Bowgarden: A manhã vermelha escrita por J P L Castilhos


Capítulo 2
II: Mais um dia




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II
Mais um dia

Apesar de ter entendido o significado da frase do meu pai, eu não dormi muito melhor. Levantei-me assim que acordei. Desci as escadas até a mesa de jantar, onde comi algumas maçãs. Talvez elas estivessem estragadas, pois estavam com um gosto estranho. Não que eu me importasse com isso naquele momento.

Após isso, pensei em pegar a espada da família e por a prova em algum boneco de treino. Essa espada não era usada desde que meu pai deixou de ser caçador, ou seja, desde que ele morreu. Tirei ela de seu pedestal e a analisei bem.

Era inegável o fato de que era uma espada linda. O cabo revestido de couro dava em uma proteção de punho feita para se parecer com a galhada de um cervo. A lâmina, branca, deveria lembrar a neve que cobre nossas casas e árvores na maior parte do ano. Mas tudo o que ela conseguia me lembrar era do quanto meu pai gostava dela.

O dia em que recebi a espada foi incrível. Meu pai estava tão orgulhoso de me ver crescer o suficiente para me nomear o seu sucessor. A felicidade dele era contagiante. Ao me lembrar desse dia, eu deveria me sentir feliz. Mas eu não poderia estar mais melancólico.

Uma lágrima solitária me escapa. Tento afastar os pensamentos sobre meu pai, tudo o que eu queria agora era testar o fio da espada. Afinal, uma lâmina cega seria inútil contra o deus Morte.

Vesti um casaco e saí de casa apressado. Assim que abro a porta, a neve toma conta dos meus pés. Começo a subir a rua para chegar a um quartel onde posso testar o fio da espada. Passo por vendedores ambulantes, cidadãos comuns, fazendo compras ou conversando. Cheguei perto do ferreiro da cidade também, o calor da forja derretia a neve em volta do estabelecimento. A cidade se encontrava movimentada como sempre.

Chegando perto do quartel, vejo um homem saindo do mesmo local. Afasto meu cabelo cobreto de neve para ver melhor. Reconheço Louis, um antigo amigo do meu pai, aparentemente tão abalado quanto eu, pois estava com uma aparência detestável. Talvez tenha bebido demais.

Ele me vê e se aproxima, cambaleando um pouco, o que, de certa forma, confirma minha suspeita de que estava bêbado. Ele me da um “oi” desajeitado, deixando com que os cabelos longos tampem sua visão. Ele os afasta, mostrando o rosto de pele escura e a barba com restos de comida grudados.
— E então, Edwünd. – Ele diz, com uma voz cansada. – Como está?
— Olá, Louis. – Respondo, desanimado a falar. – Não muito melhor do que você.
— Imagino. – Louis para por alguns segundos, parece refletir sobre algo. Depois, volta a falar. – O impacto deve ter sido muito maior para você.
— É... foi sim. – Realmente não estava sendo uma conversa agradável. Tento mudar de assunto. – E o quartel? Está aberto?
— O quartel? Ah, sim, está. – Ele aponta as portas de madeira entreabertas pelas quais ele havia saído. – Eu estive por lá.
— Sim, reparei nessa parte...
— Pois bem, minha noite foi longa. Estou indo para casa agora. Até mais Edwünd.
— Até.

Vejo Louis ir embora cambaleando até virar a primeira esquina. Ele e meu pai eram muito amigos. Volta e meia estavam no “Pena de fenix”, a taverna mais conhecida da cidade bebendo umas e outras. Certas vezes eu fui junto com meu pai. Vi meu pai e seus amigos fazerem muita coisa. As vezes até se metiam em brigas, que, na maioria das vezes, acabava em mais um caneco de cerveja.

Mais lembranças das vezes em que fui nas tavernas com meu pai chegam. Me vejo com um sorriso aberto ao imaginar tudo aquilo acontecendo novamente. Mas esse sorriso logo é levado pelo vento frio ao me lembrar do fato de que nunca mais presenciarei esses momentos.

Abro mais um leve sorriso. “Vento frio” que piada horrível.

Entro no quartel e fecho a porta. Quase instantaneamente sinto meu corpo ser aquecido. Há uma lareira grande por perto, feita de mármore branco. A minha frente eu vejo uma porta que leva ao pátio de treinamento. Sem pensar muito eu vou até lá, ignorando a outra porta que leva a algúm outro lugar que não consigo lembrar.

Tão rápido quanto aqueceu, meu corpo agora esfria ao voltar ao ar livre. Vejo diversos bonecos criados para serem cortados com espadas ou espancados com qualquer outra coisa diferente de um arco. Mais distante vejo alguns alvos prontos para serem atingidos por flechas. Sem fazer cerimônia, retiro minha espada da bainha e vou em direção a um boneco aleatório.

Começo a acertá-lo de diversas maneiras. Por cima, por baixo, na esquerda e a direita. Logo começo a golpear com mais força, mais intensidade. Usar aquela espada ainda me lembra meu pai, e me faz sofrer pela morte dele. Após alguns minutos, o boneco ja está em frangalhos. Com um grito de frustração e tristeza, ataco o boneco mais uma vez usando toda a minha força. Acabo por dividí-lo ao meio.

Mais uma vez deixo escapar uma única lágrima. Merda, não quero mais chorar por isso. Já chega, não? Interrompendo meus pensamentos, mais um conhecido meu e amigo do meu pai chega e me chama a atenção. Se me lembro bem, o nome dele é Ygor.

Eu abaixo minha espada. Ygor toca meu ombro e mira meu rosto com seus olhos azuis como água. A enorme barba dourada lhe dava um ar severo em contraste ao cabelo curto igualmente dourado.
— Olá. – Ele diz com sua voz grossa. – Acho que esse boneco ja aprendeu a lição que devia, não é?
— É. – Digo, enxugando a única lágrima que derrubei. – Acho que sim.
— Olhe, eu queria dar meus pêsames a você. – Ygor disse – Mas tenho certeza que você ja sabe disso.
— Foi só o que ouvi o dia todo. – Falei, de forma grosseira. Não que eu quisesse ser assim, mas eu realmente estava cansado de falar do meu pai. – É só isso que veio falar?
— Não. Vim falar sobre o diário do seu pai. E a profecia.
— Ah... – Merda. Já não bastava a morte do meu pai, ainda tenho que aguentar essa história sobre a maldita profecia. – O que tem a profecia?
— Eu sei que agora não é a melhor hora para falar disso. Mas você não pode seguir o que o seu pai lhe disse por meio do diário.
— O que? – De repente me sinto espantado pelo que Ygor disse. Ignorar o que o meu pai disse? – O que quer dizer?
— Seu pai lhe disse que, caso o seu sofrimento fosse inevitável, era melhor que você não enfrentasse Morte. Me desculpe, mas as palavras do seu pai me parecem egoístas.
— Mas ele só quer minha segurança! – Falei, mais alto do que pretendia. – Ele não ia gostar de me ver sofrendo, ia?
— É claro que não. Me escute. – Ygor adotou um tom mais severo. – Seu pai escreveu aquilo quando você tinha dez anos apenas. Ele via você como uma criança fragil. Agora você ja tem vinte e um anos. É um adulto. Não é mais ingênuo e muito menos frágil. – Ygor apontou o boneco destroçado. – Você pode decidir o destino do mundo. Não pode seguir um pensamento egoísta.
— Está bem. Já entendi. – Murmurei, ja impaciente com aquela situação. – Agora me deixe, por favor.
— Tudo bem, Edwünd. Deixarei você em seu espaço. Mas lembre-se do que eu disse!

Concordei com a cabeça e esperei Ygor se retirar do local. Sinceramente, eu não estava com paciencia para ouvir coisa alguma. Então simplesmente embanhei minha espada e resolvi ir embora também. Voltei todo o caminho que percorri até chegar em casa.

O resto do dia seguiu calmo. Não saí mais de casa, portanto, não encontrei mais ninguém que pudesse encher minha mente de perguntas ou pêsames. A noite caiu após várias horas decorridas. Não me demorei a jantar um bom pedaço de carne e depois ir dormir. Subi as escadas em direção ao meu quarto. Fiquei deitado na minha cama por um bom tempo até adormecer.


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Notas finais do capítulo

Sinceramente, eu estou adorando escrever essa história. E digo mais, ela não vai acabar tão cedo! Ainda tem muita coisa para acontecer!



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