Foi uma longa tarde e cansativa, nunca pensei que esperar cair a noite e ficar sem fazer nada fosse tão chato.

Tenho que concordar com a Selene dessa vez.

Saímos da pensão, rumo a saída norte da cidade por onde corre o rio que faz fronteira com Braska e Heathcliff, suas margens são mais largas quando entra nas terras de Heathcliff.

Assim como a noite anterior, o vento sopra silenciosamente pelas ruas da cidade e está levemente frio.

Eu não devia ter vindo de calção, principalmente porque não é mais verão.

Não sei se posso, mas se necessário vou ter que me encarregar de usar alguma magia além do Impact Burst.

Estamos andando em silencio para não deixar passar um som se quer. Aparentemente estamos calmos, mas no fundo tenho certeza que a tensão está nos atacando a cada simples passo que damos ao longo dessa avenida feita de paralelepípedo.

A medida que nos aproximamos da ponte ao norte, o ar parece estar estranho como na última noite e aquele clima de tristeza parece se espalhar.

Um arrepio sobe pelas costas chegando até a nuca.

−Eles estão por perto.

−Consigo sentir o cheiro de duas criaturas do Chaos.

Selene fica em alerta de repente.

As coisas vão ficar bem complicadas a partir daqui.

A ponte está a alguns metros à frente, somente mais alguns passos e vamos estar em um local aberto.

Tem um estranho cheiro à medida que nos distanciamos das casas.

Isso é um óleo usado para acender a lareira.

Ah! Droga isso é ruim.

Crash!

Bruuum!

−O que é isso?

Selene fica surpresa com a explosão seguida das chamas.

−Um incendiário e ainda por cima usuário de magia de fogo.

Fior capta rápido como o inimigo é.

Um homem de óculos com um sobretudo preto aparece por trás nas sombras das casas.

−Muhaha!

−Você é como dizem, senhorita Alma.

−Um monstro de olhos verdes e cabelos azuis.

Ele está portando uma arma de fogo personalizada, o tubo dela é mais largo e tem uma espécie de rosa envolta.

A Sombra deve estar escondida com ele, mas quanto a segunda?

−Fior!

Faço contato visual com ela e dou um sinal.

−Entendi, vamos começar então.

Ela aproxima de mim e põe sua mão direita sobre meus olhos.

Como daquela vez na mansão das suas irmãs, sinto uma forte energia emergir do meu peito, mas dessa vez meu corpo não está tão pesado como antes e consigo manter a força nas minhas pernas para sentar no chão.

Click!

Estou em uma posição bem perigosa sentado aqui logo atrás deles, pode ser que a Fior e esse cara entre em um confronto com essas armas e eu vou ficar no meio.

Olho para frente e a Selene já está na forma de raposa com a foice em mãos.

Hiss!

A Sombra dele surge de repente, ele é desfigurado e com vários olhos. Foi ele que me atacou na loja daquela mulher, que avistei na última casa ao sul da cidade.

−Raposa Caótica, que bela visita você me faz.

−Isso vai facilitar todo meu trabalho.

Assim como a outra Sombra, essa tem a voz bem distorcida e parece ser do tipo mais sério também.

−Eh...?

−Vocês todos são uns malucos mesmo.

−Realmente pensa que pode me matar?

É claro que a Selene tem dificuldade de entender o que eles falam, ainda mais com esse pavio curto.

A outra Sombra me preocupa mais até do que a possibilidade de levar um tiro, como não consigo me mover direito, vou tentar usar outra coisa dessa vez. Embora eu prefira uma espada para essa situação, é bom eu ter isso preparado para uma situação de emergência.

−É melhor você parar nesse exato momento ou serei obrigada a mata-lo.

Acredito eu, que não havia necessidade de dizer isso, está bem claro que ele não vai desistir, os olhos daquele homem estão diferentes de alguém saudável e sua mente já foi consumida pela Sombra.

Esta situação é mais preocupante do que pensei.

−Cansei disso, vou matar vocês dois.

Selene vai rapidamente na direção deles.

Eles não se mexeram um passo se quer, esse comportamento é muito estranho.

Uh! É isso.

−Selene, não fique perto deles.

−É uma armadilha.

Não sei se minha voz alcançou ela, mas ela para a poucos metros perto deles.

Z-zinn!

−Ahhh...

Um espinho gigante sai do chão um pouco a frente dela.

Por sorte a Selene estava longe o suficiente para não ser pega por ele.

−Essa foi por pouco.

O homem olha para mim fixamente, deve estar pensando em como eu descobri o que ele tramou, mas por algum motivo sinto que é mais do que um simples espinho.

−Muhaha! Muito interessante.

−Você descobriu minha armadilha, porém será que você sabe de tudo?

−Jovem especialista em magia.

A calma dele me incomoda demais.

O que você está tramando?

−Agora te peguei.

Vuum!

Z-zinn! Kriin!

Ao tentar acerta-lo com a foice, Selene é surpreendida com outro espinho e para ele com a lamina da foice.

Tick!

Ele acende um isqueiro de metal.

−Não, dessa vez eu te peguei.

O homem solta o objeto no chão.

Bruuum!

Boom!

Uma forte faixa de luz me cega por alguns segundos junto com um som muito alto.

Ele explodiu ela usando o óleo jogado no chão.

−Seleneee!

−Droga, eu sabia que isso ia acontecer.

Bang!

Bang!

Fior atira nele sob a cortina de fumaça que ainda não abaixou, ela fica distante de mim para conseguir acertar os dois.

Isto não é bom, neste estado fico vulnerável a qualquer um que possa me matar.

−Fior, acalme-se.

−Ela vai ficar bem, não é uma explosão que vai feri-la naquela forma.

Conhecendo a força dela na forma humana dentro do Chaos, sei como ela consegue lidar com isso.

Desvio minha atenção do ambiente a minha volta para evitar um risco desnecessário da Fior.

−Hurmm... Hmm...

Ela resmunga mordendo seus lábios enquanto mantem sua posição diante a cortina de fumaça que se desfaz aos poucos.

Segundos depois consigo ver a silhueta do homem, mas não vejo indícios de sua Sombra e nem da Selene.

Se não nos apressarmos essa parte da cidade vai ficar em chamas nas mãos desse louco de óculos.

Hiss!

Os dois aparecem sobre o telhado de uma casa atrás do incendiário.

Ainda bem que ela conseguiu escapar daquilo.

−Muhaha!

−Parece que a raposa é mais inteligente do que eu esperava, agora acabe com ela.

A forma dele falar me soou muito estranha.

Em meu entorno não percebo nada e como a Fior está mais avançada é possível que eu seja o alvo dele.

Sombras tem vantagem a noite porque há ausência de luz em muitos lugares, somente algumas ruas da cidade estão iluminadas e a única luz mais próxima a mim é a que está na ponte logo atrás.

Hiss!

Humpf! Como pensei.

Rawww!

Você não vai me pegar sua Sombra espertinha.

Blang!

Grrrauurrr!

A terceira Sombra tenta me atacar, mas como eu estava preparado, ele acertou o escudo refletor que criei quando sentei no chão.

O pior de tudo é que agora temos três criaturas problemáticas aqui, a única vantagem é que a Sombra que me atacou vai ficar paralisada por um tempo. O Escudo do Paladino além de refletir um ataque tem uma grande chance de atacar com uma corrente elétrica, assim impossibilitando o agressor de se movimentar.

−Hector, você está bem?

No susto de ser surpreendida com a aparição de outro inimigo, Fior vem na minha direção.

−Sim, já esperava que esse cara me atacasse por isso me protegi com uma magia defensiva.

−Tsss! Não sei por quanto tempo vou suportar o poder da Selene, isso tem que acabar rápido.

Uma forte dor atinge a parte esquerda da minha barriga, são os efeitos colaterais de manter os poderes reais da Selene ativos fazendo o corpo sofrer uma grande pressão.

Percebendo a situação, Selene pula para trás chegando próximo a mim e a Fior.

−Ei, Hector.

−Aquela Sombra atrás de você, não vai nos atacar?

Posicionando a foice para lançar sobre o inimigo a frente.

−Não se preocupe com ele por enquanto.

−Ele atacou na minha magia de reflexão e tomou uma dose do próprio remédio com uma dose extra de uma magia de paralização.

Explico a situação para ela não se preocupar comigo agora.

−Entendi.

Com aquela voz desfigurada dela, ela volta a ficar de frente para o incendiário.

−Como ousa fazer isso com ele, você vai pagar muito caro por ter tentado matar o Hector.

Um brilho vermelho aparece entorno do corpo dela, diferente daquele azul que aparecia na lamina da foice esse brilho parece ser algo mais forte.

Ela está usando um poder diferente, consigo sentir essa energia em meu peito.

É algo forte como uma explosão.

Z-z-zoom!

A Selene desaparece.

Zoom!

Zing!

Segundos depois ela aparece atrás da Sombra que estava no telhado.

Grrrauurrr!

Zing!

Zing! Zing!

Zing! Zing!....

Ela repete o mesmo movimento atacando com a foice inúmeras vezes em uma velocidade incrível.

Grrrauurrr!

−Como pode? Isso é impossível até mesmo para uma Sombra.

A Sombra desfigurada dá suas últimas palavras, não suportando os ataques seguidos da Selene e desaparece em forma de cinzas.

−Nããão!

O homem grita com a mão direita sobre seu peito.

Essa é a prova que a Sombra era dele, mas aquele selo não devia aparecer?

Segundo a Fior, se um deles morrer o outro vai para o Chaos.

Só tem uma resposta para isto, aquela outra Sombra também fez um contrato com ele.

Zoom!

Selene volta olhando para trás de mim.

Fior e eu olhamos para a direção do outro inimigo.

Hiss!

−Lá vem ele.

Selene se posiciona para um possível ataque.

−Fior, eles vão fugir.

A forma que a Sombra desapareceu entrega o que ele vai fazer.

Bang!

−Nada disso, você vai ficar aí.

Fior atira na perna do incendiário e a Sombra em forma de uma quimera fica próximo a ele.

Rawww!

Estou começando a odiar Sombras que dão rugidos, é ensurdecedor seus gritos.

Tsss! O tempo está ficando curto.

O dor na minha barriga ficou mais intensa, é como levar uma flechada e tentar puxar de forma errada.

−Selene, vamos acabar isso logo.

−O Hector já está sentindo os efeitos de ter liberado o selo.

Fior e Selene tentam pensar em algo rápido.

−Não resta opção né.

−Hector aguente mais um pouco, vou matar aquela Sombra.

Selene posiciona a foice e o brilho azul na lamina aparece novamente.

O brilho vermelho envolto do seu corpo continua.

Click!

Fior pega outra pistola e fica na frente da minha visão.

Não faço ideia do elas pretendem fazer e continuo observando elas atentamente.

Z-zoom!

A Selene desaparece novamente.

Aquele brilho vermelho deve ser algo ligado a velocidade dela.

Procuro ela por todos os lados, mas não a vejo.

−As suas chances de mudar o passado, acabam aqui e agora.

Eu temia isso, esses dois vão entrar em confronto com armas de fogo.

Bang!

Psin! Psun!

Você está de brincadeira comigo?

Zoom!

A Selene parece fazer a mesma coisa da última vez, mas dessa vez algo está diferente.

Zing! Zing!

−Morram.

Vu-vu-vu!

Então ela pula para longe e lança a foice girando na direção dos dois.

Boom!

Vuuuu!

Um forte vento sopra a fumaça rumo a Fior e eu.

−Argh! Ela conseguiu?

Meus olhos estão irritados com essa poeira toda.

−A-AHHH!

O homem grita desesperadamente.

Quando a poeira abaixa vejo um brilho vindo do chão, o selo do Chaos cercou os dois e a Sombra ataca o homem com suas garras. O chão sobre eles fica escuro e aos poucos leva os dois para a parte mais escura do Chaos.

Selene se aproxima e volta a sua forma humana aos poucos.

Conseguimos nos livrar deles, mas um sentimento ruim surge em meu coração.

Essas pessoas querem mudar seu passado para não sofrerem no presente, mas para fazer isso tem que se tornar más e por fim se perder na escuridão, sem poder alcançar o que almejou.

−Hector, venha vou te ajudar.

Selene vem até mim e me dá sua mão.

Não consigo levantar, minhas forças estão esgotadas.

−Acredito que isso vai ser mais difícil do que pensei.

A dor desapareceu, mas não consigo mover minhas pernas e elas estão formigando muito.

−Vou precisar de uma ajuda extra aqui.

−Será que tem alguém para me ajudar?

Fiz isso de propósito para Fior vir me ajudar, até porque quando os poderes da Selene estão selados, ela perde grande parte da sua força física.

Podemos dizer que ela vira uma menina normal de 14 anos.

−O que você quis dizer com isso?

−Espertinho.

Fior percebe minha brincadeira.

−Hehe! Imaginei que você ia demorar para perceber.

Ela as vezes fica parada olhando para o nada e parece esquecer do que acontece a sua volta.

−Segure-se bem.

−Suas pernas estão fracas graças por causa do tempo que deixei os poderes da Selene ativo.

Com a ajuda da Fior consigo levantar.

Apesar dela ser voada as vezes, sua melhor qualidade é o quanto ela pode ser atenciosa. Ela diz que sou importante por ajudá-la a superar a morte dos seus pais, mas quem me salvou de mim mesmo foi ela e a Fiore.

Quem realmente devia ser grato por ser ajudado é eu.

Caminhamos bem devagar para a pensão.

Ah! Eu quero um pouco de chá com um pão doce e um pano úmido para minha cabeça.

Seria a melhor coisa para mim, agora de noite.

O ar da cidade está diferente, aquela tristeza desapareceu e a noite está cada vez mais iluminada pela lua.

Esse vento...

A liberdade dessa cidade contra essas Sombras.

É como se ele falasse em meus ouvidos “Obrigado”.

Isso encheu meu coração de alegria, uma alegria de estar de volta e poder viver este momento.

Chegando na pensão, todos nós comemos um pouco e minutos depois caímos no sono. Naquela noite sonhei com minha antiga casa, minha mãe sorrindo e dizendo que fiz um bom trabalho recuperando nossa terra natal.