O vermelho de Copenhague escrita por Letícia Matias


Capítulo 14
Quatorze


Notas iniciais do capítulo

Oiiiiiii gente!
Bem, amanhã eu não vou conseguir postar, então, para não deixar vocês sem o capítulo amanhã, vou postar ele hoje ♡
Espero que gostem porque esse foi um dos meus preferidos ♡♡♡



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Após a sra. Zarch ir embora - quem também era conhecida como o primeiro nome, qual era Valerie - Jullian sumiu de nossas vistas. Fiquei rodeando Betty e me ofereci para ajudar com o almoço, já que Nigel fora cuidar das necessidades fisiológicas do sr. Zarch.

Eu estava lavando as cenouras debaixo da água gelada enquanto Betty estava na sala de jantar arrumando a mesa. Os acontecimentos de horas atrás ainda me perturbavam. Era muito de uma só vez.

A sra. Zarch teria mesmo abandonado o sr. Zarch por outro? Seria ela uma pessoa tão detestável como o filho a pintara? E quanto à Anelise? A coitada tinha mesmo levado um fora depois de um tempo de relacionamento? Eu não queria julgar ninguém, mas para aguentar aquele Jullian... ela deveria ser uma tremenda de uma santa.

– Jesus, o que você tem na cabeça?

Despertei de meus devaneios levando um susto ao ouvir uma voz masculina e rude. Olhei para meu lado esquerdo. Jullian estava bem ao meu lado vestindo uma camisa social preta. Vi que seus cabelos estavam molhados e puxados para trás. Ele cheirava a perfume. Devia ter acabado de tomar banho.

– O quê? - perguntei franzindo o cenho.

Ele fez cara de quem chupou limão.

– Está caindo uma nevasca lá fora e você não trocou a temperatura da água! - ele apontou para a torneira.

Encarei a água caindo em minhas mãos por um instante.

– É só abaixar esse negócio. - ele abaixou uma espécie de interruptor ao lado do registro da torneira e no mesmo instante uma água morna começou a cair.

Meus dedos formigaram com a mudança de temperatura. Lembrei de Louis quando ele fez isso no bebedouro.

– Se perder seus dedos ainda seremos processados.

Olhei para seu rosto. Acho que minha expressão era de total nojo. Ele era um verdadeiro pé no saco. Talvez uma vassourada com uma vassoura de aço resolveria!

– Me desculpe, não sou acostumada com essas coisas. - forcei um sorriso. - Na minha casa é apenas uma torneira de água fria.

Ele fez novamente aquela cara de quem chupou limão e se afastou. Voltei minha atenção para as cenouras, sentindo-me grata por estar sentindo os dedos novamente. Mas ele era tão mau educado... Deus do céu! Ele saiu e seu perfume ficou pairando no ar.

Betty voltou para a cozinha.

– Ah, que cheiro bom! Algo me diz que o sr. Fonzie vai adorar a refeição hoje.

Uni as sobrancelhas.

– Quem é esse?

– O sr. Fonzie é um velhinho que costumava ser mendigo por aqui. Com o dinheiro que ele ganhava das pessoas na rua, comprava o que comer no dia e o que sobrava doava para o orfanato de crianças da vizinhança. O sr. Zarch o convida para almoçar aqui toda segunda-feira. Jullian adora ele.

Betty voltou sua atenção para a geladeira, abrindo-a e tirando de dentro dela uma jarra de suco amarelo. Fechei a torneira, atônita com aquela informação. Fiquei encarando as cenouras por muito tempo. Quando Betty voltou da sala de jantar, sem a jarra de suco, perguntou:

– Lavou as cenouras, querida?

–  Sim.

Me afastei da pia secando minhas mãos em um pano. Bem, eu podia esperar muita coisa do almoço daquela segunda-feira.

***

O sr. Fonzie chegou por volta das uma hora da tarde. Betty foi quem o recebeu na sala de estar. Eu estava parada em frente à porta quadriculada e branca que dividia a sala de estar com a sala onde o piano ficava.

Betty o cumprimentou em dinamarquês. Ela tinha me ensinado que "oi" era "Hej" e se pronunciava igual "oi" em inglês.

O sr. Fonzie estava vestido com um gorro preto um pouco salpicado de neve. Também vestia um casaco verde escuro de botões e uma calça de sarja de aparência surrada.

Olhou para mim e assentiu com a cabeça. Arrisquei um oi em dinamarquês e estendi a mão para ele. Betty disse algo para o sr. Fonzie e ele ergueu ambas as sobrancelhas olhando para mim.

– Americana? - apontou para mim.

Assenti sorrindo com as sobrancelhas arqueadas.

– Dinamarca. - apontou para si próprio.

Eu ri. Acho que estava tentando dizer que ele era dinamarquês.

– Wendy querida, vamos para a sala de jantar, sim? O sr. Zarch já está esperando.

Assenti e comecei a andar na frente ouvindo Betty e o sr. Fonzie conversando entre si em dinamarquês. Quando adentrei a sala de jantar, o sr. Zarch estava na cadeira de rodas  na ponta da mesa servida à sua frente. Jullian estava sentado algumas cadeiras de distância  e tinha a cabeça  apoiada e uma das mãos. Quando ouviu meus passos entrando, olhou para mim por um instante.

– Ah, aí está você, Wendy! - o sr. Zarch disse. - Seu cabelo é mesmo de um vermelho fascinante.

Sorri me aproximando-me dele. Puxei a cadeira perto da sua e me sentei. Ele olhou para mim com a cabeça tombada para o lado. Perguntei-me se  ele sentia dor ao ficar daquele jeito.

– O vermelho de Copenhague. - abriu um sorriso.

Dei um risadinha.

– Obrigada, Frederick. Agora eu gosto muito mais do meu cabelo.

Ouvi o som fraco da sua risada saindo.

– Apesar de achar que hoje estou parecendo uma garrafa de leite de cabelos vermelhos ambulante.

Ouvi Jullian tossir do meu lado. Olhei para ele. Seu rosto tinha se tornado um pouco corado.

– Me desculpem. Engasguei.

Por um momento, achei que ele tinha dado risada da minha piada, mas não tinha como saber. Desviei o olhar e no mesmo instante vimos o sr. Fonzie adentrando junto com Betty Berry.

– Ah, sr. Fonzie!

Observei surpresa Jullian levantar-se da cadeira e andar até o sr. Fonzie. Eles trocaram palavras entre si enquanto Jullian o abraçava e dava tapinhas carinhosos em suas costas. Aquilo me pegou de surpresa. Jullian parecia outra pessoa no momento. Estava rindo de alguma coisa, sorrindo olhando para o sr. Fonzie. Analisei seu rosto de perfil. Seu nariz era reto e seus dentes alinhados e grandes. Ainda tinha um vestígio de traços adolescentes em seu rosto, mas já tinha o rosto másculo de um homem na casa dos vinte. Ele caminhou até a mesa com o braço ao redor dos ombros do sr. Fonzie conversando com ele. Em um momento, olhou para mim e eu desviei o olhar para o sr. Zarch. Ele já olhava para mim e eu suspeitava que por um bom tempo. Seu óculos estava, novamente, um pouco torto. Inclinei-me um pouco em sua direção e os arrumei. Ganhei mais um sorriso simpático e logo a refeição começou.

***

O sr. Zarch não tinha muita dificuldade para engolir, o que foi um grande alívio para mim. Ele, Jullian e o sr. Fonzie conversaram durante muito tempo enquanto comiam o ensopado de cenoura com frango que Betty fizera. O cheiro estava ótimo. Não acompanhei a conversa, pois, como era de se esperar, eles falavam em seu próprio idioma. Fora uma surpresa para mim ver Jullian tão comunicativo, calmo e educado com alguém.

Depois que eles terminaram de comer e eu terminei de dar comida para o sr. Zarch, Nigel o levou para seu quarto para que ele pudesse descansar. Fui para a cozinha e acompanhei Betty em seu almoço. A comida dela era ótima, assim como o café. Disse isso para ela e ela sorriu radiante.

Eu não tive muito o que fazer até que desse a hora de ir embora. O sr. Zarch adormeceu logo depois do almoço em seu quarto e, quando deu cinco para as quatro da tarde, já era hora de ir.

Estava tirando as pantufas de Betty sentada em uma das cadeiras da sala de jantar quando Knut aproximou-se de mim com o rabo balançando, todo serelepe. Me retesei na cadeira e me encolhi quando o cachorro pulou em mim com suas patas pesadas. Reprimi um gritinho.

– Knut, sentado!

Olhei para Jullian que acabara de entrar na sala. Estava todo vestido de preto e arrumado. Perguntei-me com o que ele trabalhava.

O cachorro sentou-se sobre as patas traseiras. Voltei a calçar meu tênis seco graças à secadora onde Betty o havia colocado.

– Os ônibus não estão funcionando. Acabou de noticiar no jornal.

Olhei para o rosto de Jullian.

– Como é?

– Por causa da nevasca. As ruas estão enterditadas.

Arregalei meus olhos e levantei-me da cadeira indo até a porta de vidro da sala de estar. Olhei para o extenso gramado do lado de fora. Tudo era um manto branco e espesso. Franzi o cenho.

– Mas o quê?! Como vou embora desse jeito?! - segurei a cabeça com ambas as mãos.

– Estou indo para o centro da cidade. Posso te dar uma carona, se quiser.

– Mas se não está passando ônibus, como você...

– Sou jornalista. Preciso estar no meu trabalho pra cobrir a matéria da pior nevasca do inverno.

Arqueei uma das sobrancelhas. Jullian  fez o mesmo.

– Vá a pé, então...

– Não, eu... aceito a carona.

Ele girou a chave do carro na mão e eu voltei para a cadeira para terminar de calçar meu tênis. Eu não tinha muita certeza sobre aquele negócio de carona, mas, definitivamente não gostaria de ficar presa ali até que os ônibus voltassem a funcionar.

***

Jullian, como eu já sabia, tinha uma BMW preta. Sentei-me no banco do carona e bati a porta cuidadosamente. Sempre que entrava no carro de alguém - não que isso acontecesse com muita frequência - lembrava das broncas que meu pai dava em mim e Fergus.

– Não bata a porta do carro assim! Se vocês quebrarem, vão deixar de comer para eu pagar a porta!

Me sentia menor dentro daquele carro. Era espaçoso, limpo e cheirava a alguma essência para carros. O carro de papai estava sempre cheirando a lanches e gordura, pois estávamos sempre passando em algum drive thru do Burger King ou McDonalds nos domingos depois da missa.

Coloquei o sinto de segurança e Jullian fez o mesmo. Ligou o rádio em um volume baixo. Uma música da banda The Killers estava tocando. Eu não sabia o nome, mas já tinha ouvido antes.

Quando saímos da garagem - que dava para a rua de trás do portão de entrada - vi que a rua estava realmente coberta de neve. Não era algo que impedisse os transportes de passar, mas, por questões de segurança, era realmente bom evitar.

Em silêncio, Jullian começou a dirigir cuidadosamente pelas ruas. Com alívio percebi que ele não era imprudente. Pelo menos isso!

Minhas mãos estavam geladas como se estivesse segurando cubos de gelo. As juntei e enfiei entre as pernas juntas, perto dos joelhos. Acho que Jullian percebeu, pois uma de suas mãos foi em direção ao aquecedor do carro e o ligou. Olhei de soslaio para seu rosto. Ele não fez nenhum comentário. Parecia mau educado da minha parte não puxar nenhum assunto. Eu não sabia muito bem o que dizer. Lembrei-me que disse que era jornalista e resolvi ir por este caminho.

– Então, você é jornalista?

– Sim.

Olhei para seu rosto. Ficou claro para mim que, se eu não fizesse mais perguntas, um curto e grosso "sim", seria tudo o que eu conseguria. Assenti.

– O que você faz? Digo... você escreve, trabalha na televisão...

– Tiro fotos para as matérias e ás vezez cubro algumas notícias na televisão.

– Que legal! Eu queria ter coragem para aparecer na televisão.

Ele não fez nenhum comentário sobre isso. Fiquei em silêncio. Estávamos indo por um caminho que eu não conhecia. Bem, eu não conhecia praticamente nada ali!

– Wendy, hein? Seus pais por acaso são fãs de O Iluminado?

Uni as sobrancelhas e olhei para ele. Seus olhos azuis fitaram meu rosto por um breve segundo e depois ele voltou sua atenção para a rua.

– Como é?

– Nunca assistiu ao O Iluminado? É um filme clássico de terror.

– Não.

– Bem, uma das personagens principais se chama Wendy.

– Acredito que não foi por isso que meus pais me deram esse nome.

– Não consigo imaginar um motivo para colocar esse nome em alguém.

O encarei fixamente por algum tempo. O vi me olhar de rabo de olho. Tinha a sombra de um sorriso nos lábios, mas isso logo desapareceu e ele revirou os olhos.

– Pelo amor de Deus! Será que ninguém é capaz de ter senso de humor?

Preferi não responder. Apesar de ele ser uma companhia e carona horrível, não queria ser deixada no meio daquela nevasca em um lugar que eu não conhecia. Só esperava chegar logo ao campus da faculdade.


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Notas finais do capítulo

Ok ok. Tô bem ansiosa pra saber o que vocês acharam do Sr. Fonzie, do almoço e tudo no geral... me contem aí ;)
Gente, se não nos vermos até segunda, espero que tenham um ótimo final de semana!!!!
Um grande beijo e até o próximo ♡
Lê.



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