Questão de Sorte escrita por Hakiny


Capítulo 40
O Conde da Floresta Vermelha


Notas iniciais do capítulo

Corram! Corram! Corram para seus quartos crianças, tranquem a porta e não deem um piu, pois ele está à espreita. Quando o sol se põe, é hora do jantar e ele gosta de vítimas assustadas.
“O medo cheira a Cerefólio e me faz lembrar de casa” Seria a sua casa o próprio inferno?
Durante o dia estávamos a salvo, o casarão era bem iluminado, tínhamos boa comida e roupas de seda. Havia também criadas, olhos distantes e sempre caladas. Eram moças jovens que ele trazia de suas viagens, ou outras desesperadas que batiam em sua porta em busca de hospedagem. Assim que chegavam tinham sorrisos em seus lábios e esperanças em seus rostos, mas assim como todas as crianças, quando a noite apontava, todas gritavam.
As donzelas, agora escravas, não falavam mais nada. Assim como todas as portas e janelas, estavam enfeitiçadas.
Todo dia, ele tocava as 6 horas, aquele violino velho e desafinado que mais parecia um grito de misericórdia. E então as luzes se apagavam e não se ouvia mais nada.
Corram! Corram! Corram crianças para seus quartos, tranquem a porta e não deem um piu, pois ele está à espreita. Quando o sol se põe, é hora do jantar e ele gosta de vítimas assustadas.
Em algum momento um infeliz será pego e então as luzes voltaram, assim a festa do duque acaba. Só próprio diabo poderia fazer da morte, alívio aos corações das crianças.
O conde era bem visto na cidade, um homem bom e de coração grande, ajudava os necessitados e abrigava órfãos. Mal sabiam que de bondade não havia nada.
Corram! Corram! Corram crianças para seus quartos, tranquem a porta e não deem um piu, pois ele está à espreita. Quando o sol se põe, é hora do jantar e ele gosta de vítimas assustadas.
Agora, o diabo irá dormir e as crianças poderão ficar sossegadas, mas não se alegrem crianças, pois amanhã as luzes serão novamente apagadas.



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Enquanto se arrastava pelos esgotos do Minus, Yuki torcia para que o odor podre disfarçasse seu cheiro de algum rastreador.

Depois de muitos minutos se esforçando para prosseguir, ela chegou no seu limite.

Encostou em uma pilastra e após algum tempo de reflexão, procurando alternativas para aquela situação desesperadora, se lembrou do comunicador que levava consigo.

A caçadora retirou o objeto do bolso e por sorte, ele estava em perfeito estado.

“Se eu ligar isso, eles vão descobrir onde eu estou imediatamente.”

Ela deu um longo suspiro e relaxou os braços, permitindo que a sua mão pousasse no chão com o comunicador.

“Se eu ficar aqui parada eles vão me achar mais cedo ou mais tarde.”

Yuki sabia que não poderia morrer com aquele segredo, por isso em um momento de desespero ela apenas ligou o comunicador e acessou a linha de Ryan.

A primeira tentativa chamou três vezes mas caiu na caixa de mensagens, o mesmo aconteceu com a segunda e na terceira, vendo que cada segundo perdido era precioso ela decidiu iniciar uma gravação.

— Yuki Yamamoto se apresentando, senhor. Relatório de investigação — Yuki engoliu o choro — Depois de notar atividades suspeitas, segui Benjamin e o Dr. Hoffman até um laboratório escondido em uma sala secreta na ala 9, que leva ao subterrâneo. Lá são praticadas atrocidades que vão contra todo o código de honra dos caçadores e até burla leis da monarquia e da igreja.

Ao ouvir o som de passos em cima de onde estava, Yuki gelou, mas continuou a gravação logo em seguida.

— Não confie em Blanc. Ele, assim como muitos dentro da unidade, está compactuando com esses crimes. Durante a minha fuga, me encontrei com o Gaspar e ele foi executado na minha frente por outros membros do Minus… Pelos seus próprios amigos… — A voz de Yuki já estava completamente abafada e era claro que ela estava chorando — Eu estou gravemente ferida e estou sendo perseguida nesse momento. Consegui provas em vídeo e fotos de todos os crimes, estão armazenadas em um pendrive que eu escondi enquanto fugia. Não vou revelar a localização do objeto, pois se essa gravação for interceptada estarei pondo em risco a única prova que temos.

— Por aqui!

Yuki ouvia vozes ao longe.

— Eles estão chegando… — Yuki levava a mão a boca para abafar seu choro — Por favor… Não seja um deles… Você é única pessoa que eu confio aqui dentro…

— Ali! — As vozes estavam próximas.

— Relatório encerrado — Ela respirou fundo e em seguida se livrou do comunicador, o jogando no lago de lama que seguia sua correnteza pelo esgoto.

No hotel em Pack, Ryu, Catherine e Josh aproveitavam o jantar enquanto jogavam conversa fora.

A ideia inicial do caçador era ir embora assim que tivesse uma oportunidade, mas a companhia de seus novos amigos parecia o tipo de descanso que ele precisava no momento.

— E se eu te contratar para ser meu guardião? — Catherine soltou.

— Eu sou um caçador! — Josh respondeu um pouco incomodado.

— Não seria uma má ideia! — Ryu apoiou Catherine — Depois do que vi você fazendo no porto, acredito que seria uma ótima ajuda contra o Minus.

— Eu sou um combatente… — A voz de Josh estava tensa — Não tem nada demais no que eu fiz.

Ryu deu um sorriso pretensioso enquanto virava seu copo de suco.

— O que foi? — O caçador se sentiu pressionado.

— Nada… — O guardião deu de ombros, agitou o líquido em seu corpo e depois encarou o caçador mais uma vez — Ou tem alguma coisa?

Os olhos de Catherine acompanhavam curiosos aquela conversa que acontecia nas entrelinhas da conversa principal.

O grupo permaneceu em silêncio por alguns minutos, até o momento em que a bruxa resolveu se deitar.

— Josh… — Já sozinho com o caçador, Ryu deu uma pausa dramática e em seguida continuou — O que você é?

— Que pergunta é essa? — Josh coçou a garganta  — Sou um caçador, você sabe.

— Um Combatente, certo? — Ryu encarou o rapaz.

Josh assentiu positivamente com a cabeça.

— Mas conseguiu saber da localização de Catherine mesmo com ela estando em outro andar. Naquele momento eu poderia jurar que você era um Rastreador.

Enquanto Ryu falava, Josh permaneceu atônito com as observações citadas.

— Mas aí você conseguiu enxergar a Yuki nos atacando mesmo com ela há quilômetros de distância… Os olhos de um Duelista! — Ryu tinha um tom incisivo — E aquilo que você fez com aquelas bestas? Foi insano! O seu corpo se acendeu como um céu sendo rasgado por dezenas de relâmpagos e você lidou com aquilo como se fosse nada. Foi mais do que a habilidade de um combatente! E o que diabos um caçador faz injetando raiz de laranjeira nas veias?

Josh suspirou profundamente, mas não disse nenhuma palavra.

— Josh, o que você é? — Ryu o encarou com mais força.

— Eu não quero falar disso — O caçador respondeu com um tom sério, que Ryu só havia visto no dia em que eles se conheceram.

— Você pode confiar em mim… — O guardião se aproximou do rapaz — Sei que nós nos conhecemos de um jeito estranho e teoricamente estamos de lados opostos em relação a Catherine… Mas somos amigos no fim das contas.

— Amigos? — Josh riu — É estranho pensar que eu poderia ter algo assim…

— Todo mundo tem amigos cara... — Ryu deu de ombros — Talvez você não esteja valorizando os seus.

— Meu pai dizia que amigos são um ponto fraco. No Minus não somos amigos ou família, apenas partes de um corpo que existe para cumprir uma função maior do que o desejo de qualquer indivíduo isolado — Josh explicou.

— Isso parece o slogan de uma seita macabra — O guardião comentou.

Diante do novo silêncio instalado, Ryu não sentiu vontade de retomar a conversa. Em partes por não querer pressionar o caçador mais uma vez, por outro lado, ele mesmo havia se cansado daquele assunto..

— Boa noite… — Ryu levantou-se do sofá.

— Boa noite… — Josh permaneceu sentado, com olhos distantes e perdidos.

“O que é você?”

Josh tinha 18 anos de idade quando obteve a resposta dessa pergunta. O dia em que ouviu uma discussão entre Blanc e Larisse, mãe de Helena.

— Você precisa parar de insistir com esse garoto — A voz de Larisse estava alterada — Não pode culpá-lo por seguir sua natureza!

— Ele é um caçador. — Blanc parecia indiferente às reclamações da mulher.

— Você não sabe o que ele é... — Larisse dizia com indignação — Você e seu cientista maluco de estimação decidiram brincar de deus e criaram uma ameaça ao Minus.

— Ele é um caçador… — A voz do líder dos Minus aos poucos parecia adquirir um tom incomodado.

— Pode até ser... — Larisse tinha uma voz pesada — Mas diferente do que você previa, nós seremos a caça

— Você está louca.

— Louco é quem engravida uma bruxa e trás ao mundo um híbrido!

Um longo suspiro encerrou aquelas lembranças intensas.

“O que você é?”

A pergunta de Ryu ecoava na cabeça do caçador.

Completamente transtornado, Josh começou a arrumar suas coisas, na tentativa de sair dali o mais rápido possível.

— Obrigada por ajudar… — A voz sonolenta de Catherine o fez parar no momento em que ele se preparava para pular a janela.

Josh evitou de olhar nos olhos da garota. Ele estava perdido sobre o que fazer a seguir. Foi então que sentiu algo cutucar as suas costas.

— Para quando você sentir fome — Catherine o espetava com uma barra de chocolate.  Era de amendoim com caramelo, assim como no dia em que eles se conheceram.

— Obrigada… — A voz de Josh era quase inaudível.

— Pode nos visitar quando quiser — Catherine sorriu de forma simpática — Você sempre será bem vindo!

Diante do silêncio do caçador, a bruxa continuou.

— Pode deixar que eu digo ao Ryu que você mandou lembranças!

Sem mais nada a acrescentar, Catherine se virou para sair e antes mesmo que pudesse alcançar a porta de seu quarto, se deu conta que Josh já havia desaparecido.

Há alguns quilômetros dali, em Ferrum, Claire se preparava para um baile de nobres que havia sido convidada.

— Eu acho que a senhora deveria aproveitar a noite para descansar — Henry comentou — Estamos muito perto do santuário e se nos esforçarmos, conseguiremos chegar lá amanhã, com três dias de antecedência.

Claire ignorou os conselhos do guardião e, já pronta,  seguiu em direção a porta do quarto.

— Já teríamos chegado lá se a senhora não fizesse tantas paradas — O rapaz prosseguiu.

— Cale a boca servo… — A bruxa revirou os olhos — A sua opinião é altamente dispensável.

Henry cerrou os dentes. A imprudência dela só não era mais incômoda do que a sua arrogância.

Mesmo cansado e completamente necessitado de uma noite de sono, Henry foi obrigado a comparecer ao baile, para fazer a guarda da bruxa. Foram horas e horas ouvindo música ruim e assistindo ao longe Claire flertar com um nobre que ele não conhecia.

—  A senhorita disse que era de Otium, não é? — O homem que com ela conversava se chamava Vincent — É um lugar formidável!

— Sim, somos agraciados por boa vegetação e um clima agradável, mas nada que se compare com os suntuosos parques de Spatium! — A bruxa estava empolgada — Você teve muita sorte em nascer em um lugar assim.

— Do que está falando? — Vincent sorriu simpaticamente — Spatium é tudo o que o dinheiro pode comprar, Otium é o túmulo de nossos ancestrais, o símbolo da luta das bruxas pelo nosso lugar de direito! Nem todo o ouro do mundo vale essa cidade.

— Não gosto de coisas velhas, senhor! — Claire tinha um tom debochado.

— A senhorita diz isso porque nunca viu a forma como os pássaros planavam sobre as montanhas do norte ou como a energia vinda de nossas vontades coloriam o céu de um tom púrpura quando o entardecer chegava — Vincent estava completamente inspirado.

— E o senhor… Já viu? — A bruxa se mostrava um pouco confusa.

Vincent deu uma intensa gargalhada e depois se explicou:

— Seria impossível minha cara, ou eu teria mais de 500 anos não é mesmo?

Claire também riu.

— De fato

Depois da festa, Vincent acompanhou Claire até a sua casa.

— Foi uma noite encantadora! — Claire tinha um largo sorriso em seu rosto.

— Espero que seja a primeira de muitas… — O homem disse de forma sussurrada, enquanto se aproximava da garota.

Ele a olhou nos olhos, como quem pedia permissão, Claire sorriu e ele então a beijou.

Henry acompanhava a tudo um pouco incomodado com a ideia de espionar um casal, mas aquele era seu trabalho. Em partes estava feliz que a bruxa tivesse encontrado algo para  ocupar sua cabeça, talvez assim ela não se metesse em encrenca. Como dizem que o amor pode mudar as pessoas, quem sabe Clarisse Bortoluzzi não poderia ser capaz de começar de novo? Era com isso que ele contava.

— Eu mal posso acreditar! — Claire corria de um lado para o outro.

Henry permaneceu em silêncio.

— Vincent Chermont me beijou! — A bruxa se jogou na cama — Claro que eu não poderia esperar menos de um encontro entre nós. Eu sou muito bonita e temos o mesmo nível…

— Quem é esse cara? — Henry ousou perguntar.

Claire engatinhou até a borda da cama, revirou alguns papéis e em seguida jogou uma revista na direção do guardião.

— Você é mesmo um ignorante.

Henry agarrou a revista e logo na capa viu a foto do homem em questão.

“Conde Vincent Chermont, o bruxo do ano por três anos consecutivos.”

“Músico, modelo, ator e filantropo.”

“Sangue e alma nobre.”

— Já vi o suficiente… — Henry revirou os olhos e pôs a revista no criado mudo.

— Ele abriga órfãos em seu casarão — Claire comentou.

Por algum motivo, o guardião se sentiu aliviado. Vincent parecia ser um bom homem, talvez fizesse bem a Claire.

— Quando nos casarmos, eu vou expulsar todos eles da nossa casa — Claire dizia com uma expressão de satisfação em seu rosto enquanto saltava em seu colchão como uma criança empolgada — Eu jamais me sujeitaria a morar na mesma casa que crianças humanas catadas no lixo.

Henry deu um longo suspiro e sem dizer mais nada, saiu do quarto.

Não muito longe dali em um belo casarão, uma agitação se instalou.

— Ele chegou! — Um menino gritou desesperado enquanto corria em direção a cozinha.

— Fujam! — Mais uma criança gritou enquanto se escondia.

— Maurice, onde você acha que ele...

— Shhhh! — Um garoto usou a mão para tapar a boca da companheira com quem dividia o esconderijo.

Logo em seguida passos lentos foram ouvidos fora do guarda roupa. O som das botas de couro pressionando a madeira velha, causava um ranger quase demoníaco.

Ambos permaneceram em silêncio enquanto o predador se afastava.

Não demorou muito para um grito agudo e desesperado rasgar o casarão.

— Edith… — A garotinha levava a mão ao rosto para conter o choro, enquanto suas lágrimas transbordavam vez após vez.

— Fique calma Briane… — Maurice abraçou a menina — Agora estamos a salvo.

— Ela não devia ter se escondido debaixo da cama… — Briane dizia em meio a soluços — É sempre o primeiro lugar onde ele procura.


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Notas finais do capítulo

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