Richezza escrita por Sweet Madness


Capítulo 1
Alfheim


Notas iniciais do capítulo

Só avisando de novo quem tem SPOILER de guerra infinita.



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Era a primeira vez que um estrangeiro pisava naquelas terras.

Era a primeira vez que Thanos pisava em um reino onde só se via prosperidade, abundância, beleza.

—Majestade! Majestade!-Um grupo de mocinhas, pouco mais que crianças, corria pela campina a sua frente. Elas chegaram até um linda figura, sentada sobre as águas da cachoeira mansa.-Majestade! Os guardas disseram que há alguém aqui.

Com calma, a figura saiu de sua posição, pisando na grama unida com os pés descalços. O tecido branco do traje se arrastando pela mesma, ela não parecia se importar.

—Bom dia, meus amores. Estão tão agitadas. Querem ver os estrangeiros?

—Sim! Por favor!

—Então que tal pedirmos que um jantar seja preparado? Eu irei convida-los para jantar conosco. Agora voltem para a vila, onde é seguro. E não perturbem as árvores no caminho.

—Sim, senhora. Até mais tarde.

As oito mocinhas se foram, rindo baixinho. A figura sorriu para elas, antes que um imenso leão alado de pelos cobre surgisse da caverna dentro da cachoeira.


—Olá, meu amor. Conseguiu dormir?-Ela acarinhada o rosto da fera com toda a delicadeza, como se o fizesse nas asas de um pequeno pássaro.-Que belo, meu amor.-O leão fechou os olhos verdes, se inclinando mais para a mão da elfa.-Venha com a mamãe. Preciso ir até nossos inusitados convidados.

A fera rosnou, olhando diretamente para o titã, enfurecido. Thanos chegou a se encolher perante a postura agressiva daquele ser.

—Convidados não.-Rugiu autoritário.-Intrusos. Querem minha joia.

—Não seja assim, Greim.-Ela pediu, abraçando a fera.-Não precisa. Tudo pode ser resolvido sem violência. Você me prometeu.

A juba do leão até mesmo diminuiu o volume, ele abaixou as orelhas, envergonhado.

—Me perdoe, minha senhora.

—Não por isso. Mas é o conselheiro da coroa. Como poderei ir em paz se não puder controlar o gênio terrível de meu irmão?

—Seu irmão não merece o trono de Alfheim. Não fara seu povo feliz.

—Uma rainha sem herdeiros não pode fazer muito contra as regras de sucessão, meu amor. Agora, pode me levar até nossos convidados?

—É claro, minha rainha.-Thanos viu como a fera se deitava, permitindo que a elfa lhe montasse com cuidado.-Segure,por favor.

Ela embrenhou os dedos longos na juba branca, e o titã correu de volta para sua nave, onde seus filhos o aguardavam.

—Esse reino tão perfeito me da nos nervos.-Ouviu Nebulosa resmungar.-Parece tudo tão lindo, pura superficialidade.

—Pare de resmungar, Nebulosa.-Demandou o titã, chegando ao acampamento.-E guardem as armas. Temos uma visita.

A imensa fera alada pousou com um estrondo, impondo sua força aos estrangeiros, uma nada velada ameaça.

—Sejam bem vindos a Alfheim, habitantes do universo.-A mulher desmontou da criatura, fazendo uma reverência elegante.-Eu sou Meredrin.

Para a surpresa de todos os outros, Thanos se colocou sobre o joelho, reverenciando a mulher, que lhe deu um doce sorriso.

—Majestade. Eu sou Thanos, e estes são meus filhos.

—Nós sabemos quem são, titã louco.-A fera fugiu baixo, se aproximando mais da elfa, rodeando.-O que querem?

—Greim!-A dama o repreendeu, colocando a mão na juba para que ele ficasse quieto ao seu lado.-Eu pedi para não julgar os visitantes. Por favor, não seja tão impetuoso.-A fera se calou.-Por favor, levante.-Pediu com gentileza.-Peço desculpas. Greim acabou de se tornar pai, está muito protetor. Creio que entenda isso.

—Perfeitamente.-Se deu a chance de conversar diretamente com a fera.-E não representaremos perigo algum aos seus filhotes. Eu... Ouvia muitas histórias sobre Alfheim... Só queria ver se eram reais.

—Vim convida-los para o jantar. Não será nada como as festas do Palácio Dourado, mas posso garantir uma boa refeição.

—É mais do que poderíamos pedir, majestade.

Gamora também reverenciou a mulher.

—Por favor, querida... Não usamos mais este título em Alfheim. Majestade significa "aquele que está acima dos outros", e não existe essa hierarquia hipócrita aqui. Podem me chamar de Mère.

A fera torceu o focinho, como se não concordasse com a afirmação. Como se aquele chamamento fosse íntimo demais.

—Como queira.

—Dama Branca é o chamamento correto.

A fera voltou a implicar, ao que a rainha apenas deu de ombros.

—Vá para seus filhotes. Eu irei levá-los até a vila.-Mais um resmungo de descontentamento.-Vá, querido.

Com um rugido, a fera alçou voo. Thanos não sabia como se portar naquele momento. Aquela mulher era desconcertante.

—Pai.-O chamado veio de Gamora.-Nós precisamos voltar para a nave. Se nos der licença, senhora.

—O que se sentirem mais a vontade. Mas serão bem vindos se quiserem ficar. Greim é um caso isolado. Como devem saber, nós elfos não guerreamos gratuitamente com outros povos.

—Agradecemos. Com sua licença.

E o titã foi deixado sozinho naquele lugar completamente desconhecido. Sozinho junto da rainha do lugar.

•~♤~•

 

O por do sol era um verdadeiro evento naquele reino.

Foi a primeira coisa que Thanos pensou.

Como um povo que teve de enfrentar invasões de tantas etnias, especialmente de Jotunheim e Muspelheim, podia ser tão alegre. Haviam crianças correndo e brincando, jovens conversando e brincando. Até os adultos e idosos brincavam. Roupas de tecidos leves e extremamente coloridos.

Apenas a rainha usava branco. Como se aquela cor pertencesse apenas a ela.

—Mère! Mère!

As crianças passavam por ela, lhe dedicando abraços, beijos e pequenas aventuras. Os demais lhe davam sorrisos verdadeiros. Não enormes sorrisos, mas sorrisos brilhantes.

Haviam imensas mesas de azevinho no centro da vila, onde mulheres e homens cozinhavam e arrumaram a mesa. Sem divisão de tarefas.

Eles cantavam e brincavam, como se tudo estivesse na mais perfeita ordem. Não paravam o que faziam quando viam a rainha, mas lhe ofereciam provas de tudo, que ela recusava educadamente. Exceto quando as crianças lhe traziam. Ela parecia não resistir ao encanto dos pequenos.

—Não vejo castelo algum.

Comentou baixinho, olhando os arredores.

—Não há. Existe uma fortaleza a oeste, onde fazemos alguns festivais. Mas castelos não.

—Vocês são famosos pela abundância...

—Errado. Asgard é famosa por sua soberba e banquetes. Aqui em Alfheim nós nunca promovemos festas desta magnitude. Tudo fica apenas entre nós. Temos o bastante para viver em paz, sem problemas. Não podemos nos dar ao luxo esbanjar para outras etnias.

—A julgar pela beleza do reino... Todos os outros os classificam assim.

—Somos um reino recluso, conhecerem pouco e falarem tantas bobagens chega a ser compreensível.-A rainha auxiliou seus músicos a se acomodarem no palco.-Mas não torna justificável.

•~♤~•

Não havia vinho, ou grandes animais abatidos.

Sucos, chás e água, pequenos animais, muitas frutas e plantas comestíveis. Muita música e dança. Os elfos exalacsm energia, juventude. Mesmo os mais velhos.

Havia um respeito como o titã nunca havia presenciado. Onde todos falavam o que pensavam, jamais ofendendo o outro.

Outras etnias também habitavam o lugar, pontualmente. Eram parte de pequenas famílias, e ninguém parecia julga-los.

Tudo ali era tão perfeito, e tão verdadeiro.

Não havia família real. A rainha estava tão descalça quanto as crianças, e ria tanto quanto os jovens. Dançava junto dos mais velhos.

Se não fosse o vestido branco e Thanos sabendo quem era ela, talvez nunca suspeitasse. Aquele povo era... diferente. Talvez tivesse algumas coisas a aprender com aquela rainha.

•~♤~•

 

—Meredrin?

A voz grave soou pela casinha. Meredrin não morava na vila. Vivia nos arredores, em uma pequena clareira, numa casinha de pedra muito confortável, embora diminuta.

—Bom dia. Achei que ainda dormisse.-Ela se ergueu com imensa cesta de vime trançado.-Quer ir até a vila? Pode caminhar por lá, se desejar.

—Claro.-O titã lavou o rosto, indo até a mulher.-Posso levar a cesta... Está pesada.

—Não se incomode com isso. Quer uma morangue?

Era uma fruta grande, bem vermelha e docinha, com um fundo ácido. Thanos havia provado na noite anterior.

—Sim. Obrigado.-Recebeu a fruta das mãos longas.-Mas ainda acho que deveria me deixar carregar a cesta.

Ela riu, e o titã pegou o objeto, constatando o quão pesada estava. Seguiram pela trilha florida que havia até a vila. Com o nascer do dia, Thanos via a todos trabalhando harmoniosamente. Alguns papeavam, outros estava concentrados. Mas não havia tensão entre eles.

Todos cumprimentavam a mulher, que foi em direção a uma casinha branca, e deixou o titã livre para conhecer aquele povo tão intrigante.

•~♤~•


Thanos não passaria despercebido, e sabia disso. Ele queria ouvir o que era dito pelas costas da rainha.

O titã logo percebeu que aquele povo não tinha vergonha, nem medo, de dizer o que queria.

—Nossa rainha está bonita hoje, não está?

Ele ouviu um grupo de jovens, que fabricava tecidos a partir de pétalas de flores, comentar. Haviam meninas e meninos. E eles conversavam e cantavam.

—Ela é linda.-Um dos rapazes respondeu.-Ela gosta de receber visitas. São os antigos que não permitem.

—Os antigos deviam esquecer os velhos costumes. Como esses olhares tortos que lançam a torto e a direito. Eles já não incomodam nenhum de nós.

—Você sabe o que Mère diz sobre isso.-Outra das meninas.-Não consigo imaginar como era Alfheim antes dela. Antes dos Gigantes de Fogo matarem o velho imperador. Graças aos deuses foi Mère quem assumiu o trono.

—Graças aos deuses não permitimos que o Conselho a depusesse. Jamais teríamos tanto se o irmão dela assumisse o trono.

—É uma pena que ela não tenha um herdeiro. Ao menos nós temos Greim para controlar o novo rei.

O titã teve de de afastar, antes que fosse notado, enquanto seguiu até um grupo de anciãs que costuravam mantos para o inverno.

—Meredrin não parece preocupada com a presença dos estranhos no Reino.

—Deveria confiar mais nela, Argaz. Meredrin tem neutralizado ameaças há tanto tempo quanto nós temos de idade.

—E meramente isso a mantém serena?

—Enquanto Meredrin não quebrar a confiança que depositamos nessa por tantos séculos, eu viverei tranquila.-Outra das anciãs se pronunciou.-Eu me cansei de guerras, Argaz. Me cansei da tensão e do medo. Eu confio na minha rainha. E se não pode fazê-lo, deveria buscar outros ares.

Argaz ficou quieta, e Thanos viu nela a mesma descrença que via pontualmente em alguns antigos. Mas viu uma lealdade sem igual daquele povo tão satisfeito.

Claro que haviam pequenas reclamações, como a chegada do inverno, a proibição de pescar naquela época de reprodução dos peixes, o fato de as crianças ainda errarem ao adoçar sobremesas.

O titã voltou à casinha branca no lado leste da vila. Não demorou para ouvir a rainha papeando. Adentrou o lugar com cuidado, sem chamar a atenção.

—E é assim que grandes guerreiros voltam a ser fortes depois das batalhas.-Ela terminou de prender a faixa impecavelmente branca na mão do garotinho sentado na cama alta.-Com um curativo.-Ela agitou os longos dedos no ar, e lindas borboletas douradas voaram pelo local, antes de pousar sobre a pequena mão, formando uma estampa no tecido de linho.-E um sopro de magia.

O pequeno ria com  o truque, e deixou um longo e molhado beijo no rosto de sua rainha, antes de saltar da cama, correndo para fora. No caminho, ainda parou para abraçar a perna do titã e dar-lhe um riso, correndo para uma garotinha chorosa em uma macieira próxima.

Eles trocaram poucas palavras, antes da pequena sorrir e abraçar o amiguinho, e os dois voltarem a brigar. O titã voltou a olhar a figura da loira, que ria baixinho.

—Creio que queria conversar.

—Correta como sempre, Mère.

•~♤~•


Eles estavam sentados em pedras ao lado da casinha da rainha. O por do sol era lindo dali, e o jantar estava quase pronto. Thanos ouvia o vilarejo em festa novamente. Ao que parecia, aquele povo amava cozinhar, rir e cantar.

—Eu sei porque está aqui, Thanos. Sei que veio mal intencionado, que queria aplicar em meu povo sua louca teoria do extermínio em massa.

—Então por que me deixou ficar?

—Além da miséria de seu planeta, e de tantos outros, você nunca presenciou um reino realmente próspero. Um lugar onde tudo fosse bom, nada fosse falso. O farto não unido ao medo. O trouxe aqui para que visse como pequenas atitudes podem mudar um povo.

—Como fez isso? Como fez nascer tanto amor em meio a cinzas e destruição? Vocês são um povo guerreiro. Nasceram lutando, se protegendo. Eu vi apenas doçura, mas sei que há adagas sob os vestidos, machados nos troncos das árvores... Vocês são dóceis... Mas também perigosos.

—Vou lhe contar um segredo sobre seres vivos: nós cansamos. Cansamos da guerra, cansamos da morte, cansamos do ódio... Nós cansamos da monotonia, da felicidade... Nós cansamos do amor.-Ela voltou os olhos brancos para o céu.-Estavamos em guerras ilógicas desde antes de eu nascer. Eram 9 séculos desperdiçados. Que fizeram meu povo passar fome, dor, medo... Todos estavamos tão animalescos quanto podíamos ser. Então, num dia de fome extrema, meu pai e sua corja de bajuladores imbecis decidiram que iriam expulsar os gigantes de uma vez por todas. Enquanto eles perdiam tempo, eu tirei meu povo daquela fortaleza maldita, que nos aprisiona a e condenava, ao invés de proteger. Eu os trouxe a campo aberto, na linha inimiga. Com quase 800 gigantes, tanto de fogo quanto de gelo.

—E como os destruiu?

—Nunca destruí ninguém. Não exterminei um exército sequer. Eu os conquistei, com gentileza. Meu povo e eu dividimos com aqueles soldados tão sofridos, lutando até a morte por algo que não sabiam o que era, o calor, a comida e a nossa medicina.

—E ficou tudo bem? Ninguém te questionou a razão de ajudar o inimigo?

A mulher lhe dedicou um olhar que se parecia com pena. Como se fosse ruim ele não entender por si só onde ela queria chegar. Mas fosse ruim apenas para ele.

—Nós viemos para cá escoltados por gigantes alimentados, fortes, curados... E que agora tinham porquê lutar. Em seu potencial máximo. Que fizeram isso, nos protegeram, por vontade própria. Quando os curei, quando os alimentei, eu não queria nada em troca. Eu só queria poder parar de ver seres morrendo. Independente da etnia, independente de sua inocência perante o que houve. Muitos desses gigantes vivem aqui. Isso que você viu, a vila... Não é nada. Somos apenas um ponto estratégico para os mais aventureiros. Há fazendas imensas, que nos trazem a matéria prima, e nós levamos o que produzimos para eles. Não é comércio, é cooperação. E funciona perfeitamente bem, porque cada qual tem de volta todos os frutos de seu esforço. Nós nunca temos tédio aqui. As revoltas são permitidas, os questionamentos, as festas, os festivais. Meu povo é livre de verdade. Consegue enxergar, nem que seja por um momento, que eu tirei toda essa gente, e muito mais do que você pode ver, de um estado de decadência e animosidade mais do que absoluta? Eu fiz meu povo se erguer das cinzas, e não tirei uma vida sequer.-O titã estava prestes a questionar, mas a elfa nao lhe permitiu que a interrompesse.-Novecentos anos de batalhas, Thanos. De fome. De miséria. De morte. De desespero. E tudo extinto em menos de uma década midgardiana. Na vida de um elfo? Menos de dez dias. Tudo porque ele são livres.

O titã ficou em silêncio, e se deixou observar aquele maravilhoso céu noturno. Foi surpreendido quando a fera do dia anterior, Greim, pousou com suavidade na campina, indo se enroscar ao lado da pedra onde estava a rainha, que se dispôs a acariciar os pelos cor de cobre.

—Eles a chamam de Mère.-Depois de um longo silêncio, já quase amanhecia, o titã decidiu se pronunciar.-O que significa?

—Significa o que ela é, titã.-A voz da fera ressoou pelo lugar.-Ela é nossa Mãe.

•~♤~•

Thanos vagou por cinquenta anos a esmo, até encontrar Loki, príncipe de Asgard, e sua chance para adquirir a Joia do Espaço. Mas falhara miseravelmente na missão.

Observava uma de suas naves se desfazer por causa da tecnologia midgardiana, junto com seus filhos. Mas os pensamentos do titã estavam longe. For por isso que apenas pegou uma cápsula, deixando Gamora no comando, e partiu em direção a Alfheim. O reino mágico dos Elfos Brancos.

•~♤~•

Alfheim estava em ruínas. Thanos constatou isso ao ver que leste as fronteiras com Muspelheim estavam incandescentes outra vez. Aquela vila tão simpática, que o encantara há quase seis décadas estava em silêncio. Não haviam mais crianças. E não havia a rainha branca a cantarolar e compartilhar daquela vida rica e simples com seu amado povo.

Deixou sua nave no campo daquela mesma cachoeira de cinquenta anos atrás. Mas até a água da corredeira estava morta, parada. Como se aguardasse a volta da bela rainha.

Seguiu para a vila com cuidado, mas passou por ela esgueirando-se pelo bosque. Por um acaso encontrou com um rapaz, devia ter envelhecido apenas uns dois anos desde que o vira. Em condições normais, o menino já estaria muito mais crescido. Mais alimentado e sorridente.

—Senhor titã?-O pequeno se aproximou.-Bem vindo de volta.

Não havia calor naquela frase. Durante os vinte primeiros anos, Thanos vinha sempre ver sua amada rainha branca. Mas chegara ao ponto de estar longe demais para isso, focado em conseguir suas joias.

—É bom estar de volta, Evan. Onde está sua mãe?

O menininho que corria para a rainha elfa toda vez havia perdido os pais, e Meredrin o havia criado com todo o amor que podia. A expressão do menino foi da mais pura tristeza.

—Na cabana...

—Eu vim visita-la.-Tirou de seus bolsos uma generosa sacola de docinhos midgardianos.-E trouxe isso pra você. Não são muito nutritivos, mas as crianças do último reino que visitei adoravam essas coisinhas. Pode dividir com seus amigos, se quiser. É um presente.

Thanos ganhou mais uma vez aquele mesmo abraço de cinquenta anos atrás. E assistiu o menino correr para uma casa em meio ao bosque, onde as crianças que restaram ficavam.

Com um suspiro pesado, ele seguiu para a cabana. Greim estava do lado de fora, e respirava com dificuldade. Thanos havia levado três dos filhotes dele para sua nave, onde criava as três fêmeas com todo o zelo. Apenas o acho havia ficado. E não estava perto do pai como deveria.

—Olá, meu velho amigo.-Cumprimentou, passando a imensa mão na juba um tanto seca da fera.-Por que está tão chateado? Pensei em trazer suas pequenas para vir vê-lo.

—É bom ver você, Thanos.-A voz rouca saiu baixa, fraca.-Por favor, não o faça. Mantenha minhas filhas onde estão seguras, com o novo pai delas.

—Eu prometo a você que irei cuidar delas como se fossem minhas meninas, meu caro.

—Você já o faz.

O ser místico mirou os olhos brancos no céu, como se visse muito além. E o titã não duvidava de nada relativo àquela magnífica criatura. Deixou o velho leão descansando, e adentrou a casinha de três cômodos. Ela ainda era aconchegante e arrumada. Mas não resplandecia como antes.

Não havia o sol dourado brilhando contra as paredes brancas, ou as pedras da decoração. Não havia a luz que emanava da rainha elfa resplandecendo naquele lugar. Tudo estava apagado. Quase um breu perto do que originalmente era.

A rainha era só uma lembrança. Sentada em sua cadeira de vime, silenciosa. Mas os olhos cor de neve brilharam para o titã. Thanos havia tido com ela um caso de amor irreparável e insuperável. Ela tinha os mesmos ideais que ele, de manter o povo unido e próspero. Mas tinha seu jeito doce, que tornava possível tudo o que ele sonhava, sem ferir ninguém.

—Venho aqui tão pouco. Conheço tantas galáxias... E você ainda é a criatura mais bela que já tive o prazer de conhecer.

A mulher riu, baixinho. Mas ela riu. E Até seu brilho se acendeu. Thanos se sentou na cadeira de frente para ela, como sentia saudade das histórias, das canções... Pelo universo, até da comida simples... O aconchego. Aquela mulher era seu lar. Seu recanto de paz. Thanos daria tudo por um último por do sol com ela. Mas era meio da manhã.

—Eu esperava você.

—Sinto muito por ter desrespeitado minha senhora.-Pediu, entregando a ela uma orquídea azul. Ele havia pego aquela linda flor em seu passeio discreto por Midgard.-Achei parecida com você.

A mulher sorriu para a falta de jeito do titã, e se ergueu calmamente da cadeira, deixando a mão que segurava a flor na altura de sua cintura. Foi até uma pequeno pote de ouro que havia no canto da cozinha. De lá, retirou uma joia com um leve brilho arroxeado.

—Eu fui zelei por esta joia durante três mil anos. Ela foi dada a mim no dia de meu nascimento por uma das entidades que rege o universo. Não pode cair em mãos erradas.-O titã se levantou, preocupado com o passo em falso que ela dera para se virar.-Eu não concordo com seu radicalismo, meu amor. Eu lhe mostrei que nada é tão simples quanto o preto e o branco. Mas vejo em seu olhar... A sua decepção. A descrença de como tudo o que eu acreditava, tudo o que eu construí... Tudo o que criei e alimentei por mais de dois milênios ruiu em menos de cem anos. Eu não desisti de tudo o que lhe disse ao longo desses anos, Thanos.-Ela guardou a Joia em um saquinho branco, feito do tecido de seu vestido. Então entregou o saquinho ao titã.-Quando a hora chegar, meu amor... Quando puder fazer aquilo que acredita trazer sua paz... Quero que me faça um favor.

O titã a tomou os braços, prendendo a mulher em seu abraço com todo o cuidado. Ele não queria ter de fazer aquilo. Não era justo.

—O que quiser.

—Coloque na balança tudo o que teve de fazer para chegar lá. Tudo o que teve de deixar para trás. Todo o mal que sua ambição fez a você e aos seus filhos...-Ela retribuiu o abraço.-E Thanos... Leve Evan com você. Meu irmão não terá paz enquanto não arrancar meu príncipe de mim. Ele já teve de enterrar uma mãe... Não precisa do corpo da outra.

Ele a soltou, caindo sobre o joelho direito, encostando a testa na altura do ventre da elfa.

—Eu juro.

•~♤~•

"-Você conseguiu?
—Sim, pequena.
O suave som de passos na água antecedeu a mão que pousou nos ombros da pequena Gamora.
—E quanto lhe custou?
Os olhos nevados estavam em seu rosto, e Thanos permitiu suas lágrimas.
—Tudo o que eu tinha.
Elas se entreolharam.
—Então você falhou."

 

•~♤~•


Ele havia falhado. Havia salvado o universo, mas havia perdido tudo o que lhe importava.

Agora estava sentado, ao lado do esquife de madrepérola, o abrigo do corpo de sua amada, vendo o sol começar a se por.

Ele queria um por do sol.

Ele queria um por do sol ao lado dela.

Ele queria um por do sol ao lado dela, com seus filhos deitados na grama que um dia fora verde e macia.

Ele tinha seu por do sol.

Ele não tinha seus guerreiros.

Ele não tinha seus filhos.

Ele não tinha sua amada.

Ela era um titã louco, sozinho e sem lar.

Thanos não tinha nada. Nem sua tão sonhada paz.


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