Contos da Morte escrita por Bruno Cassiano


Capítulo 2
Conto Dois




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Aquela era uma tarde de sábado como qualquer outra para muitas pessoas, não para elas. Definiram duas semanas antes que aquele era o dia no qual fariam a reunião mensal. Como todas as vezes, começaram suas atividades com algum assunto ou jogo sobrenatural. Tentavam todas as vezes, de alguma forma, contatar os espíritos.  Era quase como uma obsessão em saber e conversar sobre o outro lado. Se soubessem ou se ao menos suspeitassem que naquele fatídico sábado conseguiriam...

— Ainda tentaremos assim? – Perguntou Aline. Estavam as três sentadas no chão em volta de um círculo formado por letras do alfabeto, cortadas em tamanho igual, números de zero a nove e, no centro do círculo, as palavras ‘sim’, ‘não’ e ‘sair’.

— Vai dar certo, hoje. – Disse Ayumi, estava sentada de pernas cruzadas, olhando fixamente o circulo. As outras garotas se perguntavam como ela conseguia enxergar através daquela grande franja que aparentava cobrir-lhe os olhos puxados. – Mesmo que o ideal seja uma mesa.

— Vocês sabem que isso é só balela, né? – Carla desdenhou enquanto ajeitava o dread olhando no espelho. Acreditava que para contatar um espírito não era necessário jogos ou idas a cartomantes, mas sim fechar os olhos e olhar para dentro de si mesmo. – Quer dizer… Eu mesma acredito que…

— Lá vem a Carla com o papo de conexão com a natureza de novo… – Ayumi revirou os olhos. – Fecha o quarto, apaga a luz e traz as velas.

O quarto com as janelas e porta abertas, era claro com a luz natural. Aquela tarde estava nublada, com nuvens negras carregadas de chuva, parecia noite lá dentro. A luz que iluminava o ambiente piscava de tempos em tempos no teto do alto do teto. Após fechadas todas as passagens, Clara acendeu quatro velas grandes e as posicionou também em volta do círculo. Da chama das velas surgia a única fonte de claridade depois do interruptor ter sido desligado.

— Estão prontas? – Perguntou Ayumi, segurava um copo de vidro em uma das mãos. Ao tremeluzir das velas pouco se via de seus olhos, dando-lhe um visual sombrio.

— Sim. – Responderam as outras duas ao mesmo tempo em uníssono.

Ayumi posicionou o copo com a boca para baixo praticamente no centro do círculo, acima da palavra ‘sair’ e abaixo do ‘sim’ e do ‘não’. Colocou o dedo indicador em cima do copo e indicou para que as amigas fizessem o mesmo.    

— Eu começo… – Disse depois de todas estarem com os dedos em cima do copo. – Tem algum espirito aqui?

Um momento de tensão passou pelas garotas, o clima estava propício para isso. Estavam em meio a ansiedade, receio e arrependimento, mas passaram disso para a decepção ao ver que os segundos se passavam e nada acontecia.

— Eu a… – Quando Carla teceria mais um comentário pós-fracasso sentiu algo na ponta do dedo. – Mas o que… é isso…

As três tinham a sensação do copo ter esquentado, pouco a pouco o movimento abaixo dos dedos se iniciou. Era algo lento, receoso, por um momento as três se entreolharam se perguntando qual delas estava fazendo aquilo. Mas não era nenhuma delas, tiveram a certeza quando removeram os dedos e viram o copo ir até o ‘sim’ lentamente, mas sem parar ou exitar.

— Estão vendo o mesmo que eu? – Perguntou Aline com o olhar fixo no copo que voltava para a posição inicial, sentia-se paralisada, mas não sabia se por medo ou pela surpresa.

— Você é homem? – Ayumi fez a segunda pergunta. Desta vez o copo lentamente foi até o ‘não’.

— Qual é o seu nome? – Perguntou Carla, tentando dissipar a tensão que corria pelo seu corpo, Ayumi correu para pegar um bloco de anotações. O copo percorreu pelas letras dando pequenas paradas em alguma delas, atentamente a garota asiática anotava cada letra em uma folha do bloco de notas. Quando o copo retornou para o centro, o nome Erika havia surgido no bloco.

— Erika? – Ayumi perguntou para confirmar. O copo se moveu até o 'sim’.

— Mais uma integrante para nossa festa do pijama. – Aline brincou rindo, as outras acompanharam sua risada.

— Você morreu com quantos anos? – Carla perguntou. O copo se moveu até os números pela primeira vez naquela conversa, parou primeiro no três e depois no dois. Erika realmente foi morta aos trinta e dois anos.

— O que você fazia antes de morrer? – Perguntou Aline. A partir disso as coisas voltariam a ficar tensas. O copo formou a palavra 'matava’. As três garotas se entreolharam nervosas. Lá fora a chuva começava a cair.

— Do que tem mais saudade? – Ayumi perguntou em uma tentativa de aliviar novamente a tensão do assunto, mas a resposta foi 'matar’.

Erika foi uma ladra e assassina de aluguel em Alagoas. Morreu em uma emboscada, trocando tiros com a polícia. Suas duas pistolas em nada foram eficazes contra os fuzis. Espíritos como os de Erika não costumam encontrar a luz tão cedo.

— Isso tá começando a me assustar… – Comentou Aline.

— Relaxa. Tá tudo bem… – Ayumi tentou tranquilizá-la, depois voltou-se novamente para o círculo. – Quem você quer matar?

'Vocês’. Raios começavam a cair do lado de fora, a chuva aumentava e confirmava o que prometia, uma longa e ruidosa tempestade.

— Eu… Não quero mais jogar isso… – Disse Ayumi. Nunca se sentiu tão assustada quanto naquele momento. Chamaria seus pais, se eles não estivessem do outro lado do mundo naquele exato momento. – Nós queremos parar…

'Não’

— Vamos parar sim! – Disse Aline se levantando. Sentiu um frio entrar pelo quarto e viu as velas se apagarem de uma só vez. – Ayumi acende a luz.

Ayumi demorou até ter a capacidade de superar sua paralisia momentânea, tateou a parede até achar o interruptor e ter a claridade de volta ao quarto. Aline à sua frente parecia tremer, estava completamente apavorada. Ayumi imaginou se estava naquele mesmo estado.

— Isso foi assustador… – Ayumi disse. – Vocês estão bem?

— Estou… – Respondeu Aline.

— Meninas… – Chamou Carla, tinha o olhar fixo no que era o círculo. Todas as letras, números e palavras estavam viradas para baixo, exceto uma; não. O que era o copo, havia se tornado uma pilha de cacos de vidro empilhados em cima da resposta negativa. A única reação que tiveram foi a de sair do quarto.

No andar debaixo, sentaram-se em silêncio no sofá, escolheram algo para assistir no Netflix e deixaram-se distrair por uma comédia romântica qualquer. O filme não era importante, o propósito era apenas esquecer.

Mais tarde, ao final do filme voltaram para o quarto, estavam mais leves e menos assustadas com os acontecimentos de horas antes. Limparam o chão retirando os papéis e o vidro e forraram o chão para que as três pudessem dormir juntas. Os sorrisos e piadas já haviam voltado.

— Meninas vou tomar banho… Vou demorar, preciso de um banho de banheira para relaxar melhor. Não precisam ter saudade, hein? Eu volto.

Ela não voltou.

Ayumi desceu assobiando, carregando com ela uma toalha que pendurou no suporte da porta logo quando entrou no banheiro. Sentiu frio depois de se ver sozinha naquele mar de branco. Mas não importava, tomaria um banho quente para afastar isso.

Depois de a banheira estar cheia e com espuma, ela se despiu e entrou na água, encostou em uma das bordas e fechou os olhos. Sentia o calor e a maciez da água enquanto a temperatura estava quente e com espuma. Ayumi não teve tempo de completar seu banho.

Ainda de olhos fechados ela sentiu a aproximação de alguém. Abriu os olhos, mas não viu nada.

— Estranho… – Deu de ombros e voltou a fechar os olhos. Foi quando sentiu uma mão, que a forçava para o fundo da banheira. Novamente abriu os olhos, mas novamente nada viu. Lutou contra aquela força até não aguentar mais, até as forças se esvairem. Por fim, apenas se debateu e me viu chegar depois de ter morrido afogada em sua própria casa.

Trinta minutos depois, Aline deu falta da amiga. Cutucou Carla, mas a garota nem sequer esboçou qualquer sinal de que responderia.

— Ayumi? – Chamou colocando a cabeça para fora do quarto. Não obteve resposta. Andou devagar sentindo o piso ranger abaixo de seu pé. – Ayumi?

Aline parou no topo da escada e chamou mais uma vez, não teve tempo para chamar mais ninguém. Sentiu um empurrão violento e rolou a escada da casa. O pescoço quebrou produzindo um estalo assustador.

Carla não sofreu tanto quanto as amigas, com ela foi mais rápido do que com as outras, teve um único ataque cardíaco, rápido e fatal. Aline ao seu lado nem sequer havia notado.

A polícia chegou duas semanas depois, atendendo ao chamado de vizinhos que já se incomodavam com o cheiro dos corpos em decomposição. A versão oficial dos ocorridos continha a descrição de dois suicídios e um ataque fulminante antes das autoridades chegarem.

Os pais de Aline e Carla já espalhavam cartazes de procura em cada poste do bairro. Souberam junto com a polícia catorze dias depois. Os pais de Ayumi souberam do acontecimento somente um mês após. Eles não puderam se despedir.


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