Sobre cores e horas escrita por Julia


Capítulo 17
Capítulo 17




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Ellen:

Os cuidados com Joan ainda não significavam voltar a minha rotina normal, mas me empurraram a uma nova rotina e por mais que ela fosse teimosa e rebelde eu estava feliz por voltar a me sentir útil de novo. Eu queria que ela se curasse logo, mas ao mesmo tempo queria segura-la em casa para sempre, não queria que ela voltasse a ficar daquele jeito, não queria que ela corresse riscos de vida. Tinha medo de sua partida para a faculdade, e depois da volta de Liam após passar tantos dias longe, comecei a ter medo da partida dele. Estava começando a ficar paranoica com os dois. Comecei a cogitar trancá-los em seus quartos durante a noite e guardar a chave comigo. Talvez Joan não precisasse voltar a faculdade... Então cai na realidade. Eu não podia me deixar dominar pela loucura por mais tentador que fosse. Depois de descobrir que Carl estava indo ao psiquiatra resolvi ir também. Contei meus sintomas: dormir demais, não dormir, ficar sem comer, a culpa. Ele me prescreveu uma lista de remédios. Agradeci e joguei fora a receita. Eu não podia me dar por vencida. Ainda não. Se eu amenizasse minha dor, quer dizer que havia desistido da Alex, ou estava tentando esquece-la. Eu não poderia me permitir tamanho absurdo. Mas agora, talvez seja o momento de voltar. Talvez seja o tipo de ajuda que eu precise. Olhei para o céu. Estava um sábado particularmente frio e cinzento, apesar de ainda estarmos no outono. A previsão do tempo dizia que havia chance de neve hoje. Alex gostava de neve. Será que onde ela está tem janelas para ver a neve? Mais do que isso, ela estava protegida? A visão de um corpo congelado me veio à mente. Desejei que o inverno fosse curto e ameno. Levei as mãos ao rosto tentando afastar aqueles tipos de pensamento e me manter esperançosa. Liam passa por mim perdido entre o casaco grosso. Puxei seu capuz.

—Não quero você lá fora.

—Mas por que?

—Muito frio.

Um leve beicinho se formou em seu rosto desapontado, mas ele não discutiu. Fui para a cozinha prepapar o almoço quando Carl apareceu.

—Ellen que história é essa que o Liam veio me contar de passar o Natal na Disney?

—Esse menino não sabe ficar de boca fechada...

—Ah então é verdade? Você vai passar o natal com seus pais e levar meus filhos com você? Não deveria ter me consultado antes? Não acha que eu gostaria de ficar com eles também? E outra, o combinado não era contar do divórcio só quando Joan estivesse boa?

—Liam me pegou vendo passagens... Eu não falei nada de divórcio para eles. Vamos falar juntos.

—Você já comprou as passagens?

—Ainda não.

—Há quanto tempo você decidiu isso?

—Umas semanas atrás.

—Ainda bem que Liam abriu a boca, senão como eu saberia? Quando ele me ligasse da casa dos seus pais me desejando feliz natal?

—Eu não sabia como contar. Fiquei adiando. Desculpe.

—Você vai conseguir estragar de vez esse natal que já seria uma merda.

—Você acha que eu estou em clima festivo por acaso? Mas preciso de um tempo de você.

—Minha presença se tornou tão insuportável que você precisa ficar com seus pais? Estamos realmente mal...

—São meus pais no final das contas.

—Eles ficaram bem fingindo não serem seus pais por quase 10 anos!

—É passado. Temos que seguir em frente Carl. Pare de retroceder por favor.

Ele se calou. Ficou olhando para o lado, mirando o vazio um tempo até perceber o que a tela do computador exibia.

—Que é isso Ellen?

—Os anúncios? – Droga, por que não fiz a pesquisa longe dele?

—Sim!

—É isso que você está vendo. Estou pesquisando apartamentos.

—Quero falar sobre o divórcio. A parte burocrática como você disse. Não quero mais adiar.

—Tudo bem. – Desliguei o fogão e Carl sentou na bancada de frente para mim. -Podemos colocar a casa para vender, mas isso vai demorar.

—Colocamos todas nossas expectativas nessa casa.

—Carl entenda que uma casa não significa um lar. Nossa filha de 20 anos é alcoólatra. Por que? Ela não teve o suporte que precisava, ela tinha uma casa não um lar. Não construímos nada ao vir para cá, apenas destruímos o que era bom. Dia após dia. E isso não tem necessariamente a ver com a casa em si.

—E você vai trabalhar aonde?

—Eu alugo um lugar. Ou compro. Ou trabalho na loja como fazia antes.

—Supondo que você volte a trabalhar.

Respirei fundo.

—Desde a semana passada eu consegui trabalhar um pouco. É pouco mas é um recomeço.

—Hum... E Joan?

—Ela me disse que pretende voltar a faculdade. Mas ela não sabe se vai pedir transferência para cá, ou continuar por lá. Falta poucos anos, mas ainda não sabe quando. A gente vê o que faz quando ela decidir voltar efetivamente.

—A gente quem?

—Nós três, você ainda é o pai dela. Isso não muda se você tem alguma dúvida.

—E Liam?

—Guarda compartilhada. Não vejo por que seria de outra forma.

—Como ele vai lidar com isso?

—Não é o fim do mundo, metade dos colegas deles tem os pais divorciados.

—Você age tão naturalmente...

—E você age de forma como se isso fosse uma completa surpresa. Acabou há anos. Só estávamos fingindo.

—Eu discordo. É uma fase ruim.

—Estamos nessa fase há sete anos.

—Nunca deveríamos ter saído daquela casa. Era pequena, mas era perfeita e nada de ruim teria acontecido.

—Não era, você está fantasiando coisas. Estávamos ficando loucos com pouco espaço. Então eu fiquei gravida de Liam. Cinco pessoas numa casa de dois quartos. Era o momento de mudar.

—Eu gostava daquela casa.

—Gostava das lembranças que elas te trazem.

—Você não tem lembranças boas daquela época?

—Claro que sim, eu fui muito feliz lá.

—O que tinha nela que te deixava feliz que agora não tem?

—Meu marido.

—O que o Carl de antes tinha que eu não tenho?

—O cara que eu me apaixonei loucamente jamais deixaria eu me sentir sozinha. Se for para me sentir sozinha, que ao menos eu tenha a chance de procurar alguém que se preocupe comigo.

—Eu me preocupo, me preocupo muito. Nunca deixei de me preocupar.

—Não me sinto assim. E mesmo que eu acreditasse nisso, eu não consigo definir o que estou sentindo por você nesse momento.

—Não me ama mais, não é?

—Não está claro. É como se houvesse uma nuvem cobrindo tudo.

—Se não tem certeza dos sentimentos que tem por mim, como pode querer se livrar de tudo assim do nada? Eu não entendo porque você não dá uma chance para nós dois. Você já tem outro, não é? A ONG é só uma desculpa...

—Não. Se eu tivesse já tinha me separado de você há mais tempo. Não ia ficar te traindo.

—Você precisa de um tempo, não é? Tudo bem vou te dar um tempo...

—Não quero um tempo. Já me decidi.

—Por favor Ellen... -Eu faço o que você quiser. Me diga o que você precisa que eu faça.

Não pude evitar as lágrimas. Segurei a mão do Carl.

—A culpa disso também é minha. Mas chegamos a um ponto em que viramos as costas um para o outro. Não há condições de continuar. Aceite Carl, pare de tornar isso mais difícil do que já é. Então posicionei meu corpo para trás, soltando a mão dele. – E tem mais uma coisa...

—O que?

—Quero que vá para o quarto de hóspedes.

Ele engoliu a seco, balançou positivamente a cabeça algumas vezes e levantou. Me senti mal, eu não queria que fosse desse modo, mas não havia outra forma. Se ele não conseguia entender com palavras que era o fim, então eu deveria mostrar a ele. Não consegui finalizar o almoço, fui tentar me distrair olhando TV na sala. Quase uma hora depois Joan aparece e começa a me olhar como se quisesse pedir algo.

—Que foi menina?

—Queria ir com o pai ao shopping...

—Não sei Joan...

—Qual é mãe, estou presa em casa há quase um mês. Olha, eu juro que se eu começar a surtar e fizer merda, eu mesma me interno pode ser?

—Prefiro que você simplesmente prometa se comportar.

—Prometo. -Ela sorria e seus olhos brilhavam, fiquei com medo que houvesse algum plano de comprar bebida escondida por trás daquela felicidade.

—Não demore.

A casa estava quieta exceto pelo barulho do vento lá fora e o filme que passava. Deixei que Liam o escolhesse para que prestasse atenção e não falasse comigo. Só precisava de companhia física, não estava em condições de falar sem começar a chorar. Cansada de sentir pena de mim mesma, decidi que segunda eu voltaria ao psiquiatra. Tomaria todos os remédios e talvez quem sabe, entorpecida do melhor que a indústria farmacêutica pode oferecer eu conseguisse viver a rotina sem sentir que eu era uma incompetente completa.

—Mamãe... Mamãe...

—O que foi?

—Seu celular... – Olhei para ele desorientada.

—Não vai atender?

—Sim... Sim... – Peguei de sua mão e atendi. Não falei nada, apenas escutei. Liam me olhava curioso.

—O que foi?

Afundei a cabeça nas mãos. "Controle-se Ellen, não caia agora, Liam está olhando". Eu repeti para mim mesma por longos minutos.

—Precisamos sair. – Finalmente consegui dizer.

—Era a Alex? – Ele sorriu.

—Não sei. Talvez tenham se enganado de novo.

—Vamos mamãe, vamos, por favor.

—Espere Liam.

Eu não sentia animo algum porque podia ser alarme falso. Uma decepção dessas me empurraria ainda mais fundo no poço que eu estava presa. Entrei em modo automático e deixei que Liam me guiasse. Ele já sabia usar o GPS e colocou o endereço do hospital antes que eu pedisse. Não parou de falar o caminho todo. Mas não prestei atenção em nenhuma palavra dele. Dirigi tensa, as mãos apertando o volante muito forte.

—Mande uma mensagem para seu pai. Diga para onde estamos indo.

Ao chegarmos ao hospital bati minha cabeça algumas vezes na direção buscando forças para entrar. Talvez eu devesse esperar por Carl. Liam já estava do lado de fora me chamando aos pulos. Por que eu não conseguia ter tanta esperança? Se não for ela de novo, eu vou pedir algum remédio ali mesmo. Pelo menos para dormir a noite toda. Por insistência dele, não esperei Carl. Melhor acabar logo com isso.

Fui levada até a enfermaria. Não era ela. Meus Deus de novo?

—Não é ela. -Estava a cerca de um metro da cama. Que péssima fisionomia a pobre garota tinha.

O médico olhou para mim com cautela. Havia um policial ao seu lado.

—Tem certeza? Chegue mais perto.

—Não é ela. Eu sei. - Dei dois passos para trás. Eu queria sair dali correndo direto para casa. Minha cabeça rodava.

—Ela tem a descrição da sua filha. Inclusive da cicatriz no braço. A cor dos olhos, dos cabelos.

—Cicatrizes todo mundo tem. Eu sinto muito por ela, mas eu preciso ir. E a cor de cabelo não é essa. -Eu sentia tudo ficar meio escuro. -Ela disse meu nome por acaso? Ou alguma informação?

—Ela não disse nada, chegou desmaiada aqui...

—Vamos Liam. – O chamei com a mão, ele estava em pé na entrada da sala.

—Mamãe a Alex não vai com a gente?

—Não é a Alex Liam. – Minha voz falhava.

—É sim! – Ele gritou ao chegar perto da garota.

—Liam estamos em um hospital, não grite! Eu estou morrendo de dor de cabeça, vamos embora. - O puxei pelo braço em direção a saída. – Meus olhos se fecharam e senti o chão sumir. 


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