Questão de Sorte escrita por Hakiny


Capítulo 28
As Cinzas de Vanitas


Notas iniciais do capítulo

Lya segue acreditando ser a culpada pelo desastre em Vanitas e Ivan começa uma investigação sobre os interesses de Blanc em sua filha,



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No banheiro de um dos poucos quartos que ainda estavam inteiros, Lya finalmente teve tempo para tomar um banho.

Ainda perturbada, ela sentia a água quente escorrer pelo seu corpo enquanto encarava seu reflexo embaçado na mármore negra que cobria as paredes.

Apesar de não deixar seus sentimentos claros para ninguém, Lya se culpava por todas as mortes que as bruxas invasoras haviam causado.

A sua falha na fronteira norte de Vanitas pesava em seus ombros como se fosse o único motivo da queda da cidade.

— Se sentir culpada por não ser capaz de conter um exército soa como uma piada.

O box do banheiro se abriu de forma inesperada e a imagem inquieta de Kai se revelou.

— Ela invadiu minha cabeça… — Lya sussurrou.

— É o que bruxas daquele tipo fazem, não tem nada de vergonhoso em cair em um feitiço desses.

— Sabe o que ela me fez lembrar? — A bruxa encarou os olhos do companheiro.

— Sei sim… — Kai abraçou o corpo molhado de Lya.

O chuveiro ligado fazia as roupas do bruxo se encharcarem, mas aquilo não era importante para ele no momento.

Em outro cômodo do hotel, Ivan estava pensativo.

— Você deveria dormir.

Ao encontrar a porta dos aposentos do amigo aberta, Hendrick entrou sem convite.

— Não consigo me acalmar… — O ex Statera batia a ponta dos dedos na superfície da mesa sem pausa.

Naquela manhã, o Minus havia salvo a cidade.

Um grupo de 200 homens preencheram as ruas de Vanitas e mataram todas as bruxas invasoras. Não que para eles houvesse alguma distinção entre as que invadiram e as que se hospedavam naquele lugar.

Lya comentou que havia sido atacada por dois soldados, mais tarde eles reportaram que não tinham como identificar qual bruxa era inimiga. Tal justificativa era infundável já que Lya usava o uniforme da fortaleza de Otium.

— Por que não voltar para Otium? — Hendrick estava curioso — Mesmo estando mais perto do santuário do que da nossa cidade, um trem é muito mais veloz do que um cavalo.

— Pôr a vida de inúmeras pessoas em risco por causa da minha filha seria um ato de egoísmo sem tamanho — Ivan suspirou.

— Meu amigo, as suas suspeitas são inacreditáveis! — O diretor tinha uma expressão incrédula em seu rosto — Sabemos que Blanc é o pior tipo de pessoa, mas nem todo o ódio no coração dele poderia controlar aquele exército de bruxas. Tinham espécies ali que não eram vistas há mais de 15 anos!

— Eu não tenho como provar… — Ivan encarava o vazio — Mas eu sei o que ele fez…

— Provar o que? — Hendrick se sentou em uma cadeira do escritório, ficando de frente para o ex caçador.

— É complicado… — Ivan evitava olhar nos olhos do companheiro.

— Não precisa se preocupar, eu serei sigiloso.

Ivan encarou Hendrick por alguns segundos e acabou cedendo.

— Há uns anos atrás, eu e a Amélia estávamos investigando o desaparecimento de uma bruxa nobre. Seguimos algumas pistas que nos levaram até um armazém nos arredores de Otium.

Por fora parecia abandonado, mas por dentro era um laboratório com a mais avançada tecnologia que eu já tinha visto. Mas o que mais nos chocou foi a presença de caçadores do Minus na guarda.

Em silêncio, Hendrick se atentava a todos os detalhes da história.

— Investigamos aquilo mais a fundo e descobrirmos que eles faziam experiências com bruxas impuras. Não sabíamos exatamente qual o objetivo deles, mas aquilo por si só já era suficiente para um processo jurídico.

— Isso veio a público? — O ouvinte estava perplexo — Eu nunca soube dessa história.

— Voltamos para a sede do Statera, denunciamos o ocorrido. Em uma hora tínhamos um pelotão na porta do armazém. Invadimos e por dentro estava tão abandonado quanto por fora, com exceção de uma coisa: Elizabeth Bortoluzzi.

— Uau! — Hendrick se recostou em sua cadeira. — Então vocês tinham um espião?

— Sem dúvidas! Quando encontraram Eliza, ela estava inconsciente e permaneceu assim por um bom tempo. Além do fato de não ter nada no local que pudesse provar o que eu e Amélia havíamos descoberto, o reaparecimento da bruxa nobre foi suficiente para enterrar aquele assunto. — Ivan respirou fundo e continuou — Nenhum médico foi capaz de entender o estado de Eliza e ela ficou em coma por dias.

— Devolver a nobre teria sido uma forma de dispersar a atenção que eles haviam conseguido? — O diretor da fortaleza levantava teorias.

— Muito provavelmente. Lidar com as bruxas impuras era simples, afinal quem sentiria falta delas? Mas uma nobre? Eles tinham sido atrevidos demais — Ivan tinha uma expressão irritada em seu rosto.

— Mas a doença de Eliza…

— Não acho que tenha sido uma doença, eles tiraram alguma coisa dela, uma coisa muito importante e sobrou só uma casca vazia. Facilmente manipulável — Ivan estava pensativo — Eu lembro dos olhos dela, eram iguais os das bruxas que enfrentamos hoje.

— Então você acha que o assassinato da Amélia…

— Um surto de alguém tão importante era a melhor maneira de mostrar às pessoas o quanto as bruxas não eram confiáveis. Isso só aumentava o prestígio do Minus e disseminava as ideias extremistas deles. — Ivan sentiu a depressão o alcançando — Matar eu e a Amélia era só uma forma de calar a única coisa que faria a popularidade deles ser completamente negativa.

Ivan foi levado às lembranças daquele dia que ele gostaria de esquecer.

Ele e Amélia haviam sido convidados para um jantar na casa dos Bortoluzzi, quando no meio da conversa eles foram interrompidos por gritos de uma mulher jovem.

Os dois caçadores se armaram e correram na direção da agitação. Os corredores da mansão estavam lavados de sangue e havia corpos dos empregados espalhados por toda a parte. Avançando até o quarto de Amélia, se depararam com uma cama vazia.

Inicialmente suspeitaram de um novo sequestro, mas a ideia foi completamente deixada para trás quando avistaram a mulher ensanguentada no quarto da filha.

Eliza estava parada de frente para uma janela, encarando o que havia lá fora, a luz da lua fazia brilhar a lâmina da enorme faca que ela carregava em sua mão direita.

— Meu amor… — Eugene estava assustado, mas naquele momento sua maior preocupação era o bem estar de Claire. — Onde está a nossa menina?

Ao ouvir a voz do marido, Eliza saiu do seu estado apático e avançou para cima dele com a faca em punho.

Da visão de Ivan tudo havia acontecido rápido demais para que ele tivesse alguma reação. Em apenas uma respiração, Amélia arremessou Eugene para fora do quarto e iniciou um duelo com a bruxa insana. Sem pensar muito no que estava acontecendo, Ivan sacou sua espada e se juntou a esposa.

Em uma parte distante do quarto a porta do guarda roupa se abriu e uma criança saiu. A pequena Claire corria o mais rápido que suas curtas pernas poderiam aguentar, rumo a saída do quarto. Ao notar a presença da garota, Eliza ignorou seus adversários e avançou na direção da filha com a faca em punho. Instintivamente, Amélia tomou a frente da menina e bloqueou a faca da bruxa com a sua espada.

Nesse momentos os olhos verdes de Eliza se tornaram vermelhos e logo se acenderam como fogo. A espada de Amélia, foi então partida ao meio e então sem mais obstáculos, a bruxa cravou sua faca no abdômen da adversária. Uma luz dourada saiu do corpo da nobre e foi transferida para a lâmina da faca, naquele momento o corpo de Amélia brilhou como uma fogueira.

— Não… — Ivan estava incrédulo.

Com um movimento rápido ele cortou a mão de Eliza, a fazendo se afastar do corpo de Amélia.

O caçador não teve tempo de se certificar da morte de sua esposa. A distração fez com que ele fosse atingido no rosto.

Um soco foi suficiente para que Ivan fosse lançado contra a janela de vidro e aterrissasse na grama do quintal dos Bortoluzzi.

Além de ser uma bruxa naturalmente muito poderosa, Eliza havia passado muitos anos de sua vida estudando no santuário, o que fazia do reforço físico uma brincadeira de criança.

Ivan sentia o corpo latejar a pancada da queda do segundo andar, além dos inúmeros cacos de vidro cravados em sua pele. Mas de todas as dores, a em seu peito era a mais torturante.

— Margareth… — Ivan sussurrou.

— Decidiu matá-la? — Uma voz ecoava na cabeça do caçador — Eu já disse que eu não faço arranhões, eu corto cabeças.

— Por que você acha que o Blanc tem essa obsessão na Catherine?

A pergunta de Hendrick, trouxe Ivan novamente a realidade.

— Eu nunca consegui descobrir o que eles fazem com as bruxas, mas a Cat é um tipo muito especial — Ivan se levantou de sua poltrona e caminhou pela sala — Olhando de primeira a Catherine parece inofensiva e pouco poderosa, mas ela é uma bruxa com capacidades que vão além da imaginação.

— Ela pode fazer você tropeçar e ninguém jamais desconfiaria que foi um feitiço. — O diretor disse com certo desdém.

— Não só a anonimidade meu caro. — Ivan retirou um livro de sua estante e o pôs sobre a mesa diante de Hendrick — Catherine tem poder o suficiente para destruir o continente, simplesmente por não ter poder algum.

Hendrick ergueu uma das sobrancelhas, de fato as palavras de seu companheiro pareciam enigmas de um bêbado.

— Todos nós temos uma energia interna, que chamamos de espírito. Os humanos possuem um tamanho comum de espírito que pode chegar até 4 níveis de energia. Caçadores conseguem em seu máximo 7 níveis e a bruxa mais forte já registrada alcançou um impressionante nível 13.

— Eu sei de tudo isso Ivan, precisávamos decorar esse tipo de informação para as provas da faculdade. — Hendrick não compreendia onde o amigo queria chegar.

— Sabe qual o nível espiritual de Catherine atualmente?

— Levando em consideração que ela seja uma média comum… 8?

— 3.

— O que? — Hendrick arregalou os olhos — Isso desclassificaria ela como uma bruxa sem sombra de dúvidas.

— Talvez. — Ivan sorriu de forma pretensiosa — Mas… quando a Cat tinha 9 anos, ela perdeu o ursinho de pelúcia favorito dela…

— Eu lembro disso, você comprou um novo e disse que era o mesmo. Algum tempo depois eu encontrei ele no meu escritório, a Catherine ficou tão brava por você ter mentido. — Hendrick não conseguiu conter as risadas.

— Nem me lembre disso... — Ivan franzia a testa incomodado, mas logo recuperou o foco e continuou — Antes de ganhar o ursinho novo, a Cat chorou a tarde inteira e por todo esse período choveu em Otium como nunca. Eu sabia que aquilo tinha a ver com a magia dela, por isso resolvi medir a sua energia espiritual.

— E…? — Hendrick estava visivelmente curioso.

— 11.

— Está brincando comigo… — O diretor ficou pálido — Uma criança com esse nível é inacreditável e eu nunca vi um caso de bruxa capaz de alterar mais que 3 níveis em ação.

— Pois é. — Ivan estava tranquilo — Não é novidade que algumas bruxas usem da energia da natureza para potencializar a sua magia, mas a Cat é diferente. É quase como se o espírito dela fosse o próprio mundo.

— Se isso for verdade, a Catherine tem uma energia infinita. — Hendrick estava pasmo — Não é atoa que eles estão tão interessados nela.

Um toque na porta fechada foi suficiente para que a conversa fosse encerrada.

— Diretor Hendrick, alguns pais chegaram para uma reunião com o senhor. — Um garoto com pouco mais de 18 anos passava a mensagem.

Hendrick respirou fundo e se levantou.

— Depois falamos mais. Agora é hora de enfrentar os leões.

— Boa sorte. — Ivan acenou para o amigo.

Poucos segundos depois, Ivan estava novamente sozinho o que para ele era a porta para mais preocupações.

Mas naquele momento ele havia lembrado de acontecimentos passados, especificamente do enterro de Amélia.

Naquele dia, Ivan havia se distanciado de todos no velório e se sentado em um banco do lado de fora da igreja.

— Meus pêsames. Amélia era uma mulher admirável e uma guerreira habilidosa, a morte dela é uma perda inestimável para os caçadores.

A voz de Blanc fez o coração do viúvo acelerar, ele havia subestimado a capacidade daquele Minus em ser cruel.

— Você a matou.

— Até onde eu soube, a Bortoluzzi fez isso. — A voz de Blanc era calma.

— Experimentos em bruxas? Nunca imaginei que você fosse tão repugnante. O que fez para que ela ficasse daquele jeito? Lobotomia? Drogas?

— Ah! Está falando da falsa acusação que levantou contra o Minus não é? — Blanc tinha uma expressão debochada em seu rosto — Acho que você e sua falecida esposa é quem fizeram uso de drogas naquele dia.

— Eu vou destruir a sua carreira, Blanc. Eu vou acabar com tudo o que você ama e zela!

As palavras de Ivan eram tão pesadas que assustariam até o mais corajoso dos homens, mas para Blanc era como uma grande piada.

— Acabar comigo? Olhe no espelho Ivan, você já está acabado. Mas sabe, conseguir matar sozinho uma bruxa do nível de Elizabeth Bortoluzzi, é algo que merece respeito.

— É, você realmente parecia decepcionado quando chegou até a mansão. Acho que eu roubei o seu momento heróico, não é mesmo? — Ivan encarou seu inimigo com todo o ódio que era capaz de transparecer.

— Do que está falando? Agradeço a deus que aquele monstro não tenha tido a oportunidade de machucar mais ninguém fora daquela casa,

— Pai! — Um garoto que aparentava ter algo em torno de 12 anos chamava por Blanc.

— Já estou indo Josh. — O caçador da Minus se afastou de Ivan.

Antes que pudesse alcançar o garoto, Blanc se virou para Ivan , sorriu e disse de forma terna:

— Eu espero que encontre a calma para o seu coração.

— E eu espero que você encontre a morte. — Ivan respondeu friamente.

— Com esse inimigo, eu não precisarei me preocupar tão cedo.

— É CLARO! — Ivan socou com força a mesa do escritório.

Um pouco desnorteado, ele tentava organizar as informações que aquela lembrança havia lhe trazido.

— 15 anos e ele não envelheceu um dia… desgraçado… — O caçador andava de um lado para o outro enquanto encaixava as peças daquele quebra cabeça.

Depois de muitos minutos de reflexão, tudo o que restou para Ivan foi orar para que Ryu e Margareth conseguissem proteger Catherine da ambição de Blanc.


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Notas finais do capítulo

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