Depois que voltamos para o barco e tratamos da perna ferida de Kelsey, Kishan, Kadam e eu fomos estudar o disco e tentar decifrar os códigos. Eu tive dificuldades em me concentrar. 

Eu não conseguia parar de pensar em Kelsey e em como sofri ao vê-la ferida, ao ver sua vida em risco. Eu a amava e estava sofrendo por não ficar com ela.

Algumas vezes, eu pensava em pedir a ela que voltasse para mim. Eu sabia que ela ainda me amava. Eu percebia como ela me olhava e ouvia seu coração bater mais rápido quando eu a tocava. Eu sentia sua respiração parar, depois se acelerar quando eu a olhava nos olhos. Mas eu também sabia que ela amava Kishan e eu não podia fazer nada a respeito. Eu a empurrei para ele, eu a fiz sofrer de propósito e era Kishan quem estava ao lado dela quando ela precisou. Ele a merecia mais do que eu. Eu tinha que esquecê-la.

No entanto, eu sabia que havia algo especial entre nós dois. E eu sabia disso desde o dia em que consertamos juntos a estrela do dragão vermelho. Aquele raio dourado, Kelsey nunca o tinha liberado antes, apenas quando eu a toquei. E ele era diferente. Mais forte, intenso e devastador. Como o que eu sentia por ela agora. A experiência que vivemos naquele dia, foi especial e muito íntima. Tanto que Kelsey nunca mencionou o que houve. Eu me sentia frustrado, queria falar sobre aquilo. Mas eu a entendia e respeitava sua decisão.

Notei que Kishan também estava distraído e incomodado. Percebi ele me olhando triste algumas vezes. Kadam pediu para que fôssemos descansar, pois nenhum dos dois estava concentrado o suficiente.

Dormi como homem naquela noite e sonhei com Kelsey. Desde que começamos a namorar, eu sempre sonhava com ela, mesmo depois de terminarmos. Mas desta vez, o sonho foi diferente, foi real, como uma lembrança. Sonhei que estávamos dançando. Ela usava um vestido vermelho cereja e calçavas sandálias altas da mesma cor. Eu vestia smoking e estava feliz. Eu podia sentir o calor dela em meus braços e o cheiro dela invadindo minhas narinas. Então eu acordei,  perturbado e frustrado.

Kishan terminou logo o café da manhã e disse que ia ver se Kelsey já estava acordada. Ele levou o fruto, para que ela não precisasse sair do quarto, caso estivesse indisposta. Kadam e eu começamos a trabalhar com o disco do dragão azul, já que não havíamos conseguido nenhuma resposta na noite anterior.

Quando Kishan voltou, ele estava sorrindo. Avisou a Kadam que gostaria de um momento a sós com Kelsey e por isso, os dois iriam jantar juntos naquela noite. Ele pediu para ficar de guarda à noite, avisando que prepararia seu jantar romântico no deque do navio.

Senti uma pontada de inveja e ciúme. Fiquei com raiva da alegria de Kishan. Franzi a testa e não consegui disfarçar meu descontentamento. Kishan não percebeu nada, tamanha sua alegria. Ele pegou o disco com Kadam e começou a analisá-lo. Eu tentei me concentrar, mas estava difícil.

Mais tarde, Kishan saiu sorridente para preparar seu jantar romântico. Eu fiquei com Kadam, que percebeu minha tristeza e perguntou se eu queria conversar. Eu o dispensei e saí pelo navio.

Fiquei me lembrando do meu sonho. Eu estava convencido de que ele era real. Talvez uma lembrança, ou talvez uma visão do futuro. Eu precisava descobrir. Transformei-me em tigre e fui até o deque. Kishan havia preparado uma bela mesa, simples e sofisticada. Havia conchas espalhadas pelo chão e velas sobre elas. Pensei que eu não teria feito melhor.

Saí dali quando os ouvi chegando. Eu não queria vê-los juntos. Não achava que suportaria ver Kelsey com outro homem. A alegria do meu irmão ao estar com a mulher que eu amava era o meu tormento. Mas eu causara aquilo, agora tinha que conviver com as consequências. Kelsey merecia ser feliz, e meu irmão a estava fazendo feliz.

Tentei dormir, mas estava tenso demais. Depois de algum tempo, senti algo estranho me chamar. Era como se eu precisasse estar em outro lugar. Tentei resistir, mas foi em vão. Fui até o deque em silêncio e me escondi.

Kishan e Kelsey estavam dançando. A testa de Kishan estava encostada na de Kelsey e as mãos dele apertavam sua cintura . Meu coração acelerou-se. 

—Seu coração chega a bater por mim, meu amor? —Perguntou ele.

Kelsey envolveu o rosto de Kishan com as mãos e lhe respondeu:

—Claro que sim. Não vou permitir que você fique sozinho, nunca mais. Eu também amo você, Kishan.

Meus olhos de tigre ficaram úmidos. Eu não podia suportar aquela tristeza. Eu queria me virar para sair dali mas não conseguia. Algo me mantinha preso naquele lugar, olhando para os dois e sofrendo sozinho.

Kelsey inclinou-se e encostou seus lábios nos de Kishan, que a abraçou e retribuiu o beijo. Meu coração parou por alguns segundos, e quando voltou a bater, algo diferente aconteceu.

Meu coração disparou e um calor tomou conta do meu corpo de tigre. Eu me transformei em homem imediatamente, mas o calor aumentava. Senti algo me puxar para Kelsey, senti meu coração pulsando junto ao dela. Uma conexão se estabeleceu entre nós. Algo que eu não me lembrava de ter sentido antes, mas que eu sempre desejei sentir. Um sentimento de posse tomou conta de mim, e todo o meu bom senso me abandonou. Olhei para Kishan e um ódio encheu meu peito. Eu queria matá-lo.

Sem pensar, lancei a primeira coisa que vi pela frente. Uma cadeira voou e passou entre eles. Dominado pelo ódio, comecei a quebrar e lançar coisas contra Kishan. Sai de onde eu estava escondido e berrei irado:

—Solte-a. Agora. 

Os dois continuava abraçados, olhando ao redor sem entender. 

—Eu disse: solte-a. Agora.

—Ren?—Sussurrou Kelsey olhando na minha direção.

Kishan deu um passo para trás e puxou Kelsey para perto de si. Eu fiquei ainda mais irado. Dei um rugido e pulei de onde eu estava, caindo agachado à sua frente. Levantei-me devagar e caminhei em sua direção. Eu não conseguia enxergar nada além de Kishan tocando em Kelsey. Era como se ele estivesse me roubando algo muito precioso. E eu a queria de volta.

—Não... me faça repetir.

Kelsey colocou a mão no braço de Kishan e meus olhos se desviaram para lá, aumentando a minha fúria. Kishan falou:

—Ren? Qual é o problema? Fique calmo. Você está fora de si.—Sem desviar o olhar, Kishan recuou, mudou de posição um pouco e disse:—Kells, venha para trás de mim. Devagar.

Kelsey tirou a mão do braço de Kishan e se escondeu atrás dele enquanto eu os observava atentamente. Eu realmente estava fora de mim. Ele falava algo comigo, mas eu não o escutava, apenas encarando Kelsey tão próxima dele. Eu estava pronto para atacá-lo.

Kishan começou a afastar-se, empurrando Kelsey com ele. Eu o avisei mais uma vez:

—Afaste-se dela, Kishan. Agora!

Kishan sacudiu a cabeça.

—Não vou permitir que você machuque Kelsey.

—Machucar Kelsey? Não vou fazer mal algum a ela. A você, por outro lado, eu vou destruir.

Kishan ergueu a mão.

—Ren, não sei o que deu em você. Talvez seja o veneno do kraken. Apenas se acalme e recue.

—Vishshva!

Comecei a berrar em hindi. Kishan, que até então estava mantendo a calma, travou o maxilar e rugiu em advertência, depois mandou que Kelsey corresse. Ele começou a me dizer que eu não tinha o direito de exigir nada em relação à Kelsey, pois ela era sua namorada e disse que era eu quem tinha que ficar longe dela. 

Eu fiquei ainda mais irritado e me preparei para atacar. Kishan percebeu e gritou para Kelsey correr. A partir deste momento, tudo aconteceu muito rápido: Kelsey correu e eu me lancei contra Kishan, que veio com tudo em minha direção. Então eu caí.

Uma dor horrível tomou conta do meu cérebro. Era como se um som muito agudo estivesse soando em meus ouvidos. Parecia que eu minha cabeça ia explodir. Eu caí de joelhos gritando de dor. Então, a dor parou. E eu comecei a me lembrar.

Lembrei-me do rosto dela, sorrindo para mim. Me lembrei da última vez em que eu a vi antes de ser capturado, ela nos braços de Kishan, chamando por mim. Da nossa fuga pela mata, perseguidos pelos capangas de Lokesh. Da dança no dia dos namorados, dos beijos apaixonados, dela lendo Shakespeare para o tigre branco no circo. Tudo voltou com muita clareza e velocidade. Também me lembrei da visita de Durga à minha cela e tudo ficou claro.

Joguei a cabeça para trás e respirei fundo. Kishan estava do meu lado e estendeu a mão para mim. Procurei por Kelsey e ela me olhava assustada. Segurei a mão de Kishan e ele me ajudou a levantar. Eu olhei firme para Kelsey, sentindo seu coração bater junto com o meu. Eu podia sentir nossa conexão. As fagulhas elétricas percorrendo minha pele. Ela estava ali e eu a queria. Eu era dela novamente e esperava que ela viesse a mim. Mas ela ficou paralisada.

—Você está... bem?—perguntou Kishan

Eu respondi sem tirar os olhos de Kelsey:

—Agora estou.

—O que aconteceu com você?—ele continuou.

Eu dei um suspiro e olhei para ele.

—O véu de obscurecimento foi removido.

—Véu? Que véu?

—O véu da minha mente. Aquele que Durga pôs em mim.

—Durga?

—Isso.—Agora eu me lembro.—Voltei os meus olhos para Kelsey. — Eu me lembro... de tudo.