Poni Vanish escrita por Leon Yorunaki


Capítulo 4
Conclusões




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Foi com um sorriso no rosto que Looker despertou na manhã seguinte, inicialmente satisfeito com o desfecho de mais um caso a se aproximar. O pior, definitivamente, havia passado. Os dois garotos descansavam na enfermaria, alheios a tudo o que passaram enquanto eram mantidos como reféns por aquela garota.

Uma pergunta que não havia sido respondida até então. A pedido do próprio Looker, ela não fora interrogada na chegada ao departamento de polícia, sendo imediatamente detida em caráter preventivo.

O que o detetive não suspeitava, contudo, era que a resposta estava literalmente em suas mãos. A prova cabal do crime situava-se naquele momento em seu colo, sendo folheada por um descrente Looker ao analisar as palavras contidas em cada página do caderno.

Andrew puxava o outro para si, colérico e ofegante. Tudo o que via era Taylor, desde o som a ecoar de seus gemidos quando o penetrava, a escuridão do quarto abafado pelo suor dos amantes, mesmo o cheiro sufocante daquele perfume forte que adorava odiar… Agarrava-o, desejando pôr a prova toda a sua vontade, todos os desejos que deixou para trás quando decidiu fugir para viver aquele amor proscrito. Amor que pulsava em um ritmo constante, arrancando urros do amado a se entregar ao prazer proibido…

Looker fechou o caderno, sem conseguir concluir a leitura. Como seria possível seguir adiante sabendo que a descrição do ato era provavelmente baseada em fatos reais? Forçados através da hipnose, o que não os tornava menos verídicos.

Respirando fundo, levantou-se da cama, guardando os escritos de volta no bolso do casaco antes de tomar uma ducha fria e preparar-se para mais um dia de trabalho. O mistério estava solucionado, o que não significava o fim dos trabalhos naquele caso.

Havia, por exemplo, de se entender os motivos que levaram a garota a agir daquele modo. Mais do que a justificativa, ansiava por entender as motivações por trás daquela barbárie.

Se possível, iria ele mesmo conversar com ela a respeito.

— Bom dia, Looker! — a policial sorria quando da chegada do detetive à base de operações. — Confesso que não é o que eu imaginava que seria, mas parabéns pelo bom trabalho!

— Obrigado… mas se me permite perguntar, o que você esperava?

— De todas as possibilidades, eu nunca imaginava que seria…

— Uma garota?

— Não alguém tão jovem. Veja só, se você não se arrisca desse jeito, nós nunca iríamos descobrir um plano tão elaborado como o dela…

— Eu já penso o contrário. É justamente por ser uma adolescente que ela se preocupou com tantos detalhes… geralmente os adultos se deixam trair pelo próprio ego, fazem coisas que não deveriam achando que nunca serão pegos. Mas ela? Acima de qualquer suspeita.

— Mas tem uma coisa que não entra na minha cabeça… O que ela ganhava com isso?

— É exatamente o que eu vim aqui descobrir…

Looker dirigiu-se então ao corredor, passando em frente a enfermaria aonde os dois rapazes resgatados recebiam os últimos cuidados. Apenas não cumpriam o repouso que lhes fora recomendado, como percebeu pelo tom acalorado da discussão sem que precisasse sequer abrir a porta:

— Isso tudo foi culpa sua! Se não fosse sua ideia de querer ser bonzinho com o turista a gente não estaria aqui!

— Cale a boca, você veio atrás porque quis, ninguém te obrigou!

O detetive apenas sorriu, passando sem adentrar o recinto. Já havia conseguido a informação que precisava. Eles certamente não estariam brigando daquele modo se soubessem pelo que tinham passado. Talvez fosse melhor assim, na verdade. Podia não ser a forma mais correta de lidar com o caso, mas ele era da teoria de que a ignorância podia, sim, ser uma bênção.

Seu destino estava mais a frente, na ala de isolamento da delegacia. Sendo um centro de detenção provisório em uma ilha tão pacata, eram apenas quatro as celas, sendo somente uma delas ocupada, justamente pela garota que ele deteve na noite anterior.

Ela, contudo, não notou a aproximação do detetive; ocupava-se demais com as lágrimas a verterem de seu rosto, quase completamente oculto por entre os próprios joelhos.

— Ela está assim desde que a trouxeram para cá — comentou o carcereiro. — Não sei nem se ela chegou a dormir.

— Se importa se eu tiver uma conversa em particular com ela?

— Fique à vontade para tentar, senhor, mas duvido que consiga alguma coisa. Me avise quando desistir.

O guarda rumou para a saída, deixando-o a sós com a prisioneira. Looker sentou-se então à porta da cela, já imaginando como poderia fazê-la falar.

— Quer conversar um pouco?

Ela olhou para o lado, sem emitir qualquer som. Logo voltou a se esconder, como Looker previra.

— Deve ser difícil passar esse tempo todo sozinha…

— Não enche! — gritou a jovem, sua voz ligeiramente trêmula.

— Achei que pudesse ter vontade de desabafar…

— Você não sabe de nada! Não precisa fingir que me entende!

— Pelo contrário. Eu quero entender para poder lhe ajudar…

— Cale a boca!

Looker acomodou-se, prestando atenção na garota sem olhar para ela. Contava mentalmente até dez, sabendo que era agora uma questão de tempo, a considerar pela respiração ofegante dela.

Quando chegou a nove, ela tornou a falar, em um tom mais leve e rouco.

— Você não faz ideia de como é ser solitária… essa sensação de todo mundo lhe olhar com o nojo estampado na cara, de você ser uma inútil ignorada por todos…

Ela fez uma pausa, tentando limpar a garganta para que sua voz não saísse tão arrastada.

— É tanta coisa me incomodando que eu não sei mais o que faz eu me sentir esse pedaço de bosta… Eu devo ser uma pessoa horrível por não conseguir conversar com ninguém, eu tento sair, tento interagir, mas aí vem a realidade e me joga de volta no fundo do poço… Eu não consigo nem olhar na cara de alguém direito e já me dá essa vontade de me enterrar no chão e nunca mais sair…

Looker sorriu lentamente, como se imaginasse que ela fosse olhar para ele naquele momento. A jovem não o fez, contudo, continuando o seu relato.

— Meu caderno é a única coisa que faz eu ter alguma vontade de viver, sabe? Enquanto eu escrevo, sinto que posso ser eu mesma por um momento, derramar palavras em vez de lágrimas… mas como eu posso contar histórias se eu não consigo vivê-las? O que eu poderia ter feito?

Ela finalmente olhou para o lado, esperando algum tipo de resposta do detetive; este apenas a observava, pensando em como poderia contornar aquela situação.

— Eu não posso dizer que te entendo, mas posso tentar te ajudar. Beba um pouco d’água, vai lhe fazer bem.

Looker atirou por entre as grades uma garrafa plástica na direção dela, mas sem força o suficiente, fazendo com que ela se fosse obrigada a se mexer para pegá-la, o que o fez quase que engatinhando. Foi um ato consciente da parte dele, de modo a obrigar que a jovem se aproximasse.

— Como eu falei, eu não te conheço, não sei o que se passa na sua mente, mas já tenho uma opinião bem diferente do que eu tinha a seu respeito…

— Eu não quero sua piedade. Eu sei que eu fiz merda ou eu não estaria aqui. Vocês vão me fazer apodrecer aqui e acho muito bom, assim vocês se livram de um verdadeiro zero à esquerda na sociedade. Aliás, se quiserem me matar, vão em frente, vai ser muito mais rápido…

— Eu já tomei minha decisão — Looker respondeu. — E não vai ser sua auto-depreciação que vai me fazer mudar de ideia. Olha, eu já lidei com verdadeiros bandidos, posso dar um exemplo de um deles que foi responsável pela morte de mais de uma dezena de inocentes, mas que hoje trabalha em um dos mais renomados laboratórios de pesquisa.

O investigador levantou-se, preparando-se para ir embora. Compreendia não os motivos exatos, mas já podia entender como as coisas se desenrolaram daquele modo. Não estava lidando com uma psicopata, apenas com uma adolescente abalada e com problemas.

— Você não me perguntou se eu quero uma chance!

O grito da jovem ecoou pelo recinto, sem encontrar resposta. Looker ignorou-a por todo o percurso até a saída, quando se virou para respondê-la tendo a certeza de que seriam as últimas palavras daquela conversa.

— Ele também não queria, mas até hoje me agradece por eu ter insistido.

~ ~ ~

Looker arrumava seus pertences apressadamente, tendo recebido uma nova mensagem do quartel-general com uma missão. Partiria para Hoenn ao entardecer, tendo mais um caso complicado como os que se acostumara a resolver. Três relatos de roubos de insígnias no mesmo dia, as suspeitas recaíam sobre uma quadrilha especializada. Mais um daqueles casos que lhe ocupariam por algumas semanas.

Perguntava-se se deveria mesmo ir. Mesmo com tudo resolvido, sentia que precisava desabafar com alguém que o entendesse. Nanu tinha aquele jeito sério dele, mas era um excelente ouvinte e conselheiro.

Olhou para o telefone sobre a mesa. Sabia que o ex-comandante odiava receber ligações, mas talvez fosse um momento oportuno; era uma escolha complicada a se fazer. Tanto ajudava aos outros, mas como proceder quando era ele que precisava de um aconselhamento?

O aparelho vibrava em meio aos devaneios do homem, tirando-o de seu estado quase melancólico.

— Looker na linha… Ah, olá, Grimsley!

— Boa tarde, eu acho. Sempre me perco com o fuso horário… Espero que o Zorua tenha sido útil.

— Eu não consigo lhe agradecer o suficiente pela ajuda, seu pokémon foi essencial para minha segurança nesse caso.

— Deixe disso, eu sei o quão competente você é, jamais correria riscos desse modo… Zach já me contou a respeito, confesso que estou tão chocado quanto você deve ter ficado…

— Nem me fale, não consegui tirar isso da cabeça até agora.

— Enfim… eu liguei apenas para avisar que o Zach chegou bem. Se precisar dele, ou de algum outro tipo de ajuda, pode sempre contar comigo.

Looker não respondeu. Suas dúvidas lhe consumiam, mas não tinha certeza se queria se abrir com ele.

— Eu não sei o que te incomoda, Looker. — Grimsley prosseguiu, notando que havia algo de errado pela ausência de resposta. — Mas não podemos reclamar das cartas que a vida nos dá, temos que aprender a jogar com elas.

— Eu entendo. — Looker fez uma curta pausa, logo continuando. — Aliás, pensando melhor, creio que possa me ajudar sim com uma coisa…

~ ~ ~

Mais um dia se aproximava arrastado como qualquer outro desde que ela se viu isolada do mundo naquele prédio cinzento. Uma pequena janela em seu cômodo lhe mostrava o verde do lado de fora, uma ilusão de liberdade em um local desconhecido para a jovem.

— Bom dia, Marina, você não vai tomar o café com os outros?

Era triste estar ali, cercada de pessoas que fingiam se importar. Tinham a tarefa ingrata de “recuperá-la para que pudesse retornar à sociedade”. Como se alguém a fosse querer de volta.

Recusou o convite, como sempre fazia. Alguém levaria algo para que ela comesse sem ter que sair de seu quarto, uma tarefa difícil apesar de ele nem mesmo ter uma porta. Fazia apenas quando era obrigada, três vezes por semana, para ser questionada sobre seus planos futuros inexistentes. O que poderia ela desejar, agora que tinha estragado sua vida pelos desejos carnais?

Não que eles não tivessem tentado. Entre seus objetos estavam lápis e papel, mantidos em branco pelas duas semanas nas quais estava internada. Até mesmo a escrita lhe perdera o sentido desde então. Era um meio que tinha de colocar para fora todos os desejos reprimidos, tudo o que sentia prazer em imaginar por mais que soubesse não ser saudável. Usar de seus pokémon para lhe ajudar a satisfazer suas curiosidades só tornara o problema pior e mais dolorido de se lidar.

Um dos funcionários do local retornou, mais cedo do que ela esperava.

— Você tem visita! Se arrume que ela já está subindo.

Ele deveria estar enganado. Claro que sim, já não tinha ninguém que se importasse com ela em condições normais, que dirá após ter sido levada para Unova para ser internada? Um desperdício completo de tempo e dinheiro, na visão dela. Não havia nada que pudesse mudar seu estado.

— Com licença, você que é a Marina?

A garota olhou para a abertura na qual a visitante pairava, observando-a sem assimilar direito quem lhe procurava. Esta usava roupas bem chamativas em tons de negro e roxo e, apesar de não estar com seu grande cachecol característico, foi imediatamente reconhecida pela garota.

Pois era impossível para uma escritora que não reconhecesse Shauntal, uma das poucas referências contemporâneas no ramo.

— Podemos conversar um pouco?

— O que você veio fazer aqui?

— Um colega meu me falou do seu caso, achei que seria interessante trocar umas ideias…

— Ah, a super escritora famosa se interessando por um lixo de pessoa como eu. Conta outra!

— Todo mundo tem uma história para contar. É normal se machucar no processo, a dor da derrota é um resultado esperado. Mas é com a força que você se levanta para uma nova batalha. A sua história não pode parar no capítulo triste sem uma conclusão.

— Eu não tenho mais nada a acrescentar. Acabou, já era. Minha inspiração foi embora, minha vontade de viver não existe mais. Não pense que eu não tentei…

— Eu não vim aqui pra falar de você, deixo isso pros médicos. Vim falar da sua história. Fazia um tempo que eu não lia algo tão bom. — Shauntal estendia um caderno para Marina, o mesmo que ela havia perdido por conta de sua prisão naquele casebre na ilha Poni. — Eu vejo que você coloca seu coração e sua alma aqui dentro. E se você quiser seguir pelo caminho literário, eu teria prazer em escrever um prefácio.

A jovem apenas sorriu, sem conseguir responder. Sua vida já não lhe parecia tão sem sentido após os elogios feitos a sua obra. Lhe pareciam sinceros o suficiente.

— Estarei aqui de novo na semana que vem — anunciou Shauntal, levantando-se para ir embora. — E se me permite um conselho, tente interagir com todo mundo. Vai lhe dar novas ideias.

Marina a observava partir, um lampejo de esperança ressurgindo em seu peito. Talvez não fosse impossível recomeçar.

Claro, seria muito mais difícil fazê-lo sendo constantemente vigiada por todos na clínica. Sem seus pokémon para lhe ajudar com a construção de suas histórias.

Teria de se render. Jogar o jogo deles. E, em talvez um mês ou dois, poderia sair dali “recuperada”; talvez até conseguisse convencê-los a lhe devolverem as pokebolas de Morpheus e Phantasos.

E estaria pronta para retomar os trabalhos


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