Devorador do Sol escrita por Theo Cavallone


Capítulo 1
Capítulo 1




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Os olhares inquietos da classe 3-A estavam divididos naquela manhã, partindo-se entre a compaixão e a irritação enquanto assistiam silenciosamente Tamaki Amajiki em prantos, tentando afabar falhamente seus ofegos e gemidos com uma toalha de banho, afundando seu rosto nessa constantemente. O professor da classe, Cementoss, havia advertido algumas vezes o aluno, tentado conversar com ele e auxiliá-lo naquele momento conturbado, mas nada disso fizera qualquer efeito.

Tamaki estava sofrendo há quatro dias e a única pessoa capaz de controlá-lo em suas crises de pânico e ansiedade estava fora da escola, recuperando-se de uma missão heroica que cumprira. Mirio Togata, o melhor amigo de Tamaki, havia perdido sua individualidade e, enquanto estavam investigando uma possível reversão do dano recebido, era recomendado que ele permanecesse em casa, descansando. E, por mais que todos ali adorassem realmente o Mirio e se preocupassem com o estado dele, o sofrimento de Tamaki estava passando dos limites.

Era difícil apenas pedirem para que o rapaz apenas deixasse de ir as aulas enquanto se sentia emocionalmente instável, pois sabiam que em momentos de tristeza a melhor fôrmula para a dor era a distração, mas era ainda difícil fazerem as anotações das aulas e tomar decisões em grupo enquanto o garoto, sentado trêmulo em seu lugar, encarava fixamente a mesa vazia de Mirio e precisava sufocar-se em uma toalha para abafar seus gritos desesperados. Mesmo assim, entre as brincadeiras da turma, alguns alunos já até diziam "O sofrimento dele me deixa deprimido, não dá pra ele apenas parar?"

E naquela manhã, em especial, estava mais difícil para a classe. Todos tentavam compartilhar alegremente a notícia sobre o festival escolar, conversando e procurando sugestões sobre o que fariam no evento, mas bastava um único olhar pro aluno chorão que todos os demais estudantes tinham suas energias drenadas. O sol da turma 3-A estava fora e olhar para a tempestade em forma de gente só seria como um lembrete constante de como a ausência do radiante sol tornava o ambiente demasiadamente denso.

— Amajiki! - Hadou chutou discretamente um dos pés da mesa do colega, tentando obter sua atenção. - Você ainda não deu sugestões para o festival escolar, o que acha melhor fazermos? - Perguntou a garota, querendo ver se conseguia distrair um pouco daquela cabecinha depressiva.

Os olhos negros e estreitos do garoto saíram da toalha, úmidos e vermelhos pela quantidade de lágrimas derrubadas, olhando-a perdido, precisando encarar o quadro da turma para entender que ela se referia aos temas que estavam tentando selecionar para o festival. Fungou, procurando fôlego para respondê-la, mas sentindo apenas mais lágrimas brotarem no canto dos seus olhos, voltando a chorar com mais intensidade.

— Hadou, você fez ele chorar mais ainda! - Criticou um dos garotos da turma, dessa forma pensariam que ela estava o provocando.

— Eu não o fiz chorar.. - Rebateu, aborrecida. - Eu estava tentando animá-lo, o Togata faz isso parecer bem fácil - com poucas palavras ele sempre elevava a moral do amigo, mas ela mesma tentar fazê-lo era bem mais difícil.

— Ele está sofrendo, qual o problema? - Falou uma outra garota, tentando ter paciência com o colega. - Eu também sofreria se o cara que eu amo tivesse perdido a própria individualidade.

— Ahm ah..! - Um grito abafado foi ouvido escapando da toalha, fazendo os colegas encararem a autora do último comentário. Ela também não estava ajudando!

— Assim é difícil.. - Hadou suspirou, realmente sem saber como auxiliá-lo, esticando uma das mãos e afagando os cabelos escuros do amigo.

— Acho que qualquer coisa, para o festival, serve.. - Disse o representante de turma, enquanto a classe estivesse com um aluno assim era difícil terem disposição para pensar em festivais, a ausência de um dos membros tornava-os incompletos.

— Qualquer coisa? Ah, mas esse é o último festival da classe 3-A, seria um desperdício não se fazer algo com empenho - comentou um recém surgido intruso, junto a porta, chamando a atenção de todos imediatamente.

— Togata! - Falaram os estudantes quase que em uníssono.

E lá estava Mirio, parado junto a porta da classe 3-A, usando roupas casuais, sem vestir sem uniforme. O sorriso dele imediatamente expulsou qualquer clima pesado na classe, fazendo boa parte dos alunos saírem de seus lugares para cercar o colega, como se um punhado de peças buscassem imediatamente a última peça faltante para fechar aquele quebra-cabeças. Mirio era sempre assim, dificilmente exibia presença ao entrar em locais, mas bastava alguém botar os olhos nele para se sentirem atraídos por aquela luz natural que ele emanava. E nesse momento, mais do que nunca, ele parecia ser o único capaz de solucionar o problema que enfrentavam.

— Togata, você já está recuperado? - Perguntou o representante, um tanto surpreso com a presença do colega ali.

— Você está bem? - Perguntou outro.

— O Amajiki está irritante, dê um jeito nele! - Acrescentou um terceiro.

Antes que todos os seus colegas o bombardeassem de mais perguntas que pudesse responder, o rapaz tirou o sorriso do rosto, erguendo uma das mãos como se pedisse um minuto para os colegas, olhando para cada um dos rostos até chegar ao do amigo de infância, vendo-o ainda choroso enquanto o observava fixamente com uma expressão de dor e surpresa.

— Eu ainda estou me recuperando. Precisei vir hoje, tinha de pegar alguns trabalhos extras, o professor Cementoss não quer que eu perca o conteúdo, mesmo estando liberado das aulas ainda - explicou aos colegas, recuperando o sorriso logo depois. - Tamaki, você parece realmente mal assim! Sua tristeza acabará entristecendo os outros dessa forma! - Falou sem o mínimo de receio.

E quase como causado por todos os outros colegas, Tamaki afundou mais uma vez o rosto na toalha, gemendo sofridamente sem interromper seu choro, parecendo agora até mais intenso do que quando provocado pelos outros colegas. Era claro, não era apenas a ausência de Mirio que o machucava, toda a situação feria-o como um todo.

— Você deveria animá-lo.. - Alertou Hadou, batendo com a mão no meio do próprio rosto. Togata era sempre o responsável por trazer um sorriso ao moreno, mas com essa atitude realmente não parecia uma ação nada funcional.

Um suspiro escapou dos lábios do louro, dando um tapinha suave no ombro do representante de classe, como se confiasse nele a decisão de ajudar a incentivar a turma com o festival escolar, seguindo rumo ao amigo chorão e vendo-o encolhido em seu lugar, imerso no próprio sofrimento.

— Tamaki, você quer me acompanhar um pouco? Podemos respirar um pouco de ar puro - convidou-o, vendo o moreno, mesmo com o rosto coberto, concordar silenciosamente com a cabeça e levantar para segui-lo. - Selecionem algo legal para o festival, eu virei no dia torcer por vocês! - Avisou para o resto da turma, andando junto com o moreno para o lado de fora.

Para o moreno, mesmo deixando-se ser conduzido pelo seu radiante sol, sua tristeza acabava nublando sua visão, tornando seus olhos turvos e incapazes de olhar direito o caminho que iam. Estava tentando desesperadamente conter suas lágrimas, parar de incomodar os demais com sua tristeza, porém a dor que sentia em seu peito era interrupta, como punhaladas repetidas que só despertavam ainda mais sua inquietação.

Por mais que agora estivesse andando junto do Mirio, podendo presenciar ele conversar naturalmente com os outros colegas, sem sinais de dano, toda vez que respirava a sua mente levava-o automaticamente as lembranças daquela luta contra os yakuzas e a forma que Mirio avisou-o no hospital sobre as consequências causadas pela bala que o atingiu, retrocedendo a sua capacidade de usar a própria individualidade. Não importava o quão calmo o seu sol se mostrasse com essa notícia, nem mesmo importava se seria ou não reversível, bastava martelar em sua cabeça aquela memória para que toda a dor retomasse a ferir o moreno.

E agora, mesmo com o louro já tendo dito para o menor repetidas vezes de que estava bem, de que confiava que iria reaver sua própria individualidade e tornar-se um grande herói, nenhuma palavra surtia efeito. Togata desejava ter a capacidade que os seus colegas de classe lhe acusavam de ter - de animar o Tamaki sob qualquer circunstância -, mas era algo que mesmo tendo tentado, não conseguia fazer.

— Tamaki, está tudo bem um herói chorar, nós também somos humanos.. Mas não é meio arriscado? Você pode acabar desidratando - comentou calmamente, caminhando lento pelos corredores junto ao companheiro. - Você é o único chorando aqui.. - Mesmo que fosse o próprio Mirio a perder a individualidade, não estava lamentando-se dessa forma.

— É-é po-or isso! - Soluçou ao respondê-lo, esfregando a ponta da toalha nas bochechas, exibindo a sua aflição ao falar. - É sempre.. sem-sempre assim! O Mirio, o Mirio nunca cho-cho-chora! - Argumentou, sentindo a angustia sufocá-lo e caçando a parede mais próxima no corredor, voltando-se para ela para evitar encarar o amigo e o ambiente escolar que se encontravam.

Tinha certeza que o Mirio entendia o que dizia, pois não era a primeira vez que tinham essa conversa. Por mais doloroso que fosse, por mais desesperado que seu radiante sol se sentisse, ele sempre se recuperava e sorria, brilhando como se estivesse tudo bem. Todo esse esplendor era algo que realmente admirava no Mirio, a capacidade única e persistente dele de se levantar e continuar tentando, a forma que encarava de frente todo o caminho que percorreriam, sem nunca se intimidar pelo quão doloroso esse fosse. Mas, mesmo com toda essa admiração, ainda assim havia espaço para sentir o pavor de vê-lo cair ao ser derrubado, de ver a única coisa que brilhava em sua vida ser constantemente ameaçada de extinção.

— Eu também chorei, Tamaki, mas não podemos ficar chorando para sempre, não é? O Nighteye disse que eu me tornaria um bom herói, então eu vou continuar me esforçando. - Disse pacientemente, aproximando-se da parede e encostando as costas nessa, fitando o amigo a espera que suas palavras fossem compreendidas.

— Não, Mi-mirio!! - Falou com um tom forte, algo extremamente atípico para o rapaz em questão. Esse realmente atraiu a atenção do mais alto, olhando-o perplexo, esperando pacientemente uma justificativa para tanta exaltação. - É porque.. é porque.. somos humanos, Mirio! Somos humanos!! - Explicou-se, afundando o rosto na toalha ao sentir o nariz começar a escorrer.

Por que o Mirio não conseguia compreendê-lo agora? Tinha certeza que o seu sol sempre conseguia compreender seus sentimentos, por mais obscuros que fossem. Mesmo quando coberto pela noite, sua calorosa luz encontrava um meio de lhe alcançar, nem que fosse refletindo-se na lua. Estava sofrendo agora, não apenas pelo receio de vê-lo machucar-se mais uma vez, mas também pela aterrorizante ideia de ter de confrontar um possível futuro onde, eventualmente, poderia ser colocado em uma situação onde seria forçado a viver em um mundo sem luz.

Era por serem humanos que se sentia tão machucado, tão desesperado. Mesmo sabendo que precisava ter ido até o Mirio, mesmo tendo prometido que iria ajudá-lo, não conseguiu alcançá-lo. Vê-lo brilhar como sempre não significava que ele não havia se lastimado, que não havia perdido seu poder, que ele havia perdido o tutor que admirava. Não conseguir salvar a pessoa que era importante para si não era algo que um herói devia fazer, mas aconteceu porque, por trás de heróis, haviam pessoas - e pessoas também falhavam. E se era asfixiante encarar que não foi capaz de protegê-lo quando ele precisou, piorava por ser fácil imaginar a dor que o Mirio sentiu ao ver a vida de uma pessoa que o inspirava ir embora. Então, mais do que nunca, não conseguia parar de temer ao recordar tudo o que ocorrera.

— Tamaki.. - Mirio puxou a toalha do rosto do amigo, destapando-o e beijando-o suavemente nos lábios, procurando confortá-lo através de gestos, uma vez que as palavras não surtiam mais efeito.

Os lábios macios e gentis do maior realmente surtiram efeito, fazendo-o parar um instante de imergir entre o passado e o futuro para ater-se ao agora, sendo tomado por uma inquietação inspiradora e sentindo o aroma adocicado vindo da sua única razão para existir. Mesmo assim, sabia bem que ainda havia uma mancha negra em seu coração que não seria ainda acalentada diante de sua própria hesitação.

Para o outro, o rosto do moreno estava feio, o excesso de lágrimas deixou-o com os olhos vermelhos, rosto inchado e claramente exausto, perdendo consideravelmente a sua beleza natural para apresentar-se em uma visão mais deplorável. Os lábios também estavam salgados, sendo notável durante o beijo, e o nariz dele melecado, dando-o um aspecto extremamente imaturo e infantil. Mesmo assim amava essa preocupação excessiva que o Tamaki demonstrava consigo, e a forma exagerada que ele expunha seus sentimentos, mesmo os mais negativos, reforçando o seu espírito sincero e altruista. Encostou a sua testa na dele, vendo aquelas pequenas gotas escaparem do canto dos olhos do outro enquanto ele o olhava. Não gostava de vê-lo chorando, mas entendia que naquele instante era algo que precisava ser feito.

— Obrigado por chorar por mim.

— Eu te amo, Mi-mirio.. - Declarou-se, deixando refletir no escuro dos seus turvos olhos a imagem do homem que mais desejava. - Entre ser herói e te perder, eu.. eu desisto de ser herói! - Avisou-o, sem mentiras ou reservas.

Nenhuma ambição que poderia ter viria a superar o seu maior desejo de compartilhar a sua existência com o outro. Sacrificaria o mundo para tê-lo consigo, para acordar todos os dias ao seu lado e ouvi-lo chamar seu nome, em vê-lo sorrir calorosamente e assim, através da sua mera presença, aquecer-lhe o coração. Precisava do seu sol mais do que qualquer um, pois por mais egoísta que fosse, era o seu sol e não de nenhum outro.

— Eu sei, eu também te amo - respondeu-o. Ficava realmente feliz sempre que ouvia-o dizer isso, por essa causa não hesitava em tentar mostrar-lo o quão importante ele era em sua vida. - Você me dá forças, Tamaki. É por essa causa que eu desejo tanto me tornar um herói, eu quero um mundo em que pessoas gentis como você nunca precisem chorar. Eu já te disse, não? Eu quero ser o seu herói.

Era algo que havia decidido há muito tempo. Se fosse pelo Tamaki, e apenas por ele, nunca deixaria de sorrir mesmo com medo ou de se levantar mesmo com a dor. Se realmente brilhava como o moreno dizia, era por ele estar lá para o ver e apoiar.

— Então.. então.. Eu vou ser herói ta-também! Pra te proteger, Mirio! - Afirmou, mesmo que essa fosse apenas uma reprise de uma promessa que já haviam feito várias vezes antes. Para proteger o seu sol, não se permitiria falhar novamente.

— Eu irei aceitar todas as suas lágrimas, então por favor, cuide de mim - pediu amorosamente.

E gentilmente o louro levou as mãos ao rosto do companheiro, usando os lábios para secar cada uma daquelas salgadas lágrimas, sentindo os frágeis braços do seu choroso protetor o envolver em um forte abraço, buscando desesperadamente mais contato, como se esse garantisse a certeza de que estariam ali, um pelo outro.

E mais uma vez o devorador do sol consumia todas as dores e anseios de sua adorada e reluzente estrela, sabendo que através da sua agonizante preocupação era capaz de dar-lhe forças para garantir que ele continuasse a brilhar e enquanto ele brilhasse teria alimento para continuar a existir.


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Notas finais do capítulo

Eu amo esse shipp, confesso que estou bem feliz em poder escrever algo com eles~ Eu queria muito fazer uma long-fic focada em declaração/desenvolvimento da relação deles, mas ao mesmo tempo decidi escrever essa já partindo do pressuposto que ambos já reconhecem os sentimentos um pelo outro, pois nos eventos do mangá já vemos o quão amorosos eles são um com o outro~ ♥
Adoro a forma que o Tamaki chama o Mirio de sol, por isso quis reforçar isso nessa fic~É apenas uma ceninha que imaginei ocorrendo depois desses acontecimentos no mangá~
De toda forma, torço pra que esses dois ainda apareçam mais ;3 Pois o Mirio é meu amorzinho (E do Tamaki também :v)



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