Loveless Generation escrita por Mileh Diamond


Capítulo 1
Capítulo I


Notas iniciais do capítulo

Aqui vai aquele shoutout pra minha amiga Nat King que gritou comigo por semanas após a postagem de LLTP e me motivou a fazer essa versão. Ela contribuiu com tanta coisa, gente, todos os bastidores não mencionados da história têm dedo dessa menina :'D Espero que goste, Nat ♥♥

O ano aqui é o final de 2004 e, se você leu LLTP, sabe que aqui seria o momento em que o nosso casal se separa. Vamos ver como seria se eles tivessem conversado mais ;)



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You try your hardest to leave the past alone.
This crooked posture is all you’ve ever known.
It is the consequence of living in between
The weight of family and the pull of gravity.


 

 

Se há cinco anos dissessem a Victor Nikiforov que um dia ele fugiria da Rússia com Yuuri, uma criança, uma identidade falsa e um sedan usado, ele teria rido.

 

Olha como o mundo dá voltas.

 

Já era de noite e eles ainda estavam na estrada. Ele dirigindo, Yuuri no banco ao lado e Yuri dormindo na cadeirinha no banco de trás. Ele queria dizer a Yuuri para dormir também, mas sabia que seria inútil. Nenhum dos dois conseguiria dormir direito pelos próximos dias.

 

Eles estavam com medo. Muito, muito medo.

 

Porque não importava o quanto eles planejassem, o quão fundo eles plantassem a mentira, o quanto eles pagassem para que tudo saísse perfeito, ainda tinham os riscos. Se alguém na bratva descobrisse, eles seriam mortos. Victor primeiro, por trair a família. Yuuri, pela bratva por ser um espião ou pela yakuza por virar as costas às suas origens.

 

E Deus sabe o que aconteceria com Yuri.

 

Victor olhou pelo espelho retrovisor a forma adormecida de seu único filho. Ele se sentia culpado por fazer Yurachka passar por tudo isso tão cedo. Sinceramente, ele era culpado por tanta coisa. Mas essa era uma chance de recomeçar. Uma nova vida, uma em que eles tentariam cometer o mínimo de erros possível. Apenas algumas coisas da vida antiga: um ao outro e fotos. Estas, por cortesia de Victor.

 

Ele as pegou na calada da noite, um dia antes do plano. Roubou como um pivete, que ele já foi um dia. Olhos hesitantes enquanto vasculhava a biblioteca a procura dos álbuns.

 

Ele pegou quatro. A foto de Kabukicho, porque ele ainda amava ver Yuuri constrangido; a de Yuuri no balé, porque ele suspeitava que não veria seu noivo dançando tão livremente no futuro; a do aniversário de Yuri, com os três atrás de um bolo, rindo como se suas vidas fossem normais; e a de Nina Plisetskaya, para o caso de um dia Yuri querer saber mais sobre a mulher que o trouxe ao mundo. A primeira que tentou tirá-lo de uma vida cheia de perigos.

 

Ele nunca chegou a falar com Nina. Mas ele pode dizer que a viu viva. Ele tinha 14; ela, 19. Um furacão de energia e fúria enquanto deixava a mansão Plisetsky para nunca mais voltar. A primeira herdeira a deixar o trono, semeando o caos em sua partida.

 

Victor imaginava se ela estaria os vendo agora de um plano superior, se aprovava o que estavam fazendo com seu filho. Ele se sentia confortável com a ideia de uma mãe abençoando a viagem. Nina Plisetskaya, padroeira dos covardes, dos herdeiros fugitivos, dos hipócritas que querem uma nova chance.

 

Ele finalmente arriscou uma olhada em Yuuri e o descobriu dormindo também. A adrenalina do dia finalmente passara, então. Ele parecia tão diferente daquele jeito. O suéter gasto, os óculos tortos enquanto sua cabeça pendia pro lado, a franja bagunçada caindo sobre os olhos. Ele quase poderia confundi-lo com um universitário.

 

Ah, sim, ele pensou, porque é isso que deveríamos ser no momento.

 

E era verdade. Yuuri tinha 23 anos. Há pouco mais de um ano, ele seria barrado de comprar bebidas alcoólicas na América. Victor tinha 24. Ele deveria estar se preocupando com as dissertações finais da faculdade de Economia que Yakov o obrigou a se inscrever, não fugir de São Petersburgo com uma criança no banco traseiro e uma colt na cintura.

 

Mas o destino tem outros planos.

 

Quando Yuri surgiu em suas vidas, quase três anos atrás, Victor pediu Yuuri em casamento.

 

Ele já estava planejando isso há um tempo, já tinha as alianças e tudo. Yuri só deu um empurrão ao colocar significado na existência dos dois.

 

Ele nunca esqueceria o choque nos olhos de Yuuri quando ele deslizou a caixa aveludada sobre a mesa do restaurante. Era o Lohengrin, o favorito de Yuuri. Ele pensou, na hora, que seria recusado. Onde estava com a cabeça? Eles eram tão jovens, Victor só tinha 21. Havia pessoas mais velhas que ainda precisavam da permissão dos pais para sair de casa.

 

Essas mesmas pessoas não tinham um império do crime para vigiar.

 

Viver rápido, morrer jovem. Era assim a vida para eles, era tudo que eles conheciam. Nem podiam garantir que estariam lá para ver Yuri entrando na escola, se formando, indo ao primeiro encontro. Era tudo tão incerto naquela realidade. Se queriam aproveitar algo, tinha que ser agora.

 

Yuuri aceitou. E Victor decidiu que faria o possível e o impossível para vê-lo feliz.

 

O sono já estava alcançando-o, de forma que ele agradeceu quando a placa pichada de um motel a 2 km apareceu na margem da estrada. Ele conhecia hoteis o bastante para saber que aquele seria horrível. O tipo que não se importaria com dois homens suspeitos carregando um menino de menos de cinco anos pelo país.

 

O pensamento lhe dava náusea. Mas a vista grossa das autoridades seria a salvação deles por enquanto.

 

Yuuri acordou de seu sono leve ao mesmo tempo em que ele estacionava o carro.

 

— Bom dia, zolotse. - ele disse com um pequeno sorriso, aproveitando a visão de Yuuri esfregando os olhos com um bico mal-humorado - Suas costas vão me agradecer se não passar a noite no carro.

 

— Já dormi em lugares piores. - ele murmurou ajeitando os óculos.

 

— Eu também. Mas Yura, não.

 

Isso fez os dois olharem para trás, o objeto de adoração de dois criminosos fugindo de seus passados sanguinários. Yuuri se permitiu o primeiro sorriso verdadeiro desde que saíram de São Petersburgo.

 

— Eu pego ele e as malas. - o moreno se ofereceu soltando o cinto de segurança. - Você faz o check-in.

 

— Sim, capitão. - ele disse com um sorriso enquanto colocava o boné e saía do carro.

 

Ah, sim. O boné. Victor e Yuuri concluíram que fios brilhantes eram muito mais denunciadores do que asiáticos com nomes russos. Victor tinha que pôr as mãos em alguma tintura de cabelo e rápido.

 

Como camponeses que nunca viram o rosto de seus reis, a maioria das pessoas não sabia ao certo quem era Victor Nikiforov ou Yuuri Katsuki. Eram apenas vagas figuras, quase mitos. Faces que significavam poder, luxo e destruição. A ideia de que andavam entre mortais era muito abstrata.

 

Mas eles não podiam arriscar. Enquanto estivessem na Rússia, tinham que agir como sombras. Qualquer coisa que escondesse a crua e sombria realidade.

 

A primeira coisa que ele notou ao entrar no estabelecimento foi o cheiro podre de cigarro barato.

 

Aquilo trouxe memórias. De repente ele era o pequeno Vitya, agachado atrás da porta enquanto seus pais brigavam na cozinha. Um copo quebrado, um grito, um tapa e o silêncio. Sua mãe fugia para o quarto como um cão enxotado e ele ficava lá, esperando. Ele deveria estar na cama, mas estava com tanta fome. Ele tinha que ter certeza de que estaria acordado para receber o jantar, se seu pai trouxesse algo.

 

Vitka. - Mikhail Nikiforov chamou numa voz entediada, fazendo os pelos em seu braço arrepiarem — Eu sei que está aí.

 

E Victor iria sair de trás da porta, tendo como única defesa a cortina de cabelos prateados que pareciam pouco com os de sua mãe e nada com os de seu pai, negros como a noite.

 

O cheiro do cigarro sempre vinha primeiro, seguido da visão das botas sujas de lama sobre a mesa. Se ele tivesse permissão para olhar mais pra cima, ele veria um par de olhos azuis que eram a única coisa que de certa forma conectava os dois.

 

Victor fantasiava sobre não ser filho de Mikhail. E o homem fazia o mesmo sobre não ser pai dele.

 

— Coma, Vitka. - Mikhail fez uma moção com a mão para a sacola plástica sobre a mesa — Você precisa engordar. Parecer mais homem. Se não fizer, os velhos na rua vão te olhar estranho.

 

Victor, aos dez anos, não sabia ainda o que aquilo queria dizer. Ele apenas puxou o pacote com dedos trêmulos e procurou sua comida. O almoço na escola nunca era suficiente, essa era a única refeição que ele realmente tinha. Houve um tempo em que ele tentava guardar para sua mãe, mas a única coisa que recebeu foi um puxão de orelha. Não de Mikhail, mas de Lidya, a mãe que tentara ajudar.

 

Ele mastigou o cheburek devagar, apreciando os poucos minutos com a comida. A gordura era demais e ele detestava o recheio de carne, mas ele não podia reclamar. Ele tinha uma casa, uma cama e comida todos os dias. Tudo por causa de seu pai.

 

— Um dia, quando você encontrar alguma garota pobre, para viverem uma vida pobre e terem algumas crianças pobres que só aumentarão a sua pobreza; você entenderá o meu esforço. - Mikhail disse soltando uma última baforada e se contentando em assistir Victor com olhos de abutre enquanto comia.

 

Ele devia sentir prazer assim, o garoto pensou anos depois. Ver seu prisioneiro se tornando forte para poder aguentar a tortura por mais tempo. Jogar na cara dele que Mikhail era a razão de não morrerem de fome. Jogar na cara de Victor que ele era a razão de passarem fome.

 

Quando Victor cansou daquela vida aos treze, ele decidiu que não queria mais ser pobre.

 

E olha onde ele estava agora.

 

O dono do estabelecimento parecia uma reencarnação gorda e oleosa de Josef Stalin, com um bigode grande, sobrancelhas desconfiadas e o cabelo penteado para trás com gel.

 

Victor colocou seu melhor sorriso para relações públicas e disse:

 

— Boa noite. Eu gostaria de um quarto, por favor. Dois adultos e uma criança.

 

Ao mesmo tempo em que terminou, Yuuri entrou pela porta da frente conseguindo o impressionante feito de equilibrar uma criança dormindo e duas mochilas. Seu noivo realmente era um super-humano. Ele ajudou com a bagagem assim que ele se aproximou o suficiente.

 

O homem finalmente deixou de lado a revista de esportes que estava lendo para analisar os clientes. Victor não gostou de como a careta parou por mais tempo em Yuri, mas ele não tinha mais a autoridade de um pakhan para fazer o cara lamber o chão sob a mira de uma arma.

 

— 900 rublos. Saída às oito horas da manhã. - ele coçou o queixo, como se estivesse considerando algo — Documentos?

 

Victor sabia que aquele era o tipo de lugar que, normalmente, não se importava com documentos, mas assentiu de qualquer forma. Ele tirou a carteira do bolso, procurando a identidade, Yuuri fez o mesmo.

 

Documentos sobre o balcão. Recém-fabricados, mas convincentes o bastante.

 

— Vitaly Kostornay. - o homem leu semicerrando os olhos — E Yuri... Yagudin.

 

Yuuri nem piscou para o fato do homem ter ignorado completamente a parte japonesa de seu nome falso. Ainda não tinha muito significado para ele.

 

O homem os fitou por mais um segundo.

 

— O garoto é de vocês?

 

Yuuri ao seu lado apertou Yuri um pouco mais contra si. Victor respondeu:

 

— Sim. Ele é meu filho.

 

Falso Josef arqueou as sobrancelhas para a palavra "filho", mas não questionou mais nada. Victor ainda teve que assinar um grande livro empoeirado e pagar pelo quarto antes de finalmente receber as chaves. Por um momento sentiu saudade de seus hoteis caros agendados por telefone.

 

O quarto, como esperado, era um lixo. Uma cama de casal e outra de solteira espremidas num cubículo que seria a metade do banheiro na suíte dos Katsuki-Nikiforov. Paredes descascadas pintadas de um tom rosado dos tempos da União Soviética. Havia também uma desculpa chamada de banheiro que ele ficaria surpreso se tivesse água quente. Se houvesse ratos, ele tentaria ignorar.

 

— Melhor do que o posto de gasolina em Budapeste. - Yuuri disse num tom humorado ao seu lado.

 

Victor fez uma careta enojada.

 

— Qualquer coisa é melhor que Budapeste, Yuuri.

 

Yuri foi posto na cama sem muita resistência. O menor abriu o olho em confusão por um segundo, mas concluiu que tudo estaria bem se seus pais estivessem próximos. Mesmo que tivesse que dormir numa câmara de naftalina.

 

Os dois ficaram ali, admirando o semblante pacífico do último herdeiro da bratva Plisetsky. Um herdeiro que nunca assumiria o seu posto. Não, eles o amavam demais para continuar com aquilo.

 

— Ele está crescendo tão rápido. - Victor pensou alto, entrelaçando seus dedos a fios loiros macios que ele esperava que nunca mudassem de cor. Ele ouviu dizer que crianças loiras costumam ficar morenas. Ele não queria perder aquela memória.

 

— Ele vai ficar uma fera quando descobrir que deixamos para trás o triciclo. - Yuuri disse com um pequeno sorriso.

 

— E a coleção de legos. E os transformers. - Victor pontuou.

 

— O Sr. Avião. - Yuuri lamentou os futuros escândalos - Nós deveríamos ter trazido o avião.

 

— Se pudéssemos, teríamos trazido tudo. - ele disse a verdade. Sua voz se tornou amarga - Teríamos trazido Makkachin.

 

Yuuri olhou para ele com empatia e o abraçou. Ele se permitiu aqueles momentos de fraqueza. Talvez ele fosse a vergonha dos mafiosos. Muitos lamentariam a perda das mansões, dos carros, dos rios de dinheiro. Ele só conseguia pensar em seu cachorro.

 

— Ela vai ficar bem. - Yuuri o confortou - Quem sabe uma família boa a adote.

 

Ele queria acreditar, queria mesmo. Mas ainda sentia um bolo em sua garganta toda vez que se lembrava de quando secretamente deixou Makkachin no abrigo de animais. Todos na casa achavam que ela foi para um dos pet shops caríssimos que Victor adorava pagar.

 

Se eles a deixassem lá, provavelmente matariam seu cachorro depois da morte dos três.

 

A morte. Um conceito assustador para muitos. O desconhecido sempre assusta. Para uns significava o fim, para eles seria um começo.

 

É, eles fingiram a própria morte. Que forma covarde de fugir das coisas, não? Mas eles estavam ficando sem tempo e sem soluções. Eles matariam Yuri. E se encontrassem os líderes da conspiração, viriam outros. E mais outros e mais outros. Era uma vida de medo e inseguranca. Eles queriam paz. Queriam uma vida normal. Mas ninguém simplesmente sai da máfia, a menos que morram.

 

Foi isso que eles fizeram.

 

Para o mundo, Victor Nikiforov, Yuuri Katsuki e Yuri Plisetsky foram mortos em um acidente de helicóptero. "Acidente" era uma palavra fofa, eles plantaram provas o suficiente para demonstrar que era um assassinato. Eles não sairiam de cena sem estragar a vida de alguns inimigos.

 

Agora eles estavam ali. Não eram mais Yuuri e Victor. Eram Yuri e Vitaly. Yura também manteria o primeiro nome, porque eles consideraram que seria difícil dizer para uma criança que agora seu nome seria diferente. Já seria um choque não ter todos os luxos com que estava acostumado, imagina ter que responder por um nome que não era seu?

 

Yuuri se levantou da cama e foi até as malas, provavelmente procurando uma roupa para trocar.

 

— Aquela casa deve estar um caos agora. - ele comentou.

 

Victor assentiu.

 

— Espero que Yakov não morra do coração. - ele murmurou - O trabalho vai recair sobre ele, de novo.

 

— Ele encontrará um novo herdeiro. É o talento dele. - Yuuri disse retirando uma camiseta branca simples da mala - Se não se matarem, talvez apontem Mila como sucessora.

 

— Eu espero que se matem todos. - o mais velho disse com sua frieza característica. Ele era um ex-chefe do crime, afinal. — E que Mila se salve.

 

— Tão comovente, Vitya. - Yuuri disse com uma gota de ironia na voz - Nem um pouco de gratidão pelo lar que deram a você?

 

— Eu sou grato pelo que fizeram por mim. - ele respondeu pensativo - Mas não pelo que fizeram aos.outros. Não pelo que fariam a Yuri.

 

— "Fizeram." Acho que falta uma primeira pessoa nesse verbo. - Yuuri disse com um olhar curioso, aproveitando as últimas oportunidades que tinham para usar seus verdadeiros nomes - Nós fizemos parte disso, Victor. Nós controlamos o tráfico de armas e drogas na Europa, nós dominamos o crime organizado na Rússia. Somos a razão de Yuri ter sido caçado desde que Nina morreu.

 

Era verdade, cada palavra. Se eles fossem um pouco mais racionais e menos egoístas, eles nunca teriam deixado Yuri ficar em suas vidas. Eles poderiam tê-lo encaminhado para algum orfanato fora do país no dia em que ele chegou à mansão. Qualquer coisa era melhor que ser criado na máfia. Ao invés disso, eles resolveram criar o herdeiro do sindicato criminoso mais importante da história. Eles foram egoístas. Yuri merecia algo tão melhor que aquilo.

 

Mas o que podiam fazer, quando viram naquela coisinha tão pequena uma razão pra viver que não envolvesse o mal e a luxúria? Yuri era a única coisa em seu mundo que não fora maculada pela mentira e traição. Eles queriam aquilo. Um resquício de normalidade em suas vidas sórdidas e manchadas.

 

Era o que eles buscariam agora.

 

— Você sentirá falta de alguma coisa? - Victor disse também forçando-se a se arrumar para dormir. Seria uma longa noite, uma longa semana.

 

Yuuri parou por um minuto, olhos fixos no chão como se procurasse uma resposta convincente.

 

— Não. - ele disse afinal - Eu tenho tudo que preciso comigo: você e Yuri.

 

Se aquilo não era um motivo para se apaixonar por Yuuri Katsuki, Victor não sabia o que era. Ele sorriu aproximando-se de seu noivo e o abraçando pela cintura.

 

— O que eu fiz para merecer alguém tão incrível quanto você, Yuuri? - ele disse em voz baixa acariciando o seu rosto.

 

— Você usou muita LSD. - ele respondeu com um riso - E disse que eu tinha olhos bonitos enquanto eu tentava te levar pra cama.

 

— E você se esqueceu de mim. - ele disse com um bico - Tão maléfico, Yuuri Katsuki. Um destruidor de corações já aos 17.

 

— Eu já pedi desculpas! - ele reclamou com um sorriso - Eu nunca tinha ficado tão chapado quanto naquele dia. Dá um desconto.

 

As implicações daquela conversa deveriam aterrorizar pessoas normais. O que dois adolescentes estavam fazendo numa casa noturna sob o efeito de drogas naquele jeito? Mas era tão normal pra eles. Que realidade deturpada eles estavam vivendo até então?

 

— Que história vamos contar a Yuri quando ele perguntar como nos conhecemos? - Victor perguntou segurando a mão de Yuuri e observando a aliança brilhar na luz fraca do quarto.

 

— A verdade. Nos conhecemos numa boate em Tóquio, em circunstâncias não muito boas. - ele disse olhando para Yuri com um misto de melancolia e preocupação - Teremos que contar toda a verdade pra ele, um dia. O que acha que ele vai dizer?

 

— Talvez fique um pouco assustado. Mas é muito melhor do que fazê-lo crescer naquele ambiente.

 

Era óbvio. Talvez eles lidem com o perigo aqui, no lado de fora, onde estavam vulneráveis. Mas nada se compara à vida de um futuro pakhan.

 

Ele esperava que Yuri entendesse, quando a hora chegasse, que tudo foi feito visando o bem dele. Eles queriam vê-lo livre. Ou o mais livre possível quando seu sangue é de um Plisetsky.

 

Victor e Yuuri queriam essa liberdade, também.

 

Eles não eram príncipes como Yuri. Ambos vieram das ruas, da miséria, das sarjetas. Eles lutaram com unhas e dentes pela posição de reis do submundo. Yuri, felizmente, nunca saberia o que era aquilo. Mesmo se ele continuasse naquela vida, ele cresceria cheio de privilégios. Talvez isso fizesse dele um garoto ingênuo para o perigo que o cerca. De qualquer forma, era apenas uma fantasia agora. Yuri teria tudo que seus pais não tiveram.

 

Mais importante, ele teria amor.

 

Os dois já estavam deitados na cama, luzes apagadas, olhares para o teto manchado. Nenhum deles conseguia dormir, apesar de estarem cansados até os ossos.

 

Victor fez a pergunta:

 

— Você sente falta de Hasetsu?

 

Yuuri demorou um pouco para responder:

 

— Estaria mentindo se dissesse que não. - ele virou-se para Victor, a voz baixa como um sussurro - A última vez que falei com meus pais foi para avisar sobre nosso casamento e Yuri. Eles disseram que esperariam uma visita. Mas não me considero mais bem-vindo em casa. Mari nem quis falar comigo.

 

Ele assentiu, mesmo não tendo por quê. Ele lembrava vagamente das histórias que Yuuri contava sobre sua terra natal. Mais vagamente ainda sobre como Yuuri entrou para a yakuza. Provavelmente eles conversaram sobre isso sob o efeito de heroína, então tudo se tornara nebuloso.

 

— Você acha que eles te amavam? - ele perguntou divagando - Seus pais, quero dizer.

 

— ...Eu tento não pensar nisso. Faz eu parecer uma pessoa horrível por ter deixado minha casa. - ele riu sem humor - Acho que se eles gostavam de mim, pararam quando eu virei um dos garotos de Minako. A decepção deve ter estragado tudo.

 

— Eles ainda falavam com você, mesmo depois disso. - Victor notou.

 

— Por obrigação. Para ter certeza de que eu estava bem longe, assim não traria problemas. - ele suspirou, fechando os olhos - Meu erro foi desejar mais do que a vida simples numa cidade praieria falida.

 

Talvez esse tenha sido o erro de todos eles. Ganância. Querer mais do que o necessário, não se dar por satisfeito. Ele não podia julgar Yuuri por virar as costas a uma coisa que ele mesmo queria quando fugiu. Eram mundos diferentes, pessoas diferentes.

 

— Faz quase onze anos que eu não falo com os meus pais. - Victor disse também fechando os olhos - Imagino se ainda estão vivos. Provavelmente não sentiram minha falta quando eu parti.

 

— O que diria a eles se os visse hoje?

 

Victor pensou em seu pai, nos seus comentários venenosos sobre como ele estava fadado a uma vida miserável. Mikhail estava certo, de alguma forma. Até eles conseguirem sair do país, teriam que dormir no carro, em hoteis baratos, albergues. Eles nem tinham uma casa. Estavam praticamente pobres.

 

Se ele visse Mikhail hoje, mandaria o velho à merda.

 

— Diria que eu serei um pai melhor do que eles foram. - ele apertou mais Yuuri contra si - Yuri terá o amor que eu não tive.

 

— Somos de uma geração sem amor, Vitya. - o mais novo murmurou lentamente se entregando ao sono - Acha que isso vai dar certo?

 

— Vamos conseguir, Yuuri. - ele disse tentando convencer a si mesmo e ao companheiro, finalmente se entregando ao sono - Ou morrer tentando.




 


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Notas finais do capítulo

A música do início é Heirloom, do Sleeping At Last.
Hora da trívia~~
— Cheburek é tipo um pastel russo. Parecia gostoso na foto.
— Budapeste está para Victuuri como Ostrava está para Otayuri nas minhas outras fics. Ninguém sabe o que aconteceu lá, mas foi louco. Se você leu LLTP, apenas considere como uma das viagens deles no mês sabático.
— Mikhail é mesmo o pai do Victor ;A;
— Se você quer ficar na bad, leia LLTP, então leia Loveless Generation, então ouça If You Were Gone do Alexander Rybak, pensando no Victor. Chorei demais.

É isso, gente, digam o que acharam e o que esperam do segundo capítulo!!

XOXO



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