Galateia escrita por Eve Arneiro


Capítulo 1
Contos Estranhos e Misteriosos: GALATEIA




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/760132/chapter/1

Ela estava cansada das festas. Ultimamente, sempre arrumava uma desculpa para não sair com as amigas durante o final de semana. Ou estava cansada, ou doente, ou trabalhando. O que adiantaria, dizia, se no final eu sou a única que continua sozinha?…

Sentia inveja das amigas, eram bonitas, irresistíveis. Atraíam olhares por onde passavam. Ela não. Tinha a chamada beleza comum, que nada mais é do que um outro nome para feia. Por mais que se arrumasse, não conseguia chamar a atenção. Todos os homens que se aproximavam, na realidade, tinham outro interesse, geralmente, uma das amigas. E ela sempre ficava para escanteio. Obviamente, a situação chegou ao limite. Não agüentava mais tanta decepção; decidiu não procurar mais. Pelo menos, não no mundo real.

Ela tomou o papel e o lápis, e começou a desenhar, um hobby cultivado desde a infância. As linhas difusas logo tomaram a forma masculina. Um rosto másculo, lembrando aqueles pintados nos quadros renascentistas; um corpo trabalhado, como nas esculturas gregas. Olhos negros e expressivos, tão expressivos, que pareciam olhar para a sua criadora.

— Eis o meu ideal de homem perfeito! – ela disse, ao concluir o trabalho.

Mandou emoldurar. Pendurou numa das paredes do quarto, num lugar onde pudesse dormir olhando para a figura. Passava as noites, até cair no sono, imaginando qualidades que aquele homem teria, se existisse. Depois de um tempo, nem as amigas a viam com a freqüência de antes.

— Você está sumida, Raquel! – reclamavam. Ela dava de ombros.

Uma noite, lendo um livro, ela deparou-se com a lenda de Pigmalião. Ele esculpira a mulher perfeita com as próprias mãos e loucamente apaixonado, suplicou aos deuses que a transformassem, no que foi atendido. Raquel ficou encantada com a história. Como seria maravilhoso, pensou, se o meu homem perfeito criasse vida!

— Seria um sonho realizado! – exclamou para si mesma – Assim, eu saberia o que é amar de verdade…

Ela passou a rezar todas as noites, pedindo que o homem de sua imaginação fosse a sua realidade. Chegava a sonhar com ele, ali, na sua cama, lhe fazendo carinhos e elogios. Entretanto, os dias se tornaram meses, e nada. Sua “graça” não era atendida. Ela apenas sonhava com o homem de seu desenho, quase todas as noites.

Raquel, então, passou a dormir demais.

O dia, para ela, se tornou maçante. Ela esperava ansiosamente a hora de ir dormir. Quando chegava em casa, jantava, tomava um banho, escovava os dentes e, antes de deitar, ficava em pé diante do quadro, olhando fixamente para o mesmo, em silêncio.

Havia noites que ela se recolhia às dezenove horas.

As amigas ficaram alarmadas. O que está acontecendo com Raquel?, perguntavam. Tentaram convencê-la a sair do que supunham ser um isolamento auto-imposto. Conversavam com ela, apresentavam-na a amigos, na esperança de que Raquel se interessasse por alguém. Em vão. Ela, por outro lado, se divertia com a situação. Vê-las tentando torná-la a pessoa infeliz de antes dava-lhe um prazer quase atroz. Estão com inveja, pensava, por que, enquanto tem de dividir seus homens com outras coisas, eu tenho um só para mim.

Porém, todo amante acha que o tempo passado ao lado da pessoa amada é pouco, e não demorou muito para Raquel achar as noites insuficientes. Passou a tomar calmantes, na esperança de dormir por mais tempo; em feriados prolongados, chegou a dormir por vinte e quatro horas. Nada disso pareceu ser o bastante. Ela queria ficar o máximo de tempo no mundo dos sonhos, onde o seu homem era de carne e osso. Pediu licença do emprego, alegando doença, e pagou todas as suas contas. O mundo real não importava mais.

Ela pegou o carro e saiu a toda a velocidade. Atravessou a pista com o sinal vermelho e entrou na contramão. Obviamente, acidentou-se, batendo de frente a outro carro, e capotou. O veículo onde estava ficou destruído. Ela foi resgatada com vida e levada ao hospital, onde entrou em coma.

As amigas a visitaram. Elas, assim como a família, não conseguiam entender o que havia acontecido. Por que Raquel tentaria se matar? Era incompreensível! Completamente sem lógica!

Passados alguns meses, os médicos declararam que a moça estava em coma permanente. Quando retiraram os tubos, eles se surpreenderam com o que viram.

A expressão de Raquel era a da mais pura e completa felicidade.

Sim, ela estava como e onde queria. No mundo dos sonhos, nos braços de seu grande amor.

.

.

.

FIM.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Se gostaram, mande comment! :)



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Galateia" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.