Questão de Sorte escrita por Hakiny


Capítulo 51
Os Impuros


Notas iniciais do capítulo

Como quem é vivo sempre aparece, cá estou!
Sentiram falta gente? Confesso que eu senti muita falta de postar e estou bem feliz com o retorno.
Espero que gostem da nossa terceira e última, temporada!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/759767/chapter/51

Na floresta negra, Josh e Marcos se encaravam, estavam prontos para uma batalha.

— Catherine, corra… — O caçador sussurrava para a bruxa.

— É melhor você abaixar essas espadas… — Marcos ameaçava.

— PAREM COM ISSO! — Catherine gritou.

A chuva se cessou tão inesperadamente quanto o surto da garota.

Ambos os rapazes ficaram apáticos diante daquele fenômeno.

— Eu não me importo com esse tal lorde das trevas, ou com qualquer que seja o problema de vocês! — A bruxa tinha uma voz firme — O Ryu está morrendo e a vida dele é mais importante do que qualquer coisa para mim!

— Não podemos confiar nele…

— Josh, cala a boca! — Catherine estava irritada — Você já cometeu equívocos demais para ser levado a sério.

— É Josh… — Marcos tinha um tom sarcástico — Cala a boca…

— O Ryu não gostaria que você arriscasse a sua vida assim… — O caçador ainda tentava persuadi-la.

— Ele faria o mesmo por mim! — Catherine mantinha sua expressão inabalável — Você não é obrigado a vir junto.

Com uma feição abatida e claramente magoado, Josh guardou suas armas.

— ...mas eu gostaria que viesse — A voz da bruxa estava trêmula — Porque eu não sei se vou conseguir segurar essa barra sozinha.

— Se quiserem vir, apenas me sigam… — Marcos disse em um tom calmo, enquanto se afastava do grupo.

Catherine encarou o caçador silencioso. Queria poder dizer mais alguma coisa, mas entendeu que tinha dito tudo o que podia, ela não tinha o direito de pedir a vida dele naquele momento. Mesmo que indiretamente, se algo de ruim acontecesse a ele, seria culpa dela. Assim como o peso das feridas de Ryu doíam, as de Josh também seriam desastrosas.

O silêncio persistiu e a bruxa decidiu prosseguir sem ele, mas logo foi surpreendida pelos passos do caçador a seguindo.

Um sorriso aliviado brotou em seus lábios, ela não estava sozinha e mesmo que isso não bastasse para resolver seus problemas, a ajudava a não perder totalmente o controle.

“Tenho certeza de que enquanto você sorrir, a sorte estará a nosso favor.”

A voz de Ryu veio em sua mente.

Se ela acreditasse que tudo iria ficar bem, tudo iria ficar bem.

— É verdade que ele tem um harém de escravas no submundo? — Josh soltou inesperadamente.

— De todas as lendas estranhas, essa é certamente a que eu mais detesto! — Marcos resmungou.

— De onde as pessoas tiram essas coisas? — Catherine estava confusa.

— Os humanos tendem a inventar histórias para justificar aquilo que não compreendem. — Marcos respondeu calmamente.

— O seu mestre é um bruxo impuro! — Josh retrucou — Isso parece bem claro para a humanidade.

— Esse é o problema de vocês! — A paciência de Marcos se esvaía a cada palavra dita pelo caçador — Só porque algo não parece belo aos olhos, logo é taxado como mau, ou como vocês dizem “impuro”! Sua sociedade é podre e ignorante… — O bruxo suspirou e acrescentou — E ele não é o meu mestre.

— Ele matou centenas de homens… centenas de caçadores… — Josh estava indignado.

— Pessoas que invadiram sua casa, saquearam suas coisas e atentaram contra a sua vida — Marcos tentava manter o controle de suas emoções — Um caçador mata bruxas por muito menos que isso e é facilmente absolvido em um tribunal.

— Coisa semelhante acontece se uma bruxa com muitas posses atenta contra a vida de um humano — Catherine se intrometeu em uma discussão — Acredito que isso é um mal social que nenhuma raça está isenta a passar — e continuou —  As bruxas impuras são tão marginalizadas socialmente quanto os humanos pobres.

Marcos se virou para Catherine, surpreso pela sua sábia colocação e da forma inteligente como se pôs em posição de intermediadora.

— Bruxas impuras são condenadas desde o nascimento a serem exiladas no berço dos demônios — Marcos defendeu.

— Os humanos não? — Catherine se aproximou do bruxo — É uma visão difícil de se enxergar, eu admito… eu mesma passei a vida inteira sem entender mas…

Catherine cessou sua fala e manteve seu olhar distante, como se estivesse perdida em pensamentos.

— Mas? — Marcos a encarou.

— Mas… — A bruxa sussurrou, ainda visivelmente atordoada — O Ryu me fez ver com outros olhos.

Ao fim da frase, Catherine deu um leve sorriso e enxugou uma lágrima que havia escapado no meio de sua fala.

— Você precisa parar de falar como se ele estivesse morto — Josh agora andava lado a lado da bruxa — Se não ele vai acabar morrendo.

No instante em que ouviu aquelas palavras, Catherine arregalou os olhos e segurou o choro. Josh tinha razão, ela precisava ficar bem, para que tudo ficasse bem.

— Chegamos! — Marcos dizia enquanto uma densa parede de vegetação se recolhia, fazendo surgir uma passagem.

Um extenso caminho pavimentado com pedras de mármore seguia até uma enorme mansão que parecia estar em ruínas. A fachada da casa estava extremamente desgasta e as paredes pereciam em lodo.

Tanto Catherine, quanto Josh estavam surpresos, mas não disseram nenhuma palavra.

— O que estão esperando? — Marcos encarou os dois visitantes.

Os dois negaram com a cabeça e voltaram a seguir o bruxo.

— Você está tremendo? — Catherine observa Josh com curiosidade.

— Estou sentindo um pouco de frio. — O caçador respondeu rapidamente.

Os ventos gélidos que ali rondavam faziam da resposta dele algo aceitável, mas na verdade não era o clima que fazia Josh perder o controle de seu corpo, o que ele sentia de fato era medo.

Ele nunca havia visto pessoalmente o tal Lorde das Trevas, mas o que não faltava eram histórias sobre ele. Quando criança, ele escutava os mais velhos falarem dos companheiros que haviam perdido. Um ou outro havia sobrevivido das missões, mas dificilmente estavam inteiros. Havia os que perdiam membros e outros a sanidade.

Um ranger estridente rasgou o ambiente enquanto o enorme portão enferrujado que guardava a propriedade era aberto.

O grupo continuou sua caminhada até a imensa porta de madeira escurecida, que se abriu diante da aproximação de Marcos.

Uma luz púrpura emanou da abertura e em seguida a imagem do interior se revelou. Era limpo e organizado, isso junto a uma decoração extremamente sofisticada. Desde o assoalho requintado, ao teto coberto de belíssimas pinturas.

— Quem está aí? — Uma voz grave ecoou do alto das escadas.

Josh e Catherine se viraram para a direção de onde o som havia surgido, mas estava tão escuro que foram incapazes de ver qualquer coisa.

— Eu os achei na floresta… — Marcos se mostrava receoso.

— Você e esse maldito hábito de trazer vira-latas para casa! — Uma densa sombra caminhou em passos lentos pela escada.

— Não somos bem vindos… — Josh se posicionava à frente de Catherine — Vamos embora!

A bruxa se encolhia atrás do caçador.

— Esperem! — Marcos disse aos convidados e em seguida se virou novamente para o dono da casa — Tem um garoto ferido e…

— Não é problema meu! — O homem já estava de pé diante da escada, mas a sua aparência se resumia a uma silhueta negra que não revelava nenhuma característica humana.

— O meu amigo… — Catherine caminhou alguns passos a frente — O Marcos disse que pode ajudá-lo, nós iremos embora assim que ele cuidar dos ferimentos dele. Não queremos problemas!

— VÃO EMBORA! — A voz do Lorde era grave e distorcida. O som saiu tão alto e forte que todos na sala taparam seus ouvidos.

Um silêncio tomou o local e o homem sombrio se virou novamente para as escadas, pretendendo subí-las.

— Qual é o seu problema? — Catherine se pronunciou.

— O que disse? — O homem cessou seus passos.

— Perguntei qual é o seu problema! — Catherine falou mais alto — Ou além de mau educado, você também é surdo?

Tanto Josh quanto Marcos encararam a bruxa, assustados.

— Você me chamou do que? — O lorde surgiu diante de Catherine tão repentinamente que os cabelos da garota foram soprados pelo vento que sua movimentação causou.

— É surdo então — A bruxa deu de ombros.

— Você entra na minha casa fazendo exigências para o seu moribundo, suja o meu assoalho com a lama imunda dessa floresta e ainda me ofende? — A voz do homem ainda era grave e quase demoníaca — Ao menos sabe quem eu sou?

— Um nobre, presumo — Catherine mantinha um tom arrogante enquanto acompanhava com os olhos as voltas que ele dava ao redor dela — Mas o que mais me intriga é que apesar do seu bom título, você não possui nem um tipo de requinte, além de ser um péssimo anfitrião.

O Lorde deu uma risada longa e sarcástica.

— Depois de até mesmo o devorador de crianças Vincent Chermont, me receber adequadamente em sua casa, eu, ingenuamente esperava mais de alguém que se autodenomina um lorde.

A risada empolgada do bruxo foi subitamente interrompida.

— Disse que não temos nada a oferecer, mas temos uma dama entre nós não é mesmo?  É como o Chermont, Catherine…

— Se ele ouvisse essa comparação, você provavelmente morreria antes de perceber o que o havia atingido.

A bruxa sentiu seu coração palpitar, ela havia feito uma aposta alta. Atingi-lo em seu ponto fraco poderia sensibilizá-lo? Ou apenas provocar sua ira? A resposta para aquela pergunta custaria a vida dela.

Há poucos passos dos dois, Marcos estava tenso. Josh estava assustado com a atitude de Catherine, mas mantinha sua espada firme em punho, para uma possível batalha.

— Está me comparando a aquele ser desprezível? — O homem se aproximava da bruxa com voracidade.

— Não, eu jamais faria isso… — Catherine tinha um tom irônico — Ele me serviu o jantar e me hospedou em quartos limpos e agradáveis.

— Ei! — Josh tentava impedir que ele a alcançasse, mas antes que pudesse encostar no Lorde foi arremessado contra a porta de entrada.

— Não se intrometa caçador! — O dono da casa dizia autoritariamente.

— Chega disso! — Marcos estava nervoso com toda a situação mas não sabia como agir — Eu os levarei de volta!

— Não — O Lorde deu uma pausa categórica e então mostrou seu rosto que estava com um sorriso estampado — Leve-os a bons aposentos, eles certamente serão melhores que os de Vincent!

Um silêncio tomou o salão.

Catherine não podia acreditar na infantilidade daquele bruxo. A julgar pelo que tinha ouvido dele, era realmente decepcionante.

— Você tem o que? Oito anos? — Marcos estava revoltado.

Um gemido pôs fim à discussão, pois Ryu demonstrava estar sentindo muita dor.

— Me ajude a levá-lo para o meu laboratório! — Marcos se dirigia a Josh, que ainda estava um pouco zonzo da pancada.

Catherine seguiu os dois, visivelmente preocupada.

— Ele está sofrendo muito com as dores — Marcos vasculhava sua estante de ervas em busca de ingredientes específicos — Vou aplicar um analgésico para paliar o estado dele.

Catherine e Josh assistiam a tudo em silêncio.

Aos poucos o homem reunia uma infinidade de plantas diferentes e com algumas palavras mágicas as faziam se fundir em uma mistura uniforme que posteriormente aplicava sobre a pele do paciente. O líquido brilhava e se espalhava como se estivesse vivo.

— Ele usa a magia dele para potencializar as propriedades das ervas — Josh comentou — Já vi algo assim quando estava no desconhecido.

— E se não for o suficiente? — Catherine andava de um lado para o outro — A Anabel não pode ajudar?

— Não — Anabel tomou a forma humana — Pequenos hematomas são relativamente simples de lidar, mas curar algo tão grande… só mesmo usando a ligação com o meu portador.

— Então… — Catherine refletia — Eveline!

A bruxa buscou pela espada em seus pertences, mas antes que pudesse encontrá-la, Eveline saltou para longe, já em sua forma humana.

— Você acha que eu já não tentei? — Ela tinha uma expressão descontente — Desde que ele te feriu na mansão Chermont, eu não consigo estabelecer contato. Ele me repele inconscientemente.

— Droga! — Catherine se sentou no chão.

— Você precisa ter fé no Marcos — Josh tentava passar tranquilidade — Não foi você mesmo que fez tudo para vir até aqui? Pois então tenha fé nos seus instintos!

— O problema é que os meus instintos me dizem que as coisas não vão acabar bem… — A voz de Catherine estava chorosa.

— Talvez os seus instintos precisem descansar um pouco — O caçador ajudou a garota a se levantar — Pode deixar que eu cuido de tudo aqui.

— Ele está estável, pode ficar tranquila! — Marcos se aproximou com uma expressão serena — Apesar dos ferimentos graves, Ryu se agarra a vida de uma forma surpreendente.

— Muito obrigada! — Um alívio tomou o corpo de Catherine — Acho que vou seguir o conselho de vocês…

— Pode usar o quarto que melhor lhe agradar! — Marcos sorriu.

A bruxa acenou com a cabeça e se dirigiu rumo as escadas, não sem antes esbarrar no tal lorde das trevas.

— Desculpe… — A garota sussurrou um pouco sem jeito.

Ele a ignorou e seguiu até o consultório de Marcos.

Sem se dar ao trabalho de cumprimentar qualquer um, ele seguia analisando tudo a sua volta.

— Há algo de errado? — Marcos estava curioso.

— Um cheiro confuso… — O bruxo respondeu.

— Senti isso desde que encontrei o Josh — Marcos explicou — Nem bruxo, nem humano… é estranho acostumar o nariz com isso.

— De fato — O lorde encarou o caçador com desprezo.

Josh sentia-se ofendido com os comentários dos bruxos, mas escolheu não dizer nada, principalmente por medo do dono da casa.

Em um quarto aleatório da mansão, Catherine encarava a cama a sua frente com satisfação. Ela mal conseguia se aguentar em pé. Talvez toda adrenalina e nervosismo a forçaram a se manter firme, mas ao saber que Ryu estava estável, ela sentiu toda aquela energia se esvair.

“Eu preciso descansar.” Ela concluiu.

Enquanto se aconchegava nos delicados lençóis de seda, ela pensava no Lorde. Antes de chegarem ali, lhe foi contado que ele era um monstro terrível, e foi exatamente assim que ela o imaginou. Entretanto, ela se deparou com um garoto que não parecia ser muito mais velho que ela, com reações infantis e principalmente… um olhar solitário.

“Por que alguém escolheria viver em um lugar sombrio como aquele?”

— Seu mestre é um bruxo impuro!

Catherine se lembrou das palavras de Josh e isso lhe explicava muita coisa. Aquilo não havia sido uma escolha e sim algo imposto a ele, assim como o exílio é imposto a todos os impuros. Ele era grosseiro, mas isso não o tornava um criminoso, no entanto para a sociedade ele era indesejável.

Bruxos impuros, são aqueles que naturalmente causam mal para a sociedade.

“Mal… Como o azar…”

Catherine sentiu seu peito apertar, afinal, o que a separava de um bruxo impuro? O que a afastava do exílio? Ou até mesmo… da fogueira…


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Não esqueçam daquele comentáriozinho maroto pra incentivar ♥



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Questão de Sorte" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.