Casa escrita por Madame Min


Capítulo 1
Saudades de Casa


Notas iniciais do capítulo

Essa história foi escrita no meus momentos angst, então não esperem muita felicidade aqui. Há morte de personagens, então, por favor, se não gosta NÃO LEIA!
Espero que gostem :)



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Keith Kogane jamais compreendera como era sentir saudades de casa.

 

casa é onde você se sente seguro

 

 A palavra “saudades” em si já era um completo mistério para Keith. Havia uma quantidade miserável de momentos em sua vida que o garoto consideraria digno de tal sentimento. Existia exceções, naturalmente (o tempo feliz e inocente que vivera com seu pai cercado pela alienação de sua verdadeira vida, ou seu precioso tempo com Shiro na Garrison antes de seu convite para a missão Cerberus), no entanto, durante boa parte de sua vida, a palavra “saudades” era tão estranha para Keith quanto linguagem alienígena.

 

casa é a primeira coisa que vem a sua mente quando pensa em conforto

 

  Por isso quando, em um cruel e definitivo ato do destino, os cinco jovens (crianças, alguns diriam) foram impiedosamente despachados da Terra para os aléns mais inimagináveis do espaço, Keith não foi abalado por nenhum único sentimento de saudades – sem família e sem casa o que havia na Terra para sentir falta, de qualquer modo? - mas a instalação daquela terrível nostalgia nos outros membros do time Voltron não passou despercebida por Keith (como o olhar distante que Pidge adornava ao falarem de seu pai e irmão, o sorriso hesitante e não-convincente que formava-se com fraqueza nos lábios de Hunk a cada vez que ele cozinhava comidas terráqueas. Mas principalmente em Lance, cujos soluços ecoavam por todo o Castelo, apesar de seus esforços para contê-los).

 

casa é seu porto seguro, seu bote salva-vidas

 

Keith, no entanto, nunca tocou no assunto; nem mesmo quando ele e Lance começaram a aproximar-se, e suas brigas vaporizaram-se para ridículas discussões (“Aposto que eu consigo terminar minha sopa mais rápido que você, Keith!”), e um laço de amizade pareceu entrelaçar-se entre eles, sendo que tornaram-se praticamente inseparáveis. Mas aquilo não era surpresa, Allura havia afirmado com leveza quando Keith havia trazido seu choque em relação ao assunto até ela. Porque Keith era o que faltava de seriedade e determinação em Lance, e Lance era o que faltava de alegria e despreocupação em Keith. Eles completavam-se; duas metades de um todo, e Keith achava que poderia contentar-se com isso para viver pelo resto da vida. Porque, Keith descobriu, Lance de fato era a felicidade que faltava nele.

 

casa é o que te ancora ao mundo

 

 Então, quando ele e Lance selaram os lábios pela primeira vez, felicidade poderia ser vista expelindo de Keith a um quilometro de distância. O beijo havia sido exatamente como Lance: calmo e apaixonante, suave e vagaroso, dando a Keith a sensação de que, enquanto seus lábios estivessem junto aos do outro garoto, nada poderia alcança-los, como se uma bolha os envolvesse, desacelerando o tempo, protegendo-os de qualquer coisa. De repente, Keith amava e era amado de volta, e aquele pensamento penetrava em sua mente como um mantra, ressonando em seus ouvidos, dando-lhe força nas batalhas.

casa é a sua felicidade

 

Mas, ainda assim, o assunto de “saudades de casa” jamais fora discutido. Lance chorara uma única vez, soluçando com força o suficiente para arranhar seus pulmões (havia sido uma batalha dura para todos, e eles quase não conseguiram retornar), e Keith apenas envolvera-o estranhamente com seus braços, não sabendo ao certo o que dizer, porque, não importava o quanto ele amava Lance e quanto este o amava de volta, Keith Kogane continuava sem lar, e jamais entenderia aquele intenso sentimento que envolvia seu namorado, e ele resignava-se com isso. Pelo menos até uma missão mudar a perspectiva de Keith sobre lar para sempre.

 

casa é onde, não importa onde você vá, será o lugar que você sempre retornará

 

Era uma tarefa fácil, supostamente. Entrar, resgatar alguns prisioneiros de uma base Galra praticamente desarmada, sair. Não seriam necessários mais que dois paladinos, mas eles levavam três só por precaução (Keith foi o primeiro a voluntariar-se, mas sua participação foi negada, Allura admitindo com profissionalidade que Keith não seria discreto o suficiente para aquele tipo de missão), e logo Pidge, Hunk e Lance pilotavam no Verde na direção da tal base Galra. A conversa dos três pode ser ouvida pelos monitores durante todo o percurso, e, mesmo que as palavras soassem inteligíveis, um sorriso brincou nos lábios de Keith ao ouvir a voz melodiosa de Lance.

 

casa é onde você não é julgado

 

Primeiramente, a missão foi exatamente como planejada. Pelo menos vinte sortudos e aliviados prisioneiros já amontoavam-se no Leão Verde, e Lance e Hunk escoltavam a última leva de resgatados na direção da nave. Tudo corria bem, e Lance atreveu-se até mesmo a iniciar um comentário presunçoso.

Isso foi tão fácil quanto roubar doce de-

Sua voz foi abafada por pressurosos porém sincronizados passos ressonando no fundo do ambiente, como uma marcha. Keith imediatamente ficou tenso, assim como todos na sala. Allura trocou uma olhadela nervosa com Shiro, que parecia igualmente ansioso. Houve silencio até que...

Ah, não - veio o lamento choramingado de Hunk, parecendo mais apavorado que nunca.

A voz de Pidge também soou nos comunicadores, perguntando com um misto de impaciência e preocupação o porquê de seus dois companheiros de missão estarem demorando tanto. Lance murmurou uma resposta, e logo ele e Hunk eram apenas dois pontinhos coloridos fugindo de inúmeros pontos roxos no monitor de Coran. Allura começava a gritar ordens aos dois, com uma eficiência e imparcialidade que Keith jamais teria em uma situação daquelas. Sua respiração começava a engatar, e ele precisava dizer a Lance para sair de lá, esquecer os prisioneiros, fugir antes que fosse tarde...

 — HUNK, CUIDADO!

BANG!

O barulho do tiro foi alto e significativo. Um silencio chocado e temeroso recaiu sobre a sala, escurecendo-a como se subitamente não houvesse luz o suficiente. Gritos de dor, surpresa, e temor preencheram os monitores, e Keith podia sentir suor escorrendo por suas mãos, mesmo que elas nunca houvessem estado mais frias antes. Pidge chamava seus melhores amigos com desespero pelo comunicador, mas a única resposta foi algumas rajadas de respirações difíceis e pesadas. Os olhos de Keith fixaram-se nos pontinhos que eram Lance e Hunk no monitor, seguindo-os até que eles parassem em algum corredor deserto daquela base. Não havia nenhum sinal de resposta ainda.

 

casa é onde você pode ser você mesmo

 

O pânico começava a infiltrar-se como uma doença pelas veias de Keith, deixando sua garganta seca e incapaz de perguntar o que diabos estava acontecendo. Keith não era inocente, ele sabia que alguém havia se machucado, e feio. Temia por ambos, mas um pensamento sombrio, egoísta e cruel rondava sua mente, um desejo de que não fosse Lance e sim Hunk quem levara o tiro. Entretanto, todas aquelas vãs esperanças foram imediatamente lavadas de sua mente quando um choramingo específico do mais sensível membro do time pode ser ouvido pelos comunicadores.

Lance... Ele... Eu não... – a voz de Hunk tremia com o esforço para formar palavras, e uma crise de choro logo era ouvida.

Keith ouviu ao fundo um soluço vindo de Pidge, e a voz trêmula de Allura começou a recitar ordens enquanto Shiro tentava acalmar Coran, mesmo com o terror estampado nos olhos. Já Keith não tinha tempo para isso. Sem piscar, ele caminhou com firmeza até o hangar onde posicionavam-se os leões, sua mente, ao contrário de seu corpo, vagando cambaleante e sem direção por milhares de memorias embaralhadas de Lance (seus sorrisos travessos, sua risada vivida e ecoante, seus profundos olhos azuis que, assim como o oceano, possuíam turbulência e beleza dentro deles).

 

casa é um ninho de aconchego, uma proteção do mundo

 

O Leão Verde pousou no instante em que Keith começava a escalar seu próprio leão. Abandonando completamente seu plano original de ir atrás de Lance ele mesmo, o garoto correu até lá, com uma fria determinação exalando como fumaça de seu corpo. A porta de Verde abriu-se, e, de modo extremamente vagaroso, uma pálida Pidge pisou afora. Seu rosto, manchado de lágrimas secas e sangue, mantinha uma expressão de mais puro e completo choque. Sangue banhava toda a sua armadura, e Keith sentiu como se uma pedra de gelo estalasse em sua garganta, dolorosamente forçando o caminho ate seu estomago.

— S-sangue – gaguejou Shiro estupidamente. Seu rosto descolorira tão rápido quanto uma lâmpada queimando.

— Não é meu. – Allura soluçou. Shiro parecia que ia desmaiar a qualquer segundo, e Coran desmanchou-se em lágrimas. O sussurro de Pidge soara lúcido e esclarecedor aos ouvidos de todos. Mas não aos de Keith.

Cegamente, ele cambaleou na direção do Leão Verde, ignorando os fracos e chorosos chamados de Allura. Aquilo não fazia sentido. Lance estava machucado, claro, mas estava tudo bem, porque eles podiam consertar aquilo. Keith podia consertar aquilo.

 

casa é onde há risadas e alegria

 

  Entretanto, ao entrar na nave, tudo o que Keith viu foi Hunk debruçado sobre um corpo magro e ensanguentado, que poderia ser reconhecido por Keith em qualquer lugar. Não, pensou Keith em um cego desespero, não, não, não, não, não...

  Ajoelhou-se inconscientemente lado de Lance, cujos olhos, uma vez brilhantes e cheios de vida, miravam sem expressão para o teto metálico do Leão. Suas mãos tremiam incontrolavelmente, mas ele ainda encontrou forças para escovar os cabelos para longe da testa suada de Lance. Os lábios outrora rosados e convidativos agora encontravam-se secos e em uma tonalidade azul-arroxeada, e aquilo parecia tão errado que Keith mal podia respirar. Em desespero, o menino levou a mão até a ferida que atravessava o peito do namorado, pressionando-a mesmo que nenhum sangue vazasse mais de lá.

casa é onde você deposita todo o seu amor

 

  - Keith, o que... ?

 - Nós temos que aplicar pressão ao machucado, se quisermos que Lance tenha alguma chance – replicou Keith roboticamente, seu foco somente em curar Lance, faze-lo ficar melhor para que assim os dois pudessem casar-se, talvez adotar crianças como Lance queria, mudar-se para uma casa em Varadero...

 - Keith, para... Keith, eu sinto muito, mas Lance se foi-

— ELE NÃO ESTÁ MORTO! – berrou Keith virando-se, furioso e desesperado, para observar seu time, posicionado na porta do Leão Verde, todos olhando-o tristemente.

 Apesar de seus esforços, um soluço escapou de seus lábios, e sua voz tremia com uma entonação chorosa ao continuar:

— Ele não- ele está bem, veem? Eu só preciso de ajuda para move-lo para um cryo-pod, e então tudo vai f-ficar bem... Porque e-ele está bem, eu só preciso...

Keith buscou os olhos de Pidge, que fincaram nos dele como facas. Balançando a cabeça, ela assassinou os errôneos pensamentos de Keith de uma vez por todas.

Os olhos do meio-Galra encontraram os de Lance uma última vez, e a compreensão chegou em Keith como um balde de água fria. Seu peito contraia-se e ele não podia respirar. Uma massa de pensamentos enuviados impedia-o de pensar claramente, e Keith finalmente compreendeu o que Lance havia lhe explicado meses atrás. Saudades de casa é... Bem, é quando você sente um aperto no coração, e quando a coisa que você mais quer no mundo é voltar para sua casa. Você daria qualquer coisa e faria qualquer coisa para ter seu lar de volta... Entendeu?

 

casa é um farol no meio da escuridão da noite, uma esperança no meio do caos

 

Ah, Keith entendia. Ele compreendia aquele conceito muito bem agora. Porque, Keith descobriu, Lance era sua casa. E ele sentia saudades de casa.


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Notas finais do capítulo

Comentem :)



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