”, porém com suas pontas superiores incompletas.

— Se me trouxerem o amuleto… - prosseguiu Vivian Obá, fazendo-se ouvir sobre os protestos. –… um de seus débitos estará quitado.
— Não a escutem! Vocês não sabem o que ela faz… - Marcus desesperava-se cada vez mais.
— E vocês poderão levá-lo de volta com vocês. Mas apenas se trouxeram o amuleto intacto. O que me dizem?
— Eu aceito. – proclamou Charles decidido. – Você terá seu amuleto de volta, e Marcus virá conosco.
— Não… - lamentou Marcus apoiando suas mãos no chão.
Então Vivian Obá se voltou para Marcus mais uma vez e declamou:
— Eet sy siel Helseun. – Marcus foi coberto por um brilho jade. – Hol hom met die waarheid.
A boca do boneco de madeira se escancarou faminta. A alma de Marcus se desfez em feixes de luz verde que flutuaram com velocidade e penetraram a boca e os olhos do boneco. Seu corpo de madeira se contorceu como se fosse uma pessoa sendo eletrocutada, acalmando-se apenas após devorar toda luz. Sua boca se fechou e uma nova costura se fez. Então, a mesma marca verde que Marcus possuía surgiu entre os olhos do boneco.
— O trato está feito, não ousem quebrá-lo. – disse Vivian Obá largando o boneco na água. – Vocês têm apenas uma semana para achar o amuleto e trazê-lo até mim. Senão…
Charles olhou para água. Mesmo que a lagoa fosse extremamente rasa, o boneco afundava cada vez mais, levando o brilho de Marcus consigo para as profundezas do mundo morto.
— … Marcus deixará de existir. E vocês serão os próximos. – então a luz verde desapareceu.


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Notas finais do capítulo

Se você gostou por favor me deixe saber para que eu continue motivado a escrever esta história. Até o próximo capítulo (13- A Criança Cega)!



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