Pandora escrita por Virgo


Capítulo 7
Proposta e Desafio


Notas iniciais do capítulo

Essa história vai terminar com o que? Três mil palavras por capítulo?!
Bom, de qualquer forma estamos na reta final, espero que gostem =)



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Batia o dedo indicador no cabo de seu tridente com alguma constância, evidenciando algum traço de impaciência ou nervosismo, o que era o caso. E esse traço ficava ainda mais forte se comparado com sua postura altiva ao lado direito do trono dos monarcas e apenas um degrau abaixo do nível dos mesmos.

Tinha sido informada de que seria uma reunião importante, apesar de não saber quem a tinha convocado. E evidentemente era uma pessoa muito importante, afinal todos os servos e soldados estavam na sala do trono.

Os deuses gêmeos, Morte e Sono, estavam em pé atrás dos tronos, guardando as costas de seus monarcas. Ainda não tinha tido a oportunidade de realmente falar com os dois, porém, esses não lhe faltaram com respeito em momento algum e até lhe sorriam como se ela já fosse uma velha conhecida.

Os juízes estavam dois degraus abaixo do seu e, assim como todos os soldados, estavam em posição militar de descanso com as mãos nas costas e os pés espaçados. Entre eles havia um palmo de distância e aparentemente estavam alinhados por idade ou importância. Por estarem de costas em relação a moça, conseguia ver suas mãos e notava que as de Wyvern tremiam sem parar, não de medo ou nervosismo, mas puro ódio. Isso a deixou ainda mais intrigada com quem poderia ser.

Burburinhos baixos percorriam todo o salão, criando um zum-zum sutil e quase reconfortante naquela situação emblemática, mesmo assim parecia que todos sabiam de algo que ela não sabia. Ao menos essa era sua impressão, mas isso não era um problema tão grande, afinal conseguia ouvir facilmente a conversa baixa dos juízes.

— Afinal… - ouviu Garuda soltar um risinho. - Parece que é ele mesmo. Devemos nos submeter à vergonha de tratá-lo com respeito?

— Não mesmo… - e de Wyvern ouviu um rosnado.

— Minha pergunta é, o que ele está querendo agora? - questionou Griffon, ele movia os ombros com descaso, não parecia muito interessado.

— O que você acha? - agora Garuda tinha indicado a moça com um meneio discreto. - Não consegue ver uma saia.

— E Ganimedes? - perguntou Griffon maldosamente.

— Parece mulher e já o vi usar saia, não é tão absurdo. - deu de ombros rindo e indicou Wyvern. - Mas o nosso problema mesmo é ele.

— Desgraça… Maldito… Egocêntrico… Usurpador... - o dito cujo nem mais ouvia, só xingava baixo, tão baixo que rosnava.

Gostaria que eles citassem algum nome, falasse mais alguma coisa, qualquer que fosse, sobre quem era a bendita, ou maldita, pessoa. Esse mistério estava lhe deixando ainda mais nervosa, sem contar que estava começando a desgostar da pessoa, chegar atrasado para uma reunião que ela mesma marcou era muita irresponsabilidade e falta de respeito.

Como que para silenciar seus pensamentos atrevidos, um raio explodiu no meio do salão, fazendo seu coração pular de susto e quase lhe fazendo passar a vergonha de gritar. Porém, ao menos aquilo já lhe respondia a dúvida cruel de quem era o visitante; apenas o senhor dos deuses controlava o raio como um bom amigo.

— Ele marcou o chão de novo… - resmungou a rainha atrás de si.

A figura que se apresentou estava de armadura completa, dourada e prata com adornos funcionais e fortes, a coroa de raios e ouro se destacava entre os cabelos loiros. Havia um gato negro nos braços do homem que se apresentou e mais duas figuras ao seu lado. Um homem de armadura vermelha com ornamentos funcionais negros e uma mulher bastante familiar de armadura dourada com ornamentos funcionais em prata, ambos armados até os dentes. Não precisava ser apresentada para saber que aqueles dois eram os deuses da guerra, Athena e Ares.

Os três eram inegavelmente intimidantes, mas o que realmente lhe assustou naquilo tudo era a semelhança entre o todo poderoso Zeus e o juiz Wyvern.

Os dois poderiam ser irmãos gêmeos se colocados lado a lado e despidos de seus títulos e poderes. As poucas diferenças que tinham se transformavam em semelhança entre o imperador atrás de si e o imperador a sua frente. Parecia que agora, frente ao homem, as mãos de Wyvern tremiam ainda mais e sua boca se torcia com uma fúria contida por muito esforço; em total contraste com o sorriso jocoso dado pelo deus.

— Desculpe o atraso. - pediu pouco antes de cumprimentar os monarcas com pleno respeito. - Athena e Ares demoraram um pouco com o presente. Pode se mostrar, Cheshire.

O gato pulou do colo do deus e assim que tocou o chão se transformou em um menino de cabelos prateados e a pele escura como a casca de uma árvore forte. Ele sorriu animado, suas roupas eram estranhas e suas palavras eram um pouco atrapalhadas, como se ainda estivesse aprendendo a falar.

— Eu sou Cheshire, um Cat Sith dado de presente pelos deuses nortenhos para primorosa deusa Pandora, mãe de todas as mulheres do mundo, do extremo sul ao extremo norte. - o “s” e “r” eram muito pronunciados em sua voz. - Athena e Ares me trouxeram com a ajuda de Eolo e Aelo, os senhores do vento. Ouvi de minha senhora o caminho inteiro e desejo muito por ela ser aceito.

Todos a miraram a espera de uma resposta, sentiu o rosto esquentar com tanta atenção, mas precisava dar uma resposta firme. Não via maldade naquela criança e via o cansaço nos roxos abaixo de seus olhos, vinda de tão longe e sem um destino certo caso a recusasse.

— Eu aceito o presente. - respondeu sem nem gaguejar. - Venha cá, criança. Me deixe vê-lo melhor.

O menino foi saltitando até a moça que se abaixou um pouco para ver se ele estava machucado de alguma forma, se tinha algum tipo de marca em sua pele ou um poder vendando seus olhos ou deturpando suas ações. Enfim, ele parecia apenas cansado e ela o abraçou com carinho, fazia um bom tempo que não interagia com uma criança, mas não perdeu seu carinho materno.

Quando se viu nos braços da moça, o menino assumiu sua forma felina e a deixou lhe arrumar devidamente nos braços, podendo descansar um pouco. Não tinha dúvidas de que ela seria uma boa senhora.

— Agradeço, meu senhor. - por fim dirigiu a palavra ao senhor dos deuses. - É um menino bonito e saudável, honrarei a confiança dos deuses nortenhos em confiar-me criatura tão linda. - olhou, então, para o imperador em seu trono. - Minha única preocupação é se os ares do submundo não lhe farão mal.

— Ele é uma criatura das sombras em seu povo, ficará bem aqui. - respondeu o senhor dos mortos gentilmente, sanando sua dúvida.

A moça assentiu agradecida e voltou sua atenção para Zeus, com certeza tinha bem mais do que um presente naquela situação toda. Via que Wyvern estava coçando as mãos atrás das costas, seu rosto estava mais sombrio e até receava se devia ou não sair ao lado dele quando a reunião fosse diluída. Ele era seu guardião, mas naquela situação parecia mais um monstro sedento por sangue.

— Me alegro em ver que gostou do presente. - comentou o deus com um sorriso. - E me alegro ainda mais em dizer que viemos convidá-la para residir no Olimpo. É uma deusa, merece muito mais do que a Terra dos Mortos.

— Meu senhor, com todo respeito. - nem pensou no que estava falando, a língua foi mais rápido do que o discernimento. - Os deuses me abandonaram aos caprichos dos homens, não passei de uma ferramenta para seus jogos e apostas. Este é o primeiro e único lugar que me acolheu como eu realmente precisava e merecia. Então, me diga, por que devo ir com aqueles que me abandonaram?

Por um momento o salão ficou em perfeito silêncio, sua escolha de palavras foi ousada e todos estavam espantados com tal fato. Então, o salão explodiu em burburinhos descrentes e, em contrapartida, pode ver que Wyvern relaxou um pouco e sorriu discretamente com sua resposta. Ela não podia mais voltar atrás, precisava se manter firme em seu posicionamento, não importando se tinha sido indecente ou se estava certa.

O senhor do inferno gesticulou um basta quando o irmão demonstrou iniciativa para falar, com isso o salão se silenciou mais uma vez.

— A sua soltura tem sido negociada com os homens há séculos. - esse era seu argumento. - Ainda é uma criança de Athena e Hephaestus afinal. É parte de minha linhagem e eu me preocupo com a minha linhagem.

A deusa da sabedoria olhou o pai de soslaio, ela parecia injuriada com a situação, até mesmo triste e insatisfeita, mas não falava nada por conta de seu profundo respeito ao mais velho.

— Você não foi um joguete, Pandora. - continuou seu argumento. - Você foi a mensageira de um exemplo, a aplicadora de um castigo, uma tarefa muito importante e que foi cumprida com maestria invejável. Os homens lhe capturarem não estava nos planos, eles ameaçavam matá-la sempre que falávamos de retaliação. Ou é mentira dizer que as torturas que lhe aplicavam nunca foram mortais? Sempre buscamos sua libertação de forma pacífica, porém, como vê, meu irmão não teve a mesma paciente que nós. - o deus dos mortos apenas girou os olhos, o irmão tinha uma lábia ótima e via que estava conseguindo convencer a moça, mas não quem o conhecia de fato. - Entenda, os homens são crianças e nós somos seus pais. Você também é nossa criança. Você foi mãe, me diga, como posso escolher entre um filho e outro? Não há como escolher, apenas como abrandar os lados, sabe disso. - naquela altura a moça tinha desviado um pouco o olhar, pensativa sobre o que lhe foi falado e o que realmente sabia. - Estamos aqui para levá-la para casa, Pandora. Uma deusa tão resplandecente quanto você não deve ficar nesse lugar escuro. - deu um sorriso gentil, mas os olhos não mentiam que era um sorriso exclusivamente de vitória. - Vou lhe dar três escolhas, pois não quero que pense mal de mim. Na primeira, pode voltar a viver entre os mortais sem que eles possam reconhecê-la. Na segunda, pode ficar aqui e servir Hades. E na terceira, pode vir para o Olimpo e servir aos demais deuses.

Um riso chamou a atenção de todos, Wyvern ria com gosto. Precisava admitir, a lábia com as palavras e a eloquência natural foram herdadas do pai. Por mais que o odiasse, não podia negar suas semelhanças físicas e psicológicas, as que mais lhe assustavam em verdade. Mas isso também não queria dizer que precisava aceitar o que ele queria calado.

Estava tão farto naquele joguinho, tinha se controlado por tanto tempo, que andou até ficar frente a frente com o mais velho, naquela distância nenhum dos irmãos poderia lhe puxar de volta para que não fizesse alguma loucura e nem os deuses do submundo poderiam agir sem causar certa vergonha. Tinha se colocado entre os deuses olimpianos e a moça, para que a vissem primeiro teriam que escapar de seu olhar severo e sorriso desgostoso.

— Seria muito pedir que agora conte a verdade à moça? - veneno escorria de sua boca e pingava em cada palavra. - Ou vou ter que arrancar a verdade de você, Zeus?

— Pai. - corrigiu o senhor dos deuses.

— Não sou mais moleque pra ser obrigado a te chamar assim. - os punhos fechados tremiam. - Ou conte a verdade para moça, aqui e agora. Ou eu, como juiz e defensor da justiça, lhe desafio para o Jugo da Espada.

As conversas e exclamações explodiram no salão, a moça se encolheu um pouco frente situação desconhecida. Naquele momento os deuses gêmeos precisaram tomar alguma iniciativa e calaram o salão com algum esforço, seja lá o que fosse, sabia que Wyvern estava sendo louco só pelas exclamações acaloradas que tinha ouvido um pouco antes.

— Radamanthys. - pela primeira vez o deus dos mortos estava se manifestando quanto seu comportamento, mas seu tom não era de repreensão, muito pelo contrário, era uma aprovação disfarçada. - Tem certeza que quer o Jugo da Espada? Athena é quem declara os vencedores, sua espada sempre pende para o lado do justo, mas estamos falando de Zeus. Tenho cá minhas dúvidas se a espada dela vai pender para um lado que não seja o dele.

— Sou a deusa da justiça antes mesmo de ser filha de Zeus. - retrucou a deusa com firmeza e imposição sábia na voz, estava claramente indignada pela acusação. - Se o Jugo da Espada for realizado irei pender para aquele que realmente mereça, não aquele a quem tenho temor ou respeito.

O olhar da deusa dizia tudo sobre a mesma e seus valores. Se contrariada ela não obedece lei ou piedade, ousa todas as coisas e extermina sem remorso tudo aquilo que se coloca em seu caminho. Podia não parecer, mas era uma deusa muito perigosa e nem mesmo o senhor dos deuses podia contra.

— Pois bem. - o senhor dos mortos pareceu se convencer com aquela resposta. - O que você diz, Zeus?

— Vai apoiá-lo na loucura?! - estava transtornado com a reviravolta.

— O filho é seu. - deu de ombros com um riso, parecia se divertir.

A moça os mirou aflita, podia jurar que eles sairiam rolando em luta há qualquer momento. O ar lhe faltava e o desespero lhe prendia no lugar, não queria que nada daquilo acontecesse, se fosse dar tanto trabalho preferia voltar ao reino dos homens.

— Então, o que me diz, pai? - as palavras saíram com escárnio.

— Aceito. - respondeu com igual ódio.

A deusa da sabedoria, então, bateu em seu escudo com a lança doze vezes, não tinha mais volta, tudo o que podiam fazer agora era esperar pela decisão final e aguardar o destino escolhido.


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Notas finais do capítulo

Mais dois ou três capítulos, vai depender muito do tamanho deles.



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