Quando o ninho já não satisfaz escrita por Alice Alamo


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Fic feita para o desafio #inkdisney do Inkspired!
Música tema: Mother knows best (sua mãe sabe mais) do filme Enrolados da Disney
PS: espero que goste, Kaline hahahaha



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Quando Shino nasceu, teve festa. A família Aburame era discreta e silenciosa, mas, depois de anos de tentativas frustradas de uma gravidez que conseguisse ir até o final, seu nascimento trouxe não só felicidade, mas alívio, paz e realização. Talvez isso justificasse a superproteção que os pais logo lhe deram, a educação rígida, o contato seleto que lhe permitiam com as pessoas da pequena vila, o medo da mãe toda vez que o pequeno e precioso filho sugeria algo que feria a frágil bolha onde o tinha colocado. E digo frágil porque, apesar de toda a preocupação que sempre teve ao protegê-lo, quando planejou o educar e ensinar tudo o que sabia ela havia se esquecido de que livros despertavam a curiosidade e que o mundo desconhecido pelo filho logo o seduziria.

Em silêncio, dentro do vagão do trem que o levaria até a cidade mais próxima onde poderia pegar seu voo para a capital, Shino ainda podia ouvir as palavras da mãe em sua mente:

Sua mãe sabe mais, ouça o que eu digo, é um mundo assustador!

Assustador? E por que seria? Assustador para ele era manter-se alienado do mundo como todos naquela pequena cidade do interior faziam! Certo, amava a criação de abelhas que sua família possuía, tinha aprendido o ofício e o fazia com gosto, cuidado e carinho, mas queria mais, muito mais, queria tudo o que o mundo pudesse lhe oferecer! Era ambicioso, os livros que enchiam suas prateleiras abriram sua mente para futuros magníficos, para lugares que nunca tinha pensado em ir e que depois se viu pesquisando a fundo na internet. Queria o mundo, e não havia mãos que pudessem impedi-lo de dar o primeiro passo. Nem mãos, nem choro, nem ameaças, nem a promessa de que seria deserdado.

A mãe não fazia por mal, entendia; ainda que se recentisse, sabia sim que a mãe só não conseguia ainda vê-lo longe de casa, de seus cuidados. Mas ele já tinha vinte e dois anos! Quantas oportunidades já não havia perdido? Quantos sonhos já não havia enterrado pela mãe e seus medos?  A avó paterna o compreendia, e era só graças a ela que ele possuía dinheiro para a viagem e um estágio num centro de pesquisas biológicas.

Estava ansioso, embora quem o visse não pudesse dizer nada sobre sua expressão. Os óculos escuros e a gola alta escondiam-lhe o rosto, e ele mantinha-se observando a paisagem; o modo como ela aos poucos mudava o encantava, como se reforçasse que a escolha feita era a certa, a única que lhe cabia.

Nunca tinha entrado em um avião em toda a sua vida, nunca nem ao menos tinha pisado num aeroporto! A quantidade de pessoas que corriam, as vozes altas e os atendentes anunciando os voos, o caos, até mesmo isso lhe era novo. Sentia-se deslocado, mas não era angústia que tal constatação lhe trazia, era curiosidade, vontade de entender aquele mundo de que tinha sido mantido à parte por tanto tempo. Lembrava-se do assombro da mãe quando citou o avião, as passagens já compradas e o comprovante impresso em suas mãos que ela arrancou com desespero. Para ela, avião era:

... cheio de perigos, acredite, por favor!  

Afivelou o cinto ao se sentar. O comissário se aproximou para pedir que deixasse a mala de mão nos compartimentos adequados sobre os assentos, e Shino concordou, fingindo não ter olhado ao redor para ver como as outras pessoas agiam para então as imitar. Guardou a mala, sentou-se, leu mais de uma vez as instruções de voo, as recomendações, ficou atento a cada detalhe. Seu coração batia forte, seu corpo formigava, as borboletas no estômago pareciam acordar de um longo sono e, bem, elas choraram um pouco na decolagem enquanto ele se agarrava, discretamente, ao apoio do assento e fechava os olhos.

Os fones no seu ouvido reproduziam sons da natureza, aquilo que sempre lhe tinha acalmado. O canto dos pássaros e do bater das asas eram coisas que lhe traziam boas lembranças; em sua mente, conseguia ver o céu azul sem muito esforço, as nuvens movendo-se com tanta preguiça que o faziam sorrir enquanto cuidava das abelhas, a grama verde brilhava, e o cheiro da terra úmida logo após a chuva era quase um calmante natural que, naquele avião, Shino esforçava-se para buscar na memória.

Talvez tenha adormecido logo após o lanche oferecido pelas comissárias, talvez tenha apenas entrado tão fundo em suas lembranças que agora estranhava abrir os olhos e ver pela janela os prédios altos e as luzes brilhantes da cidade. Assim que permitido, porque, sim!, diferente dos demais, ele realmente esperou o sinal luminoso de “apertem os cintos” apagar e a aeronave estar desligada para se levantar, ergueu-se, esticando as pernas. Pegou sua mala, conferindo com cautela se era mesmo a sua, e então caminhou até a saída do avião.

Pé direito, lembrou-se. Não poderia começar mal sua jornada, tinha que sair daquela aeronave com o pé direito, a voz da mãe listando todos os problemas que ele poderia encontrar na cidade grande ainda estava clara o suficiente para que ele baixasse a guarda:

Homens do mal, galhos envenenados… — ela levou a mão aos cabelos já grisalhos.

— Mãe, galhos envenenados nós temos aqui na fazendo, não acho que terá nenhum na cidade… — ele a interrompeu, gentil, tocou os ombros dela e a puxou para um abraço. — Vou ficar bem, não se preocupe.

É claro que as palavras não a tranquilizaram por completo, contudo, era o máximo que Shino podia fazer no momento. E, para ser sincero, ao sair do avião para o aeroporto, ele já não sabia se estava tão certo quanto ao “ficar bem”. Manteve a mala firme em suas mãos enquanto o mar de pessoas o empurravam de um lado para o outro ao seguirem para as esteiras de bagagem. Precisava buscar sua mala despachada e não sabia nem qual esteira correspondia ao seu voo, mas não importava, a multidão não lhe deixava escolhas a não ser seguir junto a ela para… esteira dez? Não, aquele número não era o do seu voo. Nove talvez? Ok, aquele lugar tinha mais esteiras do que deveria… então aquilo era um aeroporto internacional de uma cidade grande?

— Licença! — pediram-lhe, várias vezes, diferentes pessoas.

— Perdão — repetia, frustrado, e suspirou de alívio quando acabou em frente de uma tela enorme com todos os voos recém chegados ao aeroporto e as respectivas esteiras onde as bagagens estavam.

Pronto, gostava de organização. Seguiu pelo canto, evitando as pessoas com pressa. Não foi difícil pegar sua mala, ela já estava na esteira e ele só precisou apertar o passo para conseguir tirá-la a tempo antes que ela se afastasse demais. O celular no bolso vibrava, constantemente, e ele não tinha dúvidas de que eram mensagens, várias, da mãe, acumulando no aparelho.

As duas grandes malas empilhadas em um dos carrinhos, mais a mala de mão que carregava, marcavam a mudança em sua vida, mas foi sair pelas portas do aeroporto que fez com que ele de fato sentisse que sua vida tinha começado, que não havia mais volta. Pegou um dos táxis disponíveis, o novo endereço já estava na ponta da língua, como se o tivesse repetido diversas vezes para se acostumar e gravá-lo como seu. O taxista conversava consigo, quase um monólogo, e era difícil responder enquanto o cérebro decidia que a paisagem exterior era muito mais interessante.

E o dia nem estava bonito! O céu nublado, cinza, com nuvens carregadas e um vento gelado… Se fosse supersticioso como a mãe, interpretaria isso como a cidade se recusando a dar-lhe as boas vindas; felizmente, não era, e considerava aquilo um bom sinal, poderia usar o tempo para arrumar o apartamento em vez de ceder à vontade de conhecer a cidade logo no primeiro dia.

A avó tinha garantido que o apartamento estava em ordem, tinha mandado um faxineira dois dias antes de sua chegada, e Shino sorriu ao sentir o perfume floral dos produtos de limpeza ao abrir a porta. Era um apartamento pequeno, perfeito e do tamanho certo para ele, um único quarto com uma cama grande, um banheiro confortável, uma cozinha… ok, quando tinha sido a última vez que ele havia entrado numa cozinha sozinho?

Nunca, seu estômago roncou, lembrando-lhe.

Sua mão sabe mais! Você, por sua conta, não vai saber se virar!

Ah, não… provaria que a mãe estava errada! Nada que alguns vídeos no youtube ou receitas na internet não o pudessem ajudar a resolver. Deixou as malas no quarto e seguiu para ver o que tinha nos armários. Macarrão, pacote de molho pronto. Certo, conseguiria fazer um simples macarrão com molho de tomate seguindo receitas na internet, não era difícil, mas anotou, em letras garrafais e em negrito, que precisaria aprender a cozinhar com urgência, principalmente quando o molho pronto queimou, quando o macarrão grudou na panela após toda a água ferver e ele então ter que pedir comida pelo celular.   

Dormir no novo apartamento também não foi fácil. Estava acostumado com o silêncio, com a escuridão, apenas as estrelas brilhando no céu de ébano, mas as olheiras com que acordou lhe avisaram que seria mais do que essencial baixar uma nova playlist de sons da natureza para quando fosse dormir. Ah, e fecharia a janela! Nunca mais se esqueceria de fechar a maldita janela! Dane-se o calor! Ele podia comprar um ventilador para refrescar o quarto ou consertar o ar condicionado quebrado e empoeirado de que a vó tinha lhe falado.

Não havia o que comer para o café da manhã e foi isso que o fez ter coragem para matar a primeira obrigação da sua lista: compras.

Para muitos, chegar ao mercado e colocar no carrinho tudo aquilo que lhe apetece e que o bolso pode pagar é fácil, mas, para alguém que nunca tinha andado entre as prateleiras de grãos, era uma missão que possuía lá uma dificuldade. Ok, ele não era idiota, tá? Sabia o que tinha que comprar, mas qual era a diferença entre uma marca e outra? Por que o produto que ele queria possuía quatro tipos diferentes de embalagem? E o que tanto as pessoas conferiam nas embalagens? Validade? Calorias?

Se aquilo era tarefa para o café da manhã, Shino só terminou no horário do almoço. A cabeça doía, havia pesquisado cada detalhe de que não entendia antes de comprar o que precisava, e, ainda assim, achava-se… uma criança, uma bem perdida. Afinal, do que adiantava toda aquela comida se ele não saberia, de novo, fazer sua refeição?

— Deixe disso, o menino dá conta! — lembrava-se do pai o defendendo e então a mãe lhe abraçou, segurou seu rosto entre as mãos e lamentou:

—… eu só digo porque te amo… sua mãe te entende, quer te ajudar e só um pedido faz!

Não!

Ele conseguiria. Pegou as compras, as várias sacolas, e agradeceu ao ver os táxis do lado de fora do grande mercado. Sinalizou para um, já sentindo alívio por não ter que carregar todo aquele peso por muito tempo. Ajudou-o a deixar as compras no carro, murmurou o endereço já lhe entregando a quantia pela corrida e jogou a cabeça para trás, aproveitando o conforto do carro para relaxar.

Agradeceu ao taxista quando chegou, o porteiro do prédio o ajudou a levar as compras até o elevador embora tenha lhe quebrado todos os ovos ao deixá-los cair no caminho. Tentou não parecer irritado, juro que tentou, mas os óculos e a gola não deixavam que o pobre senhor tivesse uma ideia clara do que ele pensava no momento (ainda bem, porque Shino, mesmo com toda sua educação, estava o amaldiçoando com toda certeza).

A fome tinha sumido, consumida pela preguiça que só o permitiu guardar as coisas nos armários. Depois disso, largou-se no sofá, tirou os óculos que escondiam seu cansaço e massageou as têmporas. Até ouvir latidos. Altos. Altos demais.

Ele amava animais, não havia dúvidas quanto a isso, mas, com fome, de mau humor, cansado e frustrado consigo mesmo, tudo o que menos queria era ouvir um cachorro latir sem pausas e seu dono rir pelo corredor do andar como se fosse o único a morar ali.

Respirou fundo, mantendo a calma, não compraria briga com os vizinhos tão cedo, não podia! Sua vó tinha aquele apartamento há muito tempo, todos a conheciam, e ele não mancharia a imagem dela assim. Por isso, preferiu se aventurar na cozinha mais uma vez, sabia que seu mal era fome, então faria algo para comer, mesmo que soubesse que, no fim, comeria talvez um arroz empapado, uma carne salgada e… bem, foi só isso que ele conseguiu mesmo fazer porque o feijão, por algum motivo, ainda estava duro depois de cinquenta minutos na panela de pressão. Será que ele deveria ter tampado a panela? Não sabia, e também já não importava!

Caminhou para o quarto, o notebook estava sobre a escrivaninha, e ele se pôs a pesquisar mais uma vez como chegaria ao laboratório onde agora estagiava. Não parecia ser difícil. Quatro minutos de caminhada até o metrô, oito estações no sentido norte/sul, um ônibus que ficava ali mesmo no terminal onde desceria, três paradas, quatro minutos a pé. Certo, não podia dar errado.

Fez anotações do caminho e puxou a mochila para perto, conferiria cada documento para não ter nenhum problema no estágio. Estava tudo certo, dentro de uma pasta, a identidade dentro da carteira, e a carteira…

Shino arregalou os olhos e se colocou de pé num salto enquanto tateava todos os bolsos procurando a carteira.

O táxi…

Não, não, não, não!

Correu pelo apartamento, talvez a carteira estivesse no sofá…

Não.

… na cozinha?

Não.

… no corredor?

Não.

… no elevador?

Não.

… na entrada do prédio?

Não mesmo. O porteiro o observava com o cenho franzido, e Shino correu até ele, as palavras saindo até que calmas considerando todo o seu desespero:

— Por acaso, viu se eu deixei cair a minha carteira?

O senhor negou e até abriu a boca para falar alguma outra coisa, mas Shino já lhe dava as costas enquanto buscava no celular o contato do estágio que a vó tinha lhe passado. Não podia chegar lá sem a identidade…

Ah, não, se sua mãe soubesse de tudo aquilo pelo que tinha passado só nos primeiros dias… Ele até conseguia vê-la, os braços cruzados, o queixo erguido, os olhos severos na famosa expressão de “eu te disse, não foi?”.

Derrotado, mais uma vez, fez o boletim de ocorrência conforme as explicações da gentil moça ao telefone do estágio, salvou uma cópia da página e a levaria no dia seguinte. Tudo certo, perfeitamente ajeitado, e ele até dormiu mais cedo (com janelas fechadas e fones de ouvido) para garantir que acordasse bem disposto no dia seguinte.

Mas o ruim de dormir com fones é que você não ouve o despertador, sabe? Então, quando Shino abriu os olhos (e só o fez porque o cachorro do vizinho conseguia latir mais alto que o seu despertador e a música calma que tocava em seus fones), constatar que só teria meia hora para se arrumar e comer não foi mesmo uma boa forma de começar o dia.

Praguejou ao tropeçar nos tênis, calçou-os com pressa e tacou a mochila nas costas enquanto corria porta à fora. O elevador estava em seu andar. Sorte? Talvez, só precisava alcançá-lo antes que as portas se fechassem.

— As portas, por favor! — gritou e, quando mãos seguraram mesmo as portas, quase achou que era uma ilusão. — Obrigado — agradeceu ao ver as portas voltarem a se abrir.

Havia um homem no elevador, alto, duas marcas vermelhas no rosto que Shino não fazia ideia se eram tatuagens ou pinturas. E por que alguém faria marcas como aquelas logo no rosto?? E ah… então aquele era o vizinho e aquele era o cachorro que o tinha acordado. Entrou no elevador sem tirar os olhos do cão, enorme, sentado à frente do dono, a pelagem clara um pouco suja e os olhos escuros acompanhando Shino à medida que ele caminhava. Apertou o botão do térreo, mudou o peso de uma perna para outra, agitado, os pés batendo no chão enquanto os olhos saíam do visor dos andares para o relógio. Diferente de si, o vizinho estava calmo, com um bom humor que Shino invejou, e tinha o rosto corado, embora não soubesse o motivo. O cachorro parecia compartilhar daquela alegria, balançava a cauda, e Shino ignorava que ela batia em seus sapatos toda vez.

Assim que as portas pro térreo se abriram, Shino correu, ignorando o vizinho que pareceu chamá-lo de repente pelo nome. Mas não havia como, afinal, como ele saberia seu nome?

Correu. Agradeceu sempre deixar um dinheiro fora da carteira e então conseguir pegar fácil o metrô. E, bem, ele era do interior, sabe? Não existe metrô em cidades pequenas e ele nunca havia saído de casa antes, então… Certo, o que era aquele formigueiro? Ok que ele gostava de insetos e os estudava, mas não… formigueiros humanos o apavoravam! Passou a catraca  do metrô e não soube dizer como saiu dali e entrou no vagão. Tinha sido empurrado, tanto, mas tanto, que teve de desistir de ir contra a multidão e apenas deixou que o empurrassem para dentro do vagão que ele nem sabia se era ou não o que precisava pegar. E como saberia? Não conseguia nem respirar no meio daquelas pessoas, quem diria se esticar para ler a faixa das estações!

Mas ele tinha uma hipótese! Considerando todas as suas desventuras, que pareciam muito uma maldição de sua mãe!, ele tinha quase certeza de que estava indo na direção errada… por isso, nem contestou quando a mesma multidão que o tinha jogado para dentro do vagão praticamente o vomitou para fora. Agarrado à pasta, apressou-se em sair da frente e chegar até uma parede. Ficou parado até as pessoas se dispersarem e aproveitou o momento de calmaria entre a chegada de um trem e outro para achar aquele que deveria pegar.

Dessa vez, já estava preparado para ser empurrado, respirou fundo e nem fez esforço, as pessoas já iriam conduzi-lo até o vagão de qualquer forma mesmo, para que gastar energia? Segurou-se com uma única mão e manteve-se imóvel até reconhecer a estação onde deveria sair. Pedir licença não ajudou muito, e ele não era de elevar a voz, mas o relógio e os ponteiros a correr o fizeram abdicar um pouco da educação, mesmo que se sentisse mal por isso, e então forçar sua saída.

Ajustou os óculos no rosto, correu pela estação, o terminal era perto segundo suas pesquisas, e o próximo ônibus sairia em alguns minutos. Não podia perdê-lo, não mesmo! E a frustração de vê-lo partindo do terminal assim que pisara nele o fez querer gritar de repente.

pare de sonhar demais… — as palavras de sua mãe vinham à mente, conseguia até mesmo ouvi-la naquele momento. — Pule o drama, vem com a mama… sua mãe sabe mais!

Recusou-se a olhar para o relógio. Sabia que estava atrasado, mas saber o quanto não mudaria a velocidade com que o próximo ônibus chegaria, só serviria mesmo para deixá-lo ainda mais irritado.

Tirou os fones da mochila, colocou os sons da natureza para tocar e tentou se concentrar naquilo enquanto espantava a mãe e suas maldições da cabeça. Subiu no ônibus quando ele chegou, foi o primeiro a fazer isso aliás. A viagem demorou, conseguiram parar em todo maldito semáforo, e Shino ostentava a melhor expressão de derrota ao descer do veículo e então procurar com os olhos o número do prédio do instituto.

Felizmente, nisso ele não teve tanta dificuldade! Entrou no prédio, conferiu seu reflexo sempre que podia e ajustou a roupa algumas vezes, parou em frente à recepção e logo foi conduzido até uma pequena sala onde o responsável por sua pesquisa e o outro novo assistente iriam lhe encontrar em breve.

E nunca “breve” foi tão preciso. Assim que se sentou, pronto para relaxar e permitir um momento de paz, ouviu a porta novamente se abrir e uma risada alta invadir o lugar. Olhou para trás, levantando-se para cumprimentar quem entrava e parou em um choque que nem soube disfarçar.

Havia uma mulher que ria enquanto tomava a cadeira principal e então tinha ele, o outro estagiário, ele, seu vizinho que parecia muito bem ter chegado a tempo e não trinta e quatro minutos atrasado como Shino fizera. Podia ser injusto, mas se sentiu extremamente irritado com aquilo. E pensar que poderia ter pedido uma carona…

E ainda por cima o homem lhe sorria feliz, como se visse alguém a quem muito tempo não encontrava. E a animação dele era evidente, tanto que o sorriso que tinha aberto continuou no rosto durante toda a reunião, e nem mesmo o silêncio de Shino conseguiu estragá-lo. Sua expressão emburrada só não foi completamente vista por causa dos óculos, mas o tom indiferente durante toda a conversa com a chefe do laboratório evidenciava seu mau humor (e olha que ele tinha tentado disfarçar, mas indiferente era o máximo que conseguia considerando tudo o que tinha passado e o estômago reclamando pelo café da manhã que não havia tomado).

— Kiba irá te mostrar onde trabalharão, eu já mostrei tudo a ele. Pode fazer isso, Kiba?

— Vai ser um prazer! Vamos, Shino!

— Certo, obrigado —  respondeu e saiu da sala junto de Kiba que sorria enquanto falava sobre alguma coisa que sua irritação o impedia de ouvir.

— Shino, tá tudo bem, cara? — Sentiu a mão em seu ombro e virou-se para Kiba.

Ele tinha uma expressão preocupada, confusa, os olhos castanhos eram bonitos e fáceis de se analisar, o cabelo castanho mantinha um corte rebelde, ou seria melhor dizer que ele não os penteara pela manhã? A mão em seu ombro era quente e, por um momento, percebeu que Kiba não tinha culpa pelo seu dia ter começado do avesso.

— Desculpe, não ouvi. Aliás, como sabe meu nome? — perguntou quando voltaram a andar. — Achei ter te ouvido mais cedo, no elevador, mas estava com pressa e achei que havia sido só impressão minha mesmo.

— Ah… — Kiba riu, sem graça, e Shino o percebeu desviar os olhos para o chão antes de abrir uma porta depois de derrubar as chaves três vezes e limpar as mãos na calça. — Primeiro, sua vó fala muito de você — falou rápido enquanto entravam. — Segundo, achei isso aqui no hall do prédio.

— Minha carteira! — Shino espantou-se e pegou o objeto que lhe era estendido.

— Eu ia te oferecer uma carona na hora que te chamei, mas você não parou… — ele falou e limpou a garganta em seguida, dando um passo para trás e quase derrubando os aparatos sobre a bancada fria de pedra. — Ah, merda!

— Tudo bem, eu não sabia que você viria para cá — respondeu e passou a achar certa graça do nervosismo do homem à sua frente. Mas, ok, por que ele estava nervoso?

— Não? — Kiba inclinou a cabeça sem entender. — Sua vó não te disse que fui eu quem disse para ela desse estágio? — perguntou, inconformado. — Não acredito! Ela fica horas falando de você para mim, e eu pedi só uma coisa, só para passar meu número para você, e ela nem de mim falou! Não acredito nisso…

Certo… tinha algo errado ali. Recapitulando, então, tudo o que tinha visto e sabia do vizinho (o que não devia ser difícil por só tê-lo encontrado duas vezes): dono de um cachorro barulhento, tinha segurado o elevador, parecia sem jeito quando o viu entrar, tinha tentado lhe dar uma carona, ficara feliz quando o encontrou na sala, tinha lhe devolvido a carteira, mencionara que conversava com sua vó a respeito dele, estava agindo de forma suspeita, agitado demais, tinha indicado aquele estágio para sua vó e agora havia dito que queria seu número. Era impressão sua ou talvez…

Não, deixa quieto, era impressão. Bem… mas não custava nada arriscar, né?

— Posso passar meu número, se ainda quiser — falou, simplório, e Kiba sorriu ao tirar o celular do bolso da calça. — Assim, podemos combinar melhor os experimentos aqui do laboratório — acrescentou e, tal como um interruptor desliga a luz, conseguiu desfazer o sorriso alheio e transformá-lo numa expressão decepcionada.

— Ah, sim, claro…

Não, não era uma impressão, estava diante de uma pessoa que nunca tinha visto na vida, mas que estava obviamente interessada em si. Achou fofo, ao mesmo tempo em que se perguntava o que sua vó tinha feito para conseguir que um homem como Kiba (porque, é, ele era bonito e parecia ser extremamente carismático, não devia ter muitos problemas para conseguir se relacionar por aí) se interessasse logo por ele sem nunca o ter conhecido.

Ficou curioso… e, por isso…

— E, se você não se incomodasse também…

… só por curiosidade…

— você podia me mostrar um pouco da cidade…

… talvez também porque estava gostando do modo como o sorriso de Kiba voltava à face conforme falava…

— Segundo minha mãe — sorriu, divertido. — estamos num mundo assustador. Seria bom ter um guia… E podemos beber algo depois. O que acha?

Kiba sorriu, pegando o celular de volta onde Shino tinha anotado seu número.

— Vai ser um prazer te apresentar esse mundo não tanto assustador assim. — Riu, pelo menos até quebrar um dos frascos de ensaio num movimento brusco. — Ah, merda...

Shino sorriu de leve, esquecido de todo o caos que tinha sido seu dia. Por um lado, sua mãe estava certa, sair de casa era sim assustador, mas não pelo mundo, pela mudança… Entretanto, algo lhe dizia (intuição talvez? Ou estava só querendo ser otimista de novo? Vai saber...) que tinha acabado de pôr um fim na maré de azar que o estava acompanhando. Tinha sua carteira de volta e um encontro com um cara bonito e que parecia ser legal… melhor que isso só se soubesse cozinhar também, fora outros pormenores que o horário não lhe permitia dizer, mas que a mente bem imaginou…

— Ah, você vai para casa direto depois daqui? — Kiba virou-se para perguntar.

— Sim, por quê?

— Posso te dar uma carona, se quiser. — Sorriu, animado, e Shino concordou tão rápido que deixava claro o pavor que havia pego do transporte público. — Certo, certo, podemos combinar para virmos juntos de manhã também, afinal, eu moro ao lado mesmo.

Shino sorriu. Guia, companhia, carona, faltava comida e sexo, mas, fora isso... sim, parecia que sua sorte tinha mesmo virado…

 


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Notas finais do capítulo

Minha primeira Shino/Kiba!!
Curti trabalhar com o casal e acho que vou fazer mais deles onde eles interajam mais ♥

Curtiram?
Alguma crítica? Sugestão?

Beijosss



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