Greetings from midnight escrita por minhocauhaha


Capítulo 2
Uma criança amaldiçoada


Notas iniciais do capítulo

Demorei mas tá aqui.
Boa leitura!



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  Xx Cheryl Xx

 

   Eram 22:30, logo, completariam três horas em que eu estava respirando sem sofrer algum tipo de dano causado por um ser estranho qualquer vindo do sobrenatural. 

    Fazia parte de minha rotina ser constantemente atacada por coisas que só eu podia ver, tanto que nem costumo a sentir quando estou machucada. Era engraçado quando aparecia em casa com as pernas raladas e me perguntavam o que tinha acontecido, pois apenas aí eu notava que estava toda cagada de sangue. 

    —Boa noite. –Tentei chamar atenção da atendente, praticamente debruçada no balcão do bar. 

    Eu fui ignorada, portanto deixei isto cair em relevância porque perdia para a imensidão de pânico que a fome me causava. Estava com o estômago vazio a dois dias, tinha o hábito de comer constantemente, e por fim, tinha uma boa quantidade de dólares no bolso de meu casaco. De verdade, eu não iria perder a oportunidade de comer um x burguer por mais que o bar fedesse a cigarro barato e a Absolut.

   —Hey! –Bradei, soltando um pigarrear logo em seguida. 

    Foi como conquistar uma meta quando a mulher olhou em minha direção, e tudo o que pude perceber em sua expressão foi algo semelhante a um estado pasmo, e então, repentinamente pareceu como se a mesma estivesse tentando analisar algo desprezível. 

    —Eu gostaria de um x burguer com uma porção de batata frita. –Voltei a dar uma rápida lida no cardápio próximo a mim, que no caso tinha poucas variedades de comida. 

     É estranho esses adultos que bebem bastante, e não comem nada. O cardápio era lotado de bebidas alcoólicas, como cervejas artesanais, batidas, coquetéis e entre outros... sério, o que tem de tão bom nisso tudo? Eu fico muito satisfeita com um achocolatado. 

    —Tem refrigerante? –Indaguei enquanto a observava anotar tudo com um aparente receio.

    —Não... Aliás, aonde estão os seus pais?Eles estão por aqui? –Perguntava bem séria, assustando-me. 

    —Estão em casa. –Respondi simples, dando de ombros.

    —Isto aqui não é um lugar para crianças.  —Repreendeu-me, apontando disfarçadamente a ponta de sua caneta para alguns adultos sentados na parte dos fundos. 

    Havia algumas mulheres e alguns homens, todos se vestiam da mesma forma como se fizessem parte de um tipo de gangue. Jaquetas de couro, calças jeans rasgadas, alguns acessórios... góticos (?), além de que pareciam ser tatuados dos pés à cabeça. Era um estilo bem legal admito, ignorando o fato de que um deles estava quebrando uma garrafa de cerveja na cabeça de um sujeito aleatório. 

    —Então só me de meu lanche e eu vou embora. –Sorri amigável para a moça, e ainda assim recebi uma carranca como retorno. 

   —Certo, tem dinheiro para pagar pelo menos? Não quero uma marginal me assaltando. –Ergueu uma sobrancelha, assim como mamãe fazia quando repugnava alguma coisa.

  —Tenho sim. –Continuei com cara de paisagem, por mais que tudo aquilo me deixasse um pouco estupefata.

    É tão difícil tratar bem crianças que andam nas ruas desacompanhada de seus pais? Talvez devesse ser por minha aparência, eu seria facilmente confundida com uma moradora de rua, e sei muito bem como a sociedade se transforma perante a isto apesar de todas as suas imposições sobre “caridade”. Senti isso na pele o tempo inteiro durante a minha fuga. 

    —Tome aqui. –Sua voz retirou-me de um estado disperso, entregando-me o lanche em duas caixinhas de isopor.

    Poderiam ter se passado minutos, ou quem sabe uma hora. De verdade, eu nunca subestimo a minha capacidade de manter-me desfocada daquilo que acontece em minha volta, incluindo principalmente o tempo, que às vezes passa correndo enquanto divago.

   —Obrigada. –Coloquei qualquer quantidade de notas sobre o balcão, pegando a minha comida e ignorando os olhares sobre mim.

    Cabisbaixa e em passos rápidos, sai daquele lugar sem nem saber se havia pago menos ou mais do que o preço determinado no cardápio. Eu apenas queria matar o que estava me matando; e pela primeira vez não estou me referindo aos monstros. 

     Durante todo o percurso a procura de um lugar tranquilo — o que não demorei muito para achar por conta do horário. — peguei-me em flagrante lembrando-me das fitas que havia deixado no porão, dentro das caixas empoeiradas de papelão. Elas ainda valeriam algo? Mamãe as jogaria fora? Eu realmente me arrependi de não ter as roubado, porém tudo o que veio em mente no plano de fuga tramado com urgência foi roubar um monte de dinheiro e levar comigo meu chapéu da sorte. O porque de eu considerá-lo desta forma é uma longa história, além de ser bastante complexa e talvez quase impossível de ser compreendida por outras pessoas, apesar de parecer algo extremamente bobo. 

    Encontrei um pacifismo num parque abandonado e silencioso, localizado perto de uma floresta qualquer. Talvez não fosse uma boa para qualquer um, mas os meus instintos tinham sido utilizados por tanto tempo que estava cansada de previnir-me o tempo todo, de sentir medo o tempo todo, a cada fração de segundo. Eu realmente precisava de um tempo para digerir tudo.

    Sentei-me em um balanço que era sustentado por correntes enferrujadas, começando a comer meu lanche bem calma, e então pensei automaticamente: Será que Toby estaria bem?. Porém logo em seguida senti-me incomodada por tal preocupação, porque o garoto com certeza tinha algo a ver com o sequestro de minha irmã. Era doloroso estar tão convicta disto, sentir estar certa numa paranoia que parece ter todo o sentido do mundo. Ticci teve uma forma estranha de cativar a nós duas, tão estranha que... Tinha certeza que em algum momento ele iria cagar com tudo, de verdade. 

    Terminando de comer o sanduíche e partindo com tudo para a porção de fritas, pude ver um vulto pelo canto de meus olhos. Por força do hábito levantei-me em urgência, já com a respiração ofegante e com as batidas do coração alteradas. É, estava tudo perfeito demais para ser verdade. 

    —Não precisa ficar tão alarmada pequena Cheryl... –Uma voz rouca pareceu ecoar pelo ambiente, e isto deixou-me um tanto confusa e ao mesmo tempo por um triz de entrar em pânico. 

   —Quem é você? –Tentei soar corajosa, esforçando-me ao máximo para não gaguejar. –Saia daqui! –Bradei com veemência.

    A quem eu queria enganar? A coragem era bem interpretada por parte de meu estéreo, portanto nada tiraria o meu semblante de espanto, meu olhar procurando nervosamente pela criatura em cada espaço do parque, as mãos trêmulas e ligeiramente soadas. Eu ainda não sabia como lidar com tudo aquilo por mais que tenha sido concebida por tal maldição desde o dia de meu nascimento. 

   —Se eu fosse você, teria cuidado. –A calma carregada juntamente a um aspecto infantil em sua voz deixava-me ainda mais perdida, parecia que um nó em minha garganta sufocava-me aos poucos. –Estou aqui para lhe proteger, ou não se lembra de seu melhor amigo? 

   —Eu já tive muitos, e todos eles me abandonaram... –Soltei sem que percebesse, reprimindo os lábios.

   —Bom, você pode comprovar que eu sou diferente dos outros. –Soltou uma risada baixa e assombrosa, causando-me arrepios na espinha.

    Minha irmã sempre me dizia que eu tinha que enfrentar estes monstros, que o meu medo seria aquilo que serviria de alimento para os mesmos, portanto... sentia-me incapaz por completo, sendo consumida pela sensação constante de incapacidade e fraqueza, como se estes fossem superiores a mim num nível extremo justamente pelo fato de eu não ter conhecimento algum sobre eles, e eles terem conhecimento total sobre mim, sabendo como chegar ao meu íntimo. Era muito fácil me torturar, fazer-me de vítima, aliás, eu era apenas uma criança de 12 anos cuja estava desamparada em Portland, longe de casa e da família. 

    —Admito estar surpreso por não estar lembrada de mim Cheryl. –A voz foi se tornando cada vez mais audível, como se estivesse bem próximo de mim, e o que me agoniava era que não conseguia vê-lo. 

   —Eu não sei quem é você! –Berrei nervosa e ofegante. –SÓ ME DEIXE EM PAZ! TODOS VOCÊS! 

     Eu virei-me em intenções de pegar minha bolsa e sair correndo o mais rápido que podia, mas antes que pudesse fazer isto dei de cara com algo estranhamente fofo e listrado, fazendo-me cair para trás feito um saco de bosta. Apenas assim pude notar que a coisa havia assumido a sua forma, e está estava olhando fixamente para mim com seus olhos negros, inebriados no aspecto mórbido e levemente psicótico. 

   —Não me diga que é um bicho papão. –Caçoei, sorrindo debochada assim como a minha irmã o faria.

   —Vejo que melhorou seu senso de humor. –Arqueou levemente as sobrancelhas, inclinando-se de forma bizarra em minha direção por ser alto demais.

   Era um palhaço gótico, todo monocromático e com um nariz esquisito. Comparado aos outros seres que eu costumava a ver, este tinha a aparência menos assustadora, tanto que chegava a ser cômico. 

   —Meu nome é Jack, sou seu amigo imaginário. –Sorriu largo, amostrando seus dentes amarelados e pontiagudos.

   —Olha moço, fiz 12 anos recentemente, não tenho mais essa história de negócio imaginário não. –Rebati indignada, sentando-me para analisa-lo melhor. –Você é um bicho papão que com certeza saiu com defeito da fábrica do tio Lu. –Acabei soltando impulsivamente, inexpressiva.

   O seu rosto pintado contorceu-se numa carranca, como se o que eu tivesse dito fosse a maior ofensa do mundo, e então levou suas garras a proximidade de meu rosto, em uma previsível intenção de ameaçar-me com as mesmas.

    —Não me desafie. –Disse sombrio, e por um instante tive uma leve sensação de tontura ao olhar fixamente em seus olhos. 

    —Foi mal. –Engoli a seco, débil. –Desculpe, eu tenho que ir, nos vemos depois. –Ignorei suas garras, levantando-me e indo em direção a minha bolsa.

    —O que? O que é?! –Bradava Jack, dando-me a impressão de que estava praticamente correndo atrás de mim. –VOLTE AQUI SUA DESGRAÇADA! IRÁ SE ARREPENDER! –Comecei a rir.

    —Não vou não, eu tenho que arranjar outra porção de batatas, você me fez derrubar uma no chão. –Coloquei a mochila sobre meu ombro esquerdo, apertando meus passos. –De verdade, foi muito bom te conhecer, quem sabe sejamos amig...

    —QUE? –Cortou-me prontamente, surgindo em minha frente e fazendo com que eu desse de cara com sua barriga pela segunda vez, porém consegui equilibrar-me a tempo antes que caísse. –Escute aqui seu anticristo! Não me provoque ou irei lhe torturar assim como fiz com outras criancinhas melequentas da sua idade! –Ameaçou-me numa tentativa desesperada de me causar medo, franzi a testa em uma confusão.

    —Ata.

    —ATA? ATA????

    —O que eu poderia dizer? –Indaguei já começando a ficar com torcicolo de tanto que levava a minha cabeça para trás apenas para enxerga-lo. 

    —TERIA QUE GRITAR! OLHE PARA OS MEUS DENTES! OLHE PARAS AS MINHAS GARRAS? ELAS NÃO TE ASSUSTAM? –Puxava os cabelos negros para trás, irritado e em uma indignação nítida. 

   —Não Jack, por que eu me assustaria? –Suspirei cansada, seguindo o meu rumo. –Eu até achei legal o seu estilo.

   —Legal? –Sua voz antes alterada abaixou-se em um murmuro, e como sua voz era fanha isto lhe deixou ainda mais engraçado.

    —Tipo, eu costumo a ver coisas mais assustadoras e feias do que você. –Expliquei enquanto continuava a andar, e ele estava acompanhando meus passos, atento. –Uma vez eu vi uma menina com a cabeça dependurada, ela andava com um machado na mão... 

   —Interessante. –Soltou uma risada maléfica.

    —Deixa de ser zoado. –Ri, coçando meu nariz logo em seguida ao sentir um cheiro forte de terra molhada.

    Estava tão focada em fugir de Jack que havia esquecido que estava tomando rumo em direção a floresta, e por ali com certeza não teria uma porção de batatas crocantes. Maldito Jack... ex melhor amigo que nem me lembro, brotou do nada. 

   —Me diz, quando nos conhecemos? Disse que era meu melhor amigo e não me lembro de nada. –Toquei curiosamente no assunto, sorrindo minimamente.

    Parei ao notar que Jack não estava mais ao meu lado, ficando com cara de paisagem enquanto olhava em volta à sua procura. Fiquei incrédula, como alguém poderia surgir e ir embora tão rápido depois de insistir tanto? Sentia-me um embuste de pessoa.

    Eu olhei para frente novamente, e lá estava ela. A mesma mulher que eu havia citado para Jack. Ela sorria feito uma psicopata louca, com a cabeça dependurada e o corpo completamente ensanguentado, o machado na mão esquerda. É, eu estava ferrada.

    —Jack...? –O chamei trêmula, porém o palhaço realmente havia sumido.

    Meu instinto foi correr, aquela mulher era louca, ria alto e me causava pavor, tanto pavor que eu poderia parar para vomitar a qualquer momento pelo reviramento constante em meu estômago. Até que deu tudo errado, pois as raizes das árvores pareceram envolver meus tornozelos, fazendo-me cair de bruços e bater com o queixo numa pedra. 

    —Eu sou fraco Cheryl? –Era a voz de Jack em minha cabeça, rindo de minha desgraça. –Estarei me divertindo com toda a sua dor! 

    As raizes apertaram ainda mais meus tornozelos, subindo em minhas pernas e imobilizando-me por completo enquanto tentava desesperadamente rastejar cravando minhas unhas naquele barro, sem ar algum e com o pânico transparecendo por todo o meu ser só de imaginar aquela mulher me estrangulando com aquele machado. Era como reviver um trauma. 

    —JACK POR FAVOR! –Implorei ao ouvir a risada da louca ecoar pela floresta. –PARE COM ISSO!

    —Apenas curta o show que fiz especialmente para você Cheryl...

    E foi assim que nomeei Laughing Jack como o maior filho da puta da história. 


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