A viagem do tigre - Pov dos tigres escrita por Anaruaa


Capítulo 32
O mar de leite - Ren




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Kelsey me pediu que a acompanhasse até o quarto, pois queria conversar. Pela expressão em seu rosto, eu sabia que ela havia tomado uma decisão importante. Eu mal podia esperar para ouvir que ela havia me escolhido.

Ela começou a falar. Falou sobre o tempo em que estávamos no Óregon e eu a incentivei a sair com Li.

—Você disse que, se eu escolhesse Li, iria apoiar minha decisão. Que o importante era você estar perto de mim. Que se eu só pudesse lhe dar amizade, você iria aceitá-la.

— Foi. Aonde quer chegar com isso, Kelsey?

— Estou quase lá. Tenha paciência.

Ela parou de falar, distraída com os pequenos animais que pareciam massagear seus pés quando ela pisava descalça no chão transparente. Me encostei no batente, já impaciente:

— Estou tentando dizer que, quando eu soube que nós tínhamos que ficar juntos, eu escolhi você.

— Sim, eu me lembro.

— Mas você prometeu que, se eu tivesse escolhido Li, sempre ficaria do meu lado. Que seria meu amigo para sempre. Isso é verdade? Mesmo que eu tivesse escolhido outra pessoa?

— Você sabe que sim. — Eu me aproximei e peguei sua mão. — Eu jamais abandonaria você.

Ela respirou fundo.

— Que bom, porque acho que eu não ia gostar muito de uma vida sem você. Você também sabe que eu sempre vou ser sua amiga, não sabe? Que eu jamais iria abandoná-lo?

Eu fiquei confuso e me inclinei para trás, tentando ver seu rosto, então respondi, ainda sem entender onde ela pretendia chegar com aquela conversa:

— Sim. Eu sei que você é minha amiga.

— E o mais importante é que nós somos uma família, certo?

— Certo.

— Muito bem. Então eu vou dizer uma coisa, e preciso que você compreenda que pensei muito sobre a questão. Quero que você abra a cabeça e escute.

Cruzei os braços e fiquei sério:

— Muito bem. Estou escutando.

— Primeiro, preciso esclarecer uma coisa. Quando você e Kishan estavam declarando seus sentimentos a Jīnsèlóng, você falou a sério tudo o que disse?

— Falei. Cada uma das palavras foi muito sincera.

— Esse era o meu medo.

— Por que está dizendo isso?

— Bom, lá vai. Você é o meu primeiro amor. É mais importante para mim do que a água ou o ar. Graças a Lùsèlóng, você já sabe disso, mas o mínimo que posso fazer é confirmar. Eu queria ter sido capaz de poupar você de toda a dor e a tortura por que passou. Gostaria que Lokesh não tivesse encontrado a gente e que ainda estivéssemos na faculdade. Tudo era fácil naquela época.

Eu ergui uma sobrancelha. Ela continuou:

— Bom, pelo menos era mais fácil. Eu queria que nós nunca tivéssemos nos separado e que você estivesse comigo em Shangri-lá.

Eu ergui a mão para acariciar o rosto dela, um pouco menos tenso do que eu estava segundos antes. 

— Você sabe que eu penso a mesma coisa.

— É, eu sei. Mas isso não muda nada. Refleti sobre isso durante muito tempo. Para falar a verdade, desde que você me esqueceu. — Ela desviou o olhar e falou gaguejando: — Isto não é fácil para mim, e não estou falando de maneira leviana. Mas, pesando tudo na balança, simplesmente é o que faz mais sentido.

— Ande logo com isso. O que está tentando dizer?

Ela respirou fundo e me olhou nos olhos.

— Você fica tentando fazer com que eu reconheça que ainda estou apaixonada por você. E tem razão. Eu estou. Estou loucamente apaixonada por você e não sei se algum dia o que eu sinto por você vai mudar, mas...

— Mas o quê?

Eu não estava gostando do rumo que a conversa estava seguindo. Fiquei tenso

— Mas... eu não posso escolher você desta vez. Eu escolhi... Kishan.

Aquelas palavras bateram como uma pancada. Eu tirei a mão do rosto de Kelsey e me afastei. Eu estava com raiva. Como ela podia escolher o outro, mesmo sabendo que meu coração era dela? Como ela podia dizer que ia ficar com ele, quando nós dois sabíamos que era a mim que ela amava? Ou não? 

Ela amava Kishan. Era ele quem ela queria. Ela queria ser minha amiga.

Eu compreendi então, que se ela me quisesse, nós estaríamos juntos desde que minha memória voltou. Mas desde aquele momento, ela o tinha escolhido. Kelsey tocou o meu braço, e falou preocupada:

— Preciso que você compreenda. Isso não significa que eu não precise de você. Eu sempre...

— Claro. Eu compreendo.

Eu me virei para sair, mas Kelsey correu até a porta:

— Mas, Ren...

Eu virei o rosto de leve, sem olhar para ela e respondi friamente:

— O tigre branco sempre vai ser o seu protetor, Kelsey. Adeus, priyatama.

Saí dali um pouco entorpecido. Eu não estava com raiva, nem triste. Eu não conseguia sentir. Era como se meu coração tivesse sido tirado de mim, pelo menos a parte correspondente ao amor que eu sentia por Kelsey. Ele ainda existia, mas estava em algum lugar que eu não poderia acessar.

Voltei para a sala e encontrei o dragão. Kishan já tinha ido para o quarto. Me despedi de Yínbáilóng e fui para o meu. Não consegui dormir direito. Meu sono estava agitado, meu corpo doía. Transformei-me em tigre e consegui descansar um pouco.

Na manhã seguinte, encontrei Yínbáilóng e Kishan sentados à mesa do café da manhã. Kelsey se juntou a nós pouco tempo depois. Eu desviei o olhar para não encará-la. 

—Hummm... que cheiro bom.

—Não quer se juntar a nós, minha cara?—convidou o dragão, educado. —Nossa, você está... felpuda.

Ouvi a risada de Kishan, e Kelsey responder irritada:

—Não tem graça. Vocês por acaso não têm uma escova ou um pente, têm?

Kishan respondeu:

—Não. Desculpe, Kells.

—Yínbáilóng?

—Nós, dragões, não precisamos de tais acessórios.

Lembrei-me do pente que eu tinha conseguido com o dragão dourado. Olhei para Kelsey e seus cabelos estavam embaraçados. Então me lembrei de quando nós chegamos à Índia e eu podia ser homem por apenas 24 minutos por dia. Lembrei-me da vez em que eu penteei os cabelos dela e como me senti feliz.  

Afastei aquela lembrança rapidamente e lhe ofereci o pente, tentando não encará-la. Eu me virei para pegá-lo na bolsa de tesouros, então me levantei e caminhei até ela. Parei do lado de sua cadeira e lutei contra o desejo de tocá-la, de pentear seus cabelos perfumados. Coloquei o pente ao lado do seu prato e saí da sala.

Depois do café, nós quatro nos reunimos na sala de estar. Yínbáilóng nos explicou como chegaríamos ao colar de Durga e nos disse que precisaríamos atravessar os túneis de gelo para chegarmos até uma fonte de leite, e que teríamos que atravessá-los rapidamente, pois os animais que habitam as águas mais profundas poderiam romper esse túneis.

Kelsey estava penteando os cabelos, distraída e por um momento eu também me distraí, observando-a e me lembrando de uma outra época, em que eu tinha sonhos e e esperança. Desviei o olhar quando ela se virou para mim. O dragão estava explicando que apenas alguém com sangue dos Deuses correndo nas veias poderia resgatar a chave. Eu não entendi o que ele quis dizer, mas não me importei muito com isso. Kishan estava muito atento às orientações de Yínbáilóng. Nós três formulamos um plano e estávamos prontos para partir.

Seguimos o dragão até um salão vazio, que ele chamava de “aquário”. Do lado de fora havia muitos animais marinhos, incluindo peixes enormes e de aparência estranha, que deixaram Kelsey assustada. Uma silhueta escura enorme passou pela caixa de gelo e soltou um urro.

—O que foi aquilo?—perguntou Kelsey assustada.—Por favor, digam que não foi um tubarão gigante.

Yínbáilóng deu risada.

—Foi uma baleia cachalote. Elas são as únicas criaturas grandes que conseguem chegar a esta profundidade. De vez em quando gostam de parar para fazer uma visitinha.

—Ah. E em que profundidade nós estamos?

—Bom, vamos apenas dizer que, normalmente, vocês não conseguiriam sobreviver aqui. A pressão iria matá-los. Felizmente, estão protegidos, desde que permaneçam nos meus domínios. Os dragões suportam qualquer pressão. Eu poderia sobreviver até na fossa das Marianas, a mais profunda do oceano, apesar de não ser um lugar muito agradável para um passeio. Prefiro o fundo da zona batipelágica.

—O que é isso?—perguntou Kishan.

—Os oceanos são divididos em quatro zonas de acordo com a profundidade. Jīnsèlóng vive na zona eufótica, que compreende os primeiros 200 metros do oceano. Ali crescem plantas e há uma ampla variedade de vida marinha. Mas ele sai de lá para buscar tesouros em todas as zonas. A zona mesopelágica é a seguinte. Ela não tem vida vegetal, mas diversos animais buscam sustento em suas profundezas. É ali que se encontra a maior parte das espécies de tubarão.

O dragão branco lançou um sorriso breve para Kelsey e prosseguiu:

—Nós estamos entre mil e quatro mil metros de profundidade, a zona batipelágica, onde o único grande animal, como mencionei, é a cachalote. O alimento é escasso, mas eu sustento aqueles que escolhem compartilhar do meu reino. Logo mais é a hora da refeição, que é uma coisa e tanto de se ver. Abaixo deste nível fica a zona abissal, que prossegue até o fundo do mar. Não acontece muita coisa por lá. Mas o Sétimo Pagode de fato se localiza na parte superior da zona abissal. Na verdade, não é muito mais profundo do que este lugar em que estamos agora e, depois que chegarem ao mar de leite, a viagem deve ser tranquila.

Kelsey deu uma cotovelada em Kishan.

—Mar de leite? Já falamos sobre isso?

Kishan se inclinou para perto e sussurrou:

—Depois eu explico.

—Obrigada.

Eu estava inquieto. Queria sair logo dali. A experiência naquele castelo não tinha sido positiva para mim, apesar de Yínbáilóng ser o dragão mais gentil que encontramos. Eu queria me agitar para conseguir parar de pensar em Kelsey.

Kishan pediu ao lenço que preparasse roupas de inverno para Kelsey, que parecia não saber o que estávamos fazendo. Ela esteve distraída durante a conversa com o dragão e não prestou atenção em nada do que dissemos. Me perguntei em que ela estava pensando, mas afastei esse pensamento rapidamente.

—Você não acha que exagerou um pouco? Estou me sentindo um boneco de neve.

—Faz frio no lugar para onde vamos—explicou Kishan.—E...

—Afastem-se—interrompeu o dragão.—Preciso assumir minha forma natural para abrir as portas.

Yínbáilóng se transformou em um dragão branco e reluzente. Kelsey o olhou encantada:

—Você é lindo!

—Obrigado, minha cara. Gosto de pensar que sou. Agora, recuem para que eu possa abrir a porta.

O dragão disparou uma estranha luz azul, que fez com que uma porta aparecesse onde antes não havia. Em seguida, retornou à sua forma humana:

—Pronto. Atravessando esta porta, há um caminho que vai levá-los diretamente ao mar de leite. Uma vez que o cruzarem e encontrarem a guardiã, ela vai conduzi-los à chave e ao Sétimo Pagode. Escutem as instruções dela com atenção. Então, querem ajuda para prender as correias?

—Boa ideia—disse Kishan.

—Você primeiro, minha cara. Vamos garantir que fique confortável.

Kishan conduziu Kelsey até o trenor que o dragão havia nos oferecido e colocou cobertores sobre ela. Kelsey parecia não entender o que estava acontecendo. Ela não tinha prestado atenção quando aceitamos o conselho do dragão para que puxássemos o trenor como tigres, pois seríamos mais rápidos e estaríamos mais aquecidos. Ela não parecia satisfeita.

Kishan e eu nos transformamos e o dragão nos prendeu ao trenor. Ele nos desejou sorte, depois fechou a porta de gelo, deixando-nos em uma caverna escura, iluminada apenas pelos olhos de Fanindra, que começaram a brilhar.

Nós começamos a correr, puxando o trenor atrás. Muitos animais nos observavam interessados. Kishan e eu sabíamos que precisávamos ser rápidos, então corremos por horas, parando por pouco tempo para descansar. Paramos à noite e dormimos como tigre, para nos mantermos aquecidos e para aquecermos Kelsey. Conforme havíamos planejado. Ela pediu ao lenço uma barraca e cobertores. Kishan e eu nos deitamos com ela, cada um de uma lado.

Na manhã seguinte, continuamos a viagem. Seguindo às orientações do dragão branco, chegamos à sala, onde a fonte congelada se encontrava. Nos transformamos e pedimos ao lenço roupas quentes para nós. Kelsey foi até a fonte e Kishan se aproximou dela:

—Agora é com você, Kells. Liberte a guardiã.

—Como? O que eu tenho que fazer?

—Derreta o gelo—respondeu Kishan, apontando com a cabeça para a fonte.

Kelsey sorriu aliviada:

—Isso eu posso fazer. Água corrente... é pra já!

Ela tirou as luvas e começou a emitir raios a partir do alto da fonte, que começou a derreter. Mas logo o poder de Kelsey começou a falhar.

—Qual é o problema?—perguntou Kishan.

—Ela está com frio. — Respondi.

Kishan se aproximou e segurou as mãos de Kelsey, esfregando-as entre as dele.

—Assim está melhor? Tente agora.

Kelsey tentou novamente, mas seu poder se enfraqueceu muito rápido. O gelo começava a se refazer, quando Kishan sugeriu que Kelsey descansasse. Mas eu sabia que descansar não adiantaria. Ela precisava de calor. Do meu calor.

Aproximei-me dela, mas ela se recusou, balançando a cabeça. Parecia ter medo de mostrar a Kishan. Eu insisti:

—Não seja teimosa, Kelsey.

Ela esfregou as mãos com força e disse que conseguiria sozinha. Ela ergueu os braços, respirou fundo e começou a liberar seus raios. O gelo começou a se derreter rapidamente. Eu fiquei olhando para Kelsey, preocupado.

Ela estava suando e respirando rápido. Então ela olhou para a fonte derretida e sorriu, desabando em seguida aos pés de Kishan, que estava a seu lado e a segurou nos braços, colocando-a perto da fonte. Eu caminhei até ela e reclamei que aquilo havia sido desnecessário.

Quando eu finalmente olhei para a fonte, fiquei impressionado com a beleza. Para começar, a água era cor de leite, e havia uma sereia viva, banhando-se nas águas. Ela apontou o dedo para Kishan e deu risadinhas:

—Mas que garota de sorte você é para ser carregada no colo por um homem tão lindo.

—Sou, sim. Tenho tanta sorte que nem imagina. Você é a guardiã da chave?

—Isso depende— ela se inclinou para a frente e sussurrou: — Cá entre nós, garotas, será que posso ficar com um desses dois?

—O que exatamente você gostaria de fazer com ele?

A sereia riu:

—Tenho certeza de que posso pensar em algo.

—Eles têm garras e rabo, sabia?

—E eu tenho escamas. E daí?

—É, você tem mesmo escama—disse Kishan, baixinho, em tom de apreciação.

Kelsey lhe deu um tapa de leve:

—Pare de olhar.

—Certo— ele limpou a garganta.—Nós realmente precisamos da chave para o Sétimo Pagode. Hum... Qual é o seu nome?

Ela fez um biquinho:

—Kaeliora. Tudo bem, vocês podem levar a chave. Mas vão ter que pegá-la sozinhos. Se não posso ficar com um dos homens, então não há nenhum bom motivo para voltar a molhar o cabelo.—Ela franziu a testa e espiou seu reflexo na água.—Está coberto de gelo faz tanto tempo que as raízes estão ressecadas— reclamou, antes de pegar um pente feito de coral e começar a pentear com cuidado o longo e volumoso cabelo loiro.

Kaeliora era linda e parecia estar querendo chamar a atenção. Kelsey parecia irritada.

—E então? Cadê a chave? Não precisa molhar o cabelo. Eu pego.

—Certo, mas, primeiro, onde está o meu presente?—exigiu ela, agitando os dedos.

—Que presente?

—Você sabe... Alguma coisa colorida e viva.

—É... desculpe. Nós não trouxemos nada para você.

Ela fez biquinho novamente.

—Então acho que não vou poder ajudar.

—Espere— Eu disse ao me lembrar do colar de lótus que estava na bolsa.

—A profecia dizia para deitar a coroa no mar de leite. É isto que você quer, Kaeliora? Flores?

Eu deitei o colar sobre as águas leitosas da fonte e a sereia ficou satisfeita.

—Ah!—Ela pegou o colar e aninhou os botões junto ao rosto.—Faz milhares de anos que não sinto o cheiro de um botão fresco. É perfeito.

Ela ajeitou o colar no pescoço e sacudiu o rabo, feliz. Nós três a observávamos, esperando que ela voltasse a falar conosco. Mas Kaeliora parecia ter se esquecido de nós, admirando a si mesma pelo reflexo da água. Kelsey perdeu a paciência:

—E a chave?

—Ah! Vocês ainda estão aí? Muito bem—balbuciou ela enquanto examinava o cabelo.—Está lá no fundo do lago.

—No fundo do lago? Como acha que nós vamos conseguir pegá-la?

—Nadando, é claro. Que pergunta boba!

—Mas a água está congelada e é fundo demais!

—Não é assim tão fundo. Só tem uns seis metros, mas é frio mesmo. A pessoa que mergulhar provavelmente vai congelar antes de retornar à superfície.

—Eu vou—respondi imediatamente.

—Mas é claro que você iria dizer isso!—Kelsey começou a gritar nervosa.—Está sempre disposto a se colocar em perigo, não é mesmo? Não consegue resistir a uma causa nobre, por mais perigosa que seja! E por que não? Ele é mais rápido do que uma bala e consegue saltar sobre prédios altos. Como seria de esperar, você quer ir.

—Por que eu deveria ficar?—perguntei baixinho.

—Isso mesmo. Está certo. Não tem absolutamente nenhum motivo para se manter em segurança. É só mais um dia na redação para você, não é mesmo, Super-Homem? Não, Homem de Gelo seria mais apropriado neste caso. Por que não? Vá logo! Saia voando e salve o dia, como sempre faz. Apenas tome cuidado para não voltar igual ao Mister Freeze. Ele era o vilão!

Eu a olhava abismado pela sua reação exagerada. Kishan se intrometeu:

—Acho que está exagerando, Kells.

—É óbvio que estou. Mas todos nós temos papéis a desempenhar, não temos? O meu é o da namorada irritante que atrasa todo mundo. Você pode ser o bonzinho que fica para trás, consola a garota e dá tapinhas carinhosos na mão dela. E Ren pode sair para salvar o mundo. É assim que tudo isso funciona, não é?

Eu suspirei. Afinal, porque Kelsey se importava tanto? Alguém teria que se arriscar para fazer o trabalho, e já que ela havia escolhido ficar com Kishan, eu não via razão para não ser eu a fazê-lo.

Kishan olhava para Kelsey e parecia desapontado. A sereia deu uma risada:

—Isso é tão divertido!—disse ela.—Mas não importa. Ele não pode ir. Só este aqui pode. — e apontou para Kishan.

Kelsey parecia confusa:

—O quê? Por que ele?

—Porque ele tomou o soma. Se este aqui tentasse entrar na água— ela apontou para mim— iria morrer imediatamente.

—Tomou o soma? Está falando daquela bebida na casa de Phet?

—Não faço a menor ideia de onde ele a tomou. Só sei que tomou. O poder bruxuleia na pele dele. Vocês não conseguem ver? É muito atraente.— Ela olhou de forma sedutora para Kishan.

Kelsey olhou para Kishan com uma expressão de desentendimento.

—Não, realmente não enxergo o poder dele.

—Bom, a água está cheia de poder. A minha função é mexê-la de vez em quando para que não se acumule no fundo. Se você encostar o dedo nela, vai levar o pior choque da sua vida. Se enfiar o braço, seu cérebro vai parar de funcionar. E se enfiar o corpo todo, zap! Vai virar canela flutuando no cappuccino.

—Que legal—falou Kelsey, irônica.

—Mas a água faz maravilhas pelas escamas de uma garota. Banhos de leite são o máximo quando o rabo resseca. Mas nem tente fazer isso. Não existem apenas coisas boas e cremosas naquele lago. Todos os tipos de poderes especiais estão ali; e apenas uns poucos pertencentes a uma elite são capazes de acessá-los. Pode chamar de piscina dos deuses; só aqueles que têm um passe podem entrar nela. É algo exclusivo, e nenhum de vocês pertence ao clube. Ele provavelmente vai congelar assim mesmo, mas pelo menos é o único que tem uma boa chance. Ah, esqueci de mencionar: é melhor ser rápido. Meus dedos dos pés já estão resfriando e, se a fonte voltar a congelar antes de você voltar, não vai conseguir nem entrar nem sair do lago, e eu não vou poder dizer a vocês como pegar o Colar.

Nós ficamos lá parados, atônitos.

—Andem logo. Vão agora. Apressem-se.

Nós três saímos correndo, escorregando e deslizando pelo túnel até o lago. Kishan tirou o casaco e os sapatos e Kelsey usou seu poder para abrir um buraco no gelo para que Kishan pudesse entrar. Kaeliora gritou:

—É de ouro! Brilha no escuro! Não tem como deixar passar!

Kishan sacudiu os braços e as pernas, beijou Kelsey e entrou na água.

Kelsey e eu ficamos esperando, preocupados do lado de fora. Kishan submergiu algumas vezes, na última para dizer que havia visto a chave e que conseguiria pegá-la, apesar de ela estar bem longe. Ele batia os dentes de frio, e seus lábios estavam roxos. Me preocupei. Ele submergiu mais uma vez e a sereia disse com a voz bem alta, porém entediada:

—Ele não vai conseguir. Vai morrer congelado. Vocês podem ajudar, sabiam?

—Como?—Kelsey perguntou.

—Você já sabe como.

Eu também já sabia. Esperei Kelsey se decidir. Ela esperou alguns segundos e então arrancou o próprio casaco. Decidida, ela se aproximou de mim e tirou o meu casaco também. Depois, posicionou-se, erguendo as mãos para emitir seu poder.

Eu me coloquei atrás dela e encostei meu rosto no seu. Senti minha bochecha queimar de um jeito bom. Deslizei minhas mão por seus braços e senti sua respiração acelerar. Meu braço queimava junto ao dela. Senti seu calor penetrar em meu corpo e voltar para ela. 

O raio dourado saiu de suas palmas. Entrelacei nossos dedos, sentindo meu coração bater acelerado, no mesmo ritmo que o de Kelsey. O calor ficou mais intenso e voltava para ela, como se fôssemos um só.

Não havia como negar, o que existia entre Kelsey e eu não era comum. Não era só amor. Nós éramos um. Nós nos completávamos e nos fortalecíamos. Era muito claro, eu sabia, e ela também. Eu não podia aceitar a decisão dela de ficar com Kishan. Não fazia sentido.

O gelo da piscina começou a derreter e a água ficou quente, a ponto de sair vapor dela. Vi a cabeça de Kishan à frente e sussurrei no ouvido de Kelsey que ele estava bem. A água já estava quente o suficiente para não haver nenhum gelo na piscina, quando vi Kishan nadando de volta em nossa direção. Ele se aproximou e berrou:

—Nossa! Isso aqui está bem gostoso. Quase igual a uma sauna! Pena que vocês não podem experimentar!

Kelsey se afastou de mim rapidamente, como se não quisesse que Kishan nos visse junto. Pensei em protestar, mas resolvi deixar para lá. Pedi ao lenço que fizesse toalhas para que ele se secasse. Kishan saiu da piscina, sacudiu-se para tirar o excesso de água e puxou Kelsey para um beijo, que eu não consegui ignorar. Senti raiva, ciúmes. E tristeza. Eu nunca mais beijaria Kelsey daquela maneira, e isto não era certo.

Kishan entregou a chave para Kelsey, que correu pelo corredor, enquanto ele trocava de roupa. Eu a segui em silêncio.

Quando chegamos à sala, a sereia já estava semi congelada. Kelsey lançou um raio de calor, descongelando-a e lhe mostrou a chave:

—Nós conseguimos pegá-la. E agora?


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