Olhos frios, Coração quente escrita por Kori Hime


Capítulo 1
Olhos frios, Coração quente


Notas iniciais do capítulo

Uma das mães da ficção que eu amo ♥

Boa leitura



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A primeira coisa que John via pela manhã, era Sarah exercitando-se. Ela erguia pesos, com um cigarro pendurado na boca e depois caía no chão fazendo uma série de flexões. Após os exercícios, Sarah ia para o banheiro e tomava banho frio, algumas vezes John a ouvia cantar alguma música, mas geralmente ela falava sozinha com seu pai, Kyle Reese.

Não, ele não estava vivo. Pelo menos não o corpo dele, mas na cabeça de Sarah, Reese não havia morrido.

Agora, John estava acostumado, mas levou alguns anos para ele entender com quem a mãe conversava. Mas, principalmente, entender o porquê disso acontecer.

Embora possuísse muitos amigos, a maioria não passava de contrabandistas, mercenários e pessoas com pelo menos uma passagem na polícia. Então era compreensível que uma parte da mente de Sarah se resguardasse para conversas esporádicas com a grande paixão da sua vida. Ao menos era isso que havia ouvido a mãe falar uma vez, quando estava bêbada, numa roda de conversa com outras mulheres.

Após o banho, Sarah vestia uma calça jeans e regata branca, prendia os cabelos loiros e acendia um novo cigarro. As vezes ela parava para olhar a televisão e ria de algum desenho que John assistia, as vezes ela simplesmente esbravejava e dizia que aquelas porcarias não garantiriam o futuro da humanidade, e se ele quisesse ser um líder, precisava levar tudo mais a sério.

Geralmente quando esses rompantes de sentimentos aconteciam, Sarah caía no chão, chorando descontroladamente, repetindo coisas que não faziam sentido para John. Ela recriava acontecimentos do passado, como se estivessem revivendo tudo novamente. E o pai de John sempre estava presente em seus pensamentos.

O café da manhã dependia de onde eles estavam e quanto dinheiro possuíam. John gostava de comer panquecas com mel, também gostava de bacon e ovos. Mas o que ele mais gostava de comer era uma tigela de cereal, nada muito exuberante, sentar no sofá e comer uma tigela de cereal ao lado da mãe, parecia ser perfeito na sua cabeça.

Talvez fosse porque a lembrança mais feliz que possuía, era de ter se hospedado em uma casa de subúrbio uma vez. Um dos muitos amigos da mãe possuía essa casa e havia viajado para fora do país, decidindo deixar Sarah como uma inquilina temporária para cuidar da residência.

Foram dois meses vivendo como uma família normal. Faziam compras em supermercados, juntavam cupons de descontos. Jantavam assistindo reprises de programas de comédia dos anos setenta e passeavam pelo quarteirão, ele de skate, Sarah correndo ao seu lado. Tomavam o café da manhã na cozinha arejada e climatizada, assistindo desenhos.

Depois disso, voltaram para a estrada, onde Sarah decidiu que era hora de comprar armas com um negociante no Novo México. John aprendeu a limpar e montar todos os tipos de armas que haviam disponíveis na mesa do negociador. Aos onze anos possuía um conhecimento militar sobre armamento e isso era apenas o começo.

Sarah ordenava que ele prestasse atenção em conversas que não lhe interessava, mas que eram importantes para seu futuro.

Aquele futuro apocalíptico ao qual ouvira falar tantas e tantas vezes. Seria um líder, mas porque ele? Porque ela não poderia ser a líder nesse futuro? Afinal, era a mulher mais forte que conhecera. Embora a maioria que viviam naquela vida, eram fortes como sua mãe.

O lugar que mais gostou de conhecer foram os pântanos da Louisiana, onde aprendeu a manejar barco e andar de jet ski. A viagem durou pouco, pois eles precisaram fugir do estado, após Sarah ser acusada de roubo de carga. Um de seus namorados idiotas havia feito alguma merda e as coisas federam para o lado dela.

Agora a Louisiana, único lugar que John havia achado um pouco de diversão naquela vida, era um território riscado no mapa.

Era preciso ter paciência quando a mãe tinha ataques de ansiedade e ataques de pânico. John aprendeu a conversar com ela, sentado em sua frente, segurando seus braços e falando exatamente o que seu pai lhe diria. Ele nunca conheceu o pai, mas havia decorado todas as falas que a mãe repetia milhares de vezes quando tomava banho ou estava em estado letárgico deitada na cama, com os olhos vidrados no teto.

“Eu viajei no tempo por você, Sarah. Eu te amo, sempre te amei.”

“Kyle...”

E aos poucos ela se acalmava, em seus braços. John sentia-se grande nesse momento, possuía a mulher mais forte do mundo, abalada e traumatizada, em suas mãos, dependendo de seu apoio e seu amor para se manter em pé. Vivendo dia após dia para mantê-lo vivo, o líder da revolução.

— Tem vinte dólares na minha bolsa. — Sarah falou, tirando John de seus pensamentos, o menino de quatorze anos se levantou da cama, buscando os sapatos pelo quarto do motel.

— Você quer cigarro? — ele perguntou, coçando os cabelos castanhos que agora estavam grandes, na altura dos ombros.

— Não, trás algo para a gente comer. — Ela falou, enquanto mudava o canal da televisão, deixando em um desenho. — Uma caixa de cereal, leite, qualquer coisa...

— Certo. — John falou, pegando o dinheiro dentro da mochila dela.

Antes de sair do quarto, o adolescente olhou para a mãe. Ela possuía os olhos fundos, e grandes marcas de olheiras, dormia pouco mais de duas horas por noite, pois passava a maior parte do tempo em vigilância.

Seu corpo era magro, porém com músculos proeminentes, pois Sarah treinava todos os dias. E seus treinos os salvaram mais vezes do que ele poderia contar.

Sarah sorriu, quando o gato teve o rabo preso numa ratoeira, fazia tempo que não via a mãe gargalhar. Entretanto, os olhos de Sarah continuavam como duas bolotas de vidro sem cor e emoção. Ela havia passado por coisas terríveis nos últimos anos. Os dois.

Mas, enquanto os olhos de Sarah Connor eram vazios e frios, o coração dela ainda era quente. Em algum lugar ainda havia a mulher que, aos poucos, mostrava-se uma mãe amorosa, carinhosa e doce.

Sem deixar de ser durona.  


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Notas finais do capítulo

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