Bowgarden: A manhã vermelha escrita por J P L Castilhos


Capítulo 1
I: A profecia




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I
A profecia

“Meu nome é Rönan Coldwind. Recentemente tive meu primeiro filho, e devo dizer, estou feliz por isso, mas também sinto tristeza por minha mulher, morta no parto.

Devido a isso, tive de decidir sozinho o nome de meu filho. Acabei optando por ‘Edwünd’, nome de um antigo herói que era de nossa família. Durante anos eu criei Edwünd com tudo o que pude fazer, sempre fomos bem modestos em relação a dinheiro, portanto, eu tinha que trabalhar de alguma forma. E a forma que estava disponível era como caçador de recompensa...

Eu realmente nunca me orgulhei dessa ‘profissão’, se é que posso chamar assim, mas era o que estava disponível, e eu precisava de dinheiro. Meu filho, caso um dia você esteja lendo isso, peço que me perdoe por todas as vezes em que deixei você sozinho ou com alguém que você mal conhecia. Mas eu quero que saiba: Era tudo por você, pelo seu bem estar.

Quando meu filho completou seus dez anos de idade, levei-o até o sábio de  nossa vila. Apesar de eu não gostar muito da ideia, eu sei que é o que minha esposa teria feito. Lembro-me de Edwünd ter comentado: “Que cheiro é esse pai?” logo após entrarmos na tenda cheirando a enxofre em que aquele homem residia. Até mesmo eu me impressionei quando vi a enorme quantidade de bugigangas que o sábio mantinha espalhadas por aquela tenda. Até hoje me pergunto como ele consegue viver la dentro.

O sábio, porém, não era chamado de sábio a toa. Fora ele quem havia previsto o nascimento do meu filho, e, acredite se quiser, até mesmo a data ele acertou. Agora eu estava levando meu garoto para ter seu futuro previsto pelo sábio. Sinceramente eu sempre achei que ele fosse uma farsa até o momento em que preveu o nascimento de Edwünd, mas agora não posso evitar acreditar que ele consiga saber o futuro também.

Anunciei minha chegada ao velho homem, ele se virou e me observou com os olhos velhos e enrugados por baixo do capuz carmim. Depois olhou para meu filho, e abriu um leve sorriso. Senti a mão de Edwünd apertar a minha com mais força.
— Olá, velho sábio. – Falei em voz baixa. – Trouxe meu filho para que avalie seu futuro.
— Ah, sim, o futuro... – Disse o sábio com voz sonhadora. Novamente abrindo um sorriso.- Tão incerto, e tão concreto ao mesmo tempo. É intrigante, não é?
— O futuro que me interessa no momento é o do meu filho. – Interrompi. Afinal, não fui la para ficar contemplando os pensamentos de um velho. – Avalie-o e diga o que descobrir.
— Direto ao ponto hein... Pois bem, traga-me o garoto.

Sinalizei a meu filho para que fosse até o sábio. Ele hesitou, devia estar com medo ou algo assim. Tentei tranquilizá-lo com o olhar e insisti que fosse. Não sei se deu certo, mas ele foi mesmo assim. O sábio mais uma vez sorriu, talvez com o mesmo objetivo que eu tive de tranquilizar Edwünd. Ele estendeu os dedos magros e disse para Edwünd fazer o mesmo.
— Isso, muito bem. – O sábio falava de forma calma e serena agora, lembro-me inclusive de ver ele fechando os olhos ao tocar a mão do meu filho. – Ah, vejo... Espere... Não, não pode...  Isso é... Pelos deuses...
— O que houve? – Falei rapidamente, fiquei nervoso por alguma razão. – O que está vendo?

O sábio abriu os olhos e mirou meu rosto. Evidentemente eu interrompi o vislumbre que ele estava tendo do futuro de Edwünd. Mas isso não passou pela minha cabeça na hora. Eu só queria saber o que ele viu. Após alguns segundos de silêncio, vi o velho fazer aparentemente o rosto mais amigável que conseguia e dizer para meu filho:
— Garotinho, vá brincar la fora um pouco. Seu pai e eu precisamos conversar.

Vi meu filho sair rápido da tenda, obviamente ansioso para sair dali de uma vez. Assim que Edwünd saiu, tentei perguntar ao velho o que ele havia visto, mas fui interrompido pelo mesmo, que disse:
— Seu filho não terá um futuro agradável...
— O que quer dizer com isso? – Falei desesperado, esperando ouvir a pior das notícias. – Ele vai ter uma vida muito curta? Algo vai acontecer com ele? Ande, diga logo!
— Acalme-se, Rönan. – O sábio levantou uma das mãos esqueléticas. – O menino vai ficar bem. Pelo menos, a certo ponto de vista.
— Ponto de vista? Como assim?
— Bem, eu sei que você não segue a cultura dos deuses, então, suponho que não conheça a profecia da morte?
— Não, de fato não conheço. Essa profecia se refere ao deus caído Morte?
— De fato, sim. A lenda diz que, um dia, o deus Morte se reerguerá do plano para onde foi banido, chegará ao mundo dos homens e causará um caos eterno. Porém, a lenda também fala de um herói entre os homens, alguém corajoso o suficiente para enfrentar o deus caído, e forte o suficiente para derrotá-lo. Rönan, eu desconfio que esse herói seja seu filho.
— Mas, isso não é uma boa notícia? Você pareceu preocupado quando fez a previsão.
— Não, não é uma boa notícia. A mesma lenda diz que esse herói que derrota a Morte, acaba tendo um destino terrível.
— Então... Meu filho salvará a todos e depois... Vai morrer?
— Se na sua opinião ‘um destino terrível’ significa morrer, então sim.
— Você quer dizer, então, que o destino dele pode não ser a morte, e sim algo pior.
— Exato.
— Deuses... – Naquele momento eu não podia estar pior, meu filho salvaria o mundo, e isso era bom, mas após isso sofreria muito. E para um pai, não há nada pior do que ver o seu filho sofrer. – Mas... Existe alguma possibilidade de isso não acontecer?
— Como eu disse antes, Rönan. O futuro é muito incerto, mas, ao mesmo tempo, muito concreto.

Essa foi a última vez que visitei o sábio. Agora, estou escrevendo nesse diário tudo o que presenciei. Edwünd, se um dia você ler isto, eu peço, tente ao máximo alterar o seu futuro. Se puder, salve o mundo e as pessoas de Morte. Mas só salve se souber que não há nenhum risco de sofrer depois. Eu não quero que você sofra. Não me obrigue a ver você ter um destino terrível.”

Rönan Coldwind
384 D. r.

Essas são as palavras que vi no diário do meu pai. Eu nunca soube de nada disso. Todas as vezes que perguntei ao meu pai o que ele havia conversado com aquele senhor estranho, ele mudava de assunto ou dizia que agora não era a hora de saber. Agora que a doença o levou, eu encontrei esse diário guardado dentro de seu baú pessoal. Dez anos depois de ser escrito.

Agora que sei meu destino iminente, não tenho ideia do que fazer. Morte pode surgir a qualquer momento, e eu não estou nem um pouco preparado para quando o momento chegar. Meu pai me ensinou a manejar um espada, e eu herdei a espada da família, branca como o céu nublado. Mas eu duvido muito que isso será o suficiente para deter um deus, ainda que caído.

Resolvi me deitar. O dia hoje foi cheio e muito triste. Estive no funeral do meu pai junto com os amigos dele e alguns dos meus. Ninguém disse nada. Ninguém tentou me consolar. Ninguém se pronunciou. Na verdade, acho que foi melhor assim, pois estive absorto em meus pensamentos em relação a meu pai. O qual eu era muito conectado, afinal, era o único parente que eu tinha.

Entrei na casa em que vivi minha vida toda. Passei pela mesa de jantar, a lareira, o forno no qual meu pai cozinhava e também me ensinou a cozinhar, até chegar nas escadas. Subi a escada em espiral até chegar às portas dos quartos, uma a esquerda e outra a direita. A da direita levaria ao quarto do meu pai, no qual eu sinceramente não quero entrar,  ja chorei demais por hoje. Então entrei na porta a esquerda e entrei no meu quarto. Nem mesmo tirei as roupas pretas e ja me atirei na cama, afastei meu cabelo do rosto e cocei a barba.

“Amanhã é outro dia.” Meu pai sempre dizia isso quando tinha um dia ruim. Quando era criança eu nunca entendi direito o significado dessa frase. Eu pensava: “Ora, mas é óbvio que amanhã é outro dia. Será que papai está ficando louco?” Certa vez eu o questionei sobre isso e ele me disse: “Você pode não entender agora, Edwünd, mas um dia você vai compreender o que eu quero dizer.”

Sim, hoje eu entendo o que essa frase significa. E talvez seja bom que eu a aplique agora. “Amanhã é outro dia.” Fico pensando nisso por um bom tempo até adormecer.


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