Ninguém além de mim escrita por Izzy Aguecheek


Capítulo 1
I get a little bit Genghis Khan


Notas iniciais do capítulo

Caso vocês não saibam, Genghis Khan tinha um monte de mulheres, mas ficava P da vida se elas tivessem amantes e mandava matar os amantes todos. Daí que vem a comparação entre o cara ciumento da música e o Genghis Khan.

Eu descartei dois plots Prokopinsky e um Ronsey antes de acabar com esse original que inicialmente era pra ser curto e acabou tendo 4k. Espero que gostem.



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Começou como uma brincadeira, o que não foi surpresa para ninguém. Poucas coisas na vida de Alexandre não começavam com uma piada ou um copo de bebida, e, quando se tratava de questões românticas, a porcentagem era ainda menor.

Não que Vinícius fosse uma questão romântica. Pelo menos, não que Alexandre soubesse. Assim, quando Vinícius declarou que tinha um encontro marcado e que talvez trouxesse o tal rapaz para o apartamento que dividia com o amigo, e Alexandre disse que ia ficar com ciúme, era só brincadeira.

— Pensa bem no que tu vai fazer, hein – avisou ele, fingindo seriedade. – Vai que eu fico com ciúme e decido estragar seu encontro?

Ele estava sentado no sofá, assistindo à TV, mas o apartamento era tão pequeno que ele não tinha dificuldade em conversar com o amigo, mesmo eles estando em cômodos separados. Vinícius colocou a cabeça para fora da cozinha para mandar um beijo para Alexandre.

— Não fica assim – disse ele, sorrindo. – Aconteça o que acontecer, você sempre será meu primeiro.

Alexandre revirou os olhos, apesar de não conseguir evitar sorrir de volta. Aquela era uma brincadeira recorrente entre os dois desde a primeira vez em que haviam dormido juntos, que, coincidentemente, também fora a primeira vez em que Vinícius dormira com qualquer pessoa.

— Não tô preparado pra perder os benefícios da nossa broderagem – reclamou Alexandre. – Com quem eu vou ser totalmente hetero agora?

Vinícius mostrou-lhe a língua antes de tornar a desaparecer na cozinha.

— Tenho certeza que você acha alguém – respondeu ele, lá de dentro. – Acho que só na sua sala da faculdade deve ter uns três.

Alexandre fazia engenharia civil na faculdade local. Ele ponderou por um instante.

— Provavelmente.

— E eu nem vou falar da quantidade de notificação que tem no seu Tinder.

— E no Grindr. Não esquece o Grindr.

Mesmo sem ver a expressão do amigo, Alexandre sabia que ele estava revirando os olhos, e riu alto o suficiente para Vinícius ouvir.

— Não fique com ciúme – pediu ele. – Esse é meu trabalho.

Ainda era brincadeira, pelo menos por enquanto. Vinícius soltou uma risada zombeteira.

— Ah, tá. Pode deixar.

Alexandre balançou a cabeça, sorrindo. Distraído, ele se perguntou se aquelas brincadeirinhas teriam que terminar, caso Vinícius arrumasse um namorado.

Ele não pensou muito na conversa durante o resto do dia. Foi só à noite, deitado na cama de Vinícius, observando o amigo se arrumar, que ele notou que talvez estivesse, sim, com uma pontinha de ciúme, do jeito que ficara com ciúme quando sua melhor amiga Lara arrumara uma namorada. Ou não, porque ele nunca havia transado com Lara.

Não que Alexandre e Vinícius tivessem algum tipo de relacionamento. Eles eram amigos, só isso. Amigos que se pegavam de vez em quando. Alexandre fizera questão de deixar isso bem claro depois da primeira vez em que eles se beijaram.

Vinícius devia ter notado algo em sua expressão, porque ele perguntou:

— Que cara é essa?

Isso despertou Alexandre. Ele abriu um sorriso preguiçoso.

— Tô só pensando por que você nunca se arruma assim pra mim – respondeu, fingindo mágoa.

Pelo espelho na porta do guarda-roupa, ele viu Vinícius lhe oferecer uma piscadela.

— Eu nunca precisei disso com você – disse ele. – Você sempre foi muito fácil pra mim.

Alexandre sabia que aquilo também era brincadeira, e decidiu não dizer o que estava pensando – na verdade, eu sempre achei que fosse o contrário. Ao invés disso, ele falou:

— Tenho certeza que esse cara também vai ser. Você tá sexy pra caramba nessa jaqueta de couro – Ele balançou as sobrancelhas. – Sabe, dá tempo pra uma rapidinha antes de você sair à procura de compromisso.

Vinícius riu.

— Meu Deus, você é impossível.

— Última chance.

— Desculpa, acho que vou ter que passar – Vinícius deu uma última olhada no espelho. – Você tem o mau hábito de bagunçar meu cabelo.

Alexandre grunhiu.

— Se ele não gostar de bagunçar seu cabelo, ele não te merece.

— Você é suspeito pra falar – retrucou Vinícius. – Sua opinião não conta.

Ele desviou da almofada que Alexandre jogou nele, rindo quando o amigo o xingou.

***

Era de se imaginar que Vinícius estivesse acostumado a encontrar com estranhos no apartamento deles; afinal, não era segredo que Alexandre ia a festas demais e sempre acabava trazendo um cara para casa. Vinícius nunca reclamara, embora nunca passasse muito tempo com eles; ele sempre cumprimentava o visitante, pegava algo para comer na geladeira e ia embora, deixando Alexandre e o acompanhante da noite sozinhos para tomar café-da-manhã.

Alexandre, por outro lado, não estava habituado a se encontrar na outra ponta dessa situação. Assim, ao sair do quarto e se deparar com um estranho sem camisa esparramado em seu sofá, ele quase teve um ataque do coração.

— Meu Deus do céu – disse ele, segurando o peito. – Quase que tu me mata agora.

O estranho teve um sobressalto; aparentemente, ele estivera cochilando. Ao ver Alexandre, ele abriu um sorriso sem graça.

— Desculpa. Eu levantei pra usar o banheiro e acabei caindo no sono.

Ele tinha uma beleza escancarada, do tipo capa de revista. Alexandre estreitou os olhos por um instante, antes de abrir um sorriso simpático.

— Eu sou o Alexandre – disse. – Moro aqui. Não sei se o Vinícius te falou de mim.

Vai que ele mencionou de passagem que a gente transa nesse sofá de vez em quando. De novo, ele teve o bom senso de manter a boca fechada.

O desconhecido se pôs de pé num pulo e estendeu a mão. Era um pouco mais alto do que Alexandre, e mais musculoso, também, notou Alexandre com certa inveja.

— Ele falou sim. Meu nome é Danilo – Só então ele pareceu perceber que estava usando apenas um calção velho, que parecia um tanto familiar. – Ahn, acho que eu vou me vestir, então.

  - É uma boa – concordou Alexandre, mantendo o sorriso.

Vinícius escolheu esse momento para tropeçar para fora do próprio quarto, usando apenas uma camiseta velha e cuecas boxer e esfregando os olhos. Ele parou de andar ao ver os outros dois.

— Opa. Parece que fui o último a acordar.

Alexandre descobriu por que o calção que Danilo usava lhe parecia familiar: pertencia a Vinícius. O próprio Alexandre já o pegara emprestado algumas vezes. Algo se contorceu em seu interior, mas ele não deu muita atenção à sensação.

— Pra variar – disse ele. Ele se virou para Danilo: - Ele sempre acorda cedo. Sempre.

— A gente dormiu bem tarde ontem – explicou Danilo, sem tirar os olhos de Vinícius. – Deve ser por isso.

Ele fitava Vinícius como se estivesse prestes a devorá-lo, e estava claro que Vinícius gostava daquilo. Alexandre conteve o impulso de revirar os olhos. Estava óbvio o que eles haviam feito na noite anterior, e também o que provavelmente fariam agora. Ele entendia o apelo de um Vinícius sonolento e de cabelo bagunçado melhor do que ninguém – afinal, ele via aquilo todo dia –, mas não tinha a menor intenção de ficar ali até o inevitável acontecer.

 - Então tá – disse ele. Ele olhou para Vinícius, erguendo uma sobrancelha como quem diz: é sério isso?, então seguiu para a cozinha.Não deixem que eu interrompa vocês.

Ele sentiu mais do que viu o olhar de reprovação que o amigo lhe lançou. Enquanto preparava algo para comer, podia ouvir Vinícius e o tal do Danilo na sala, cochichando entre si e rindo. Dessa vez, ele realmente revirou os olhos. Pelo amor de Deus, pensou. Vocês se conhecem há menos de vinte e quatro horas.

Quando Alexandre voltou ao quarto, Vinícius e Danilo estavam aos beijos no sofá. Eles até que formavam um casal bonito, o que deixou Alexandre ainda mais irritado. Ele se perguntou até quando aquele cara ficaria ali. Domingo era dia de ficar em casa, e, normalmente, Alexandre e Vinícius assistiam a um filme ou série, só os dois. Às vezes, terminava na cama. Às vezes, eles só ficavam no sofá em um silêncio agradável, os pés de Vinícius no colo de Alexandre ou o braço de Alexandre ao redor dos ombros de Vinícius. Só amigos. Amigos muito, muito próximos.

Alexandre não estava a fim de ver um filme com Vinícius e Danilo, pelo menos não se eles fossem ficar se agarrando daquele jeito. Ele não tinha nenhum interesse em ver outros caras se beijando, a menos que eles o convidassem a participar. Assim, decidiu deixá-los a sós e ficar no próprio quarto, mesmo. Vinícius e Danilo que se sentissem agradecidos pela privacidade e encarassem aquilo como um favor.

De fato, sua falta não pareceu ter sido sentida. Foi só no final da tarde, quando Alexandre já estava enlouquecendo de tédio, que Vinícius bateu à sua porta, colocou a cabeça para dentro e disse:

— Você morreu, por acaso?

Alexandre, que estava em uma vídeo-chamada com Lara, fez uma pausa para revirar os olhos para ele.

— Tô vivinho da silva. Não queria ser empata-foda.

O som da risada de Lara veio do telefone dele, claro como o dia. Vinícius acenou.

— Oi, Lara.

— Oi, Vini – Ela era a única pessoa que o chamava assim. – Tudo bem?

— Tudo ótimo – Vinícius se virou para Alexandre. – E você não ia ser empata-foda. É pra isso que existe fechar a porta do quarto.

— Exatamente – retrucou Alexandre. Enquanto Vinícius semicerrava os olhos, confuso, Lara disse:

— Ele só tá sendo chato porque acha que você tá trocando ele.

Alexandre pegou o telefone.

— Tchau, Lara.

— Mas é verdade, ué! Você...

A chamada foi encerrada antes que ela pudesse concluir a frase. Vinícius ergueu uma sobrancelha, sorrindo.

— Te trocando, é?

Alexandre deu de ombros.

— É chato passar o domingo sozinho.

— Ainda dá tempo de assistir um filme – sugeriu Vinícius.

Era só impressão, ou havia certa malícia na voz dele? Alexandre o analisou dos pés à cabeça. Ele estava vestido agora, e ostentava um chupão enorme no pescoço. Aquilo já estava ali quando eles se viram pela manhã? Alexandre nunca deixava marcas. Fazia parte do acordo não verbal entre eles. A imagem o deixou desconcertado.

Enquanto seguia Vinícius até o sofá, Alexandre se pegou perguntando:

— Então, você e esse fulano agora são exclusivos ou...?

Seu tom era definitivamente sugestivo, mas Vinícius não parecia inclinado a contribuir com a brincadeira. Ao invés disso, ele riu, empurrando Alexandre com o quadril.

— Sem essa. Você não pode fazer isso.

— O quê?!

— Ficar todo interessado em me seduzir agora que eu tenho outro.

Ainda soava como uma brincadeira, uma provocação, mas era uma piada bem esquisita de se fazer. Alexandre sabia que pensaria obsessivamente sobre aquela frase à noite, quando se deitasse para dormir. Sozinho. Ele suspirou. Parecia que agora teria que arrumar outra pessoa com quem ter uma amizade colorida.

***

Durante o resto da semana, Danilo não tornou a aparecer no apartamento. Por outro lado, Vinícius também não ficava muito tempo em casa.

— Não espere acordado – dizia ele, em tom brincalhão.

Alexandre sempre retrucava com alguma coisa espertinha ou maliciosa, mas não conseguia deixar de se sentir um tanto abandonado. Vinícius era seu melhor amigo, afinal. Ele gostaria de passar mais tempo com o colega de apartamento.

Além disso, a missão da nova amizade colorida não estava indo bem. Era meio difícil arrumar alguém disposto a contribuir, considerando que os melhores amigos de Alexandre eram uma lésbica, dois heteros e seu irmão mais novo.

— Talvez isso seja um sinal – disse Lara, quando ele comentou sobre o assunto com ela.

Alexandre suspirou internamente. Lá vem, pensou.

— De quê, criatura?

Lara deu de ombros. Eles haviam se encontrado para almoçar no RU, e ela mal tocaram no prato à sua frente. Alexandre estava para conhecer alguém mais fresco do que a amiga.

— De que tá na hora de você aquietar o cu e ir estudar – sugeriu ela. Alexandre lhe mostrou o dedo do meio, o que não pareceu afetá-la nem um pouco. – Ou de que não é de sexo que você sente falta.

— Ah, tá – Alexandre pôs as mãos sobre o coração e piscou os olhos. – Tudo que você precisa é amor.

Lara fez uma careta para ele.

— Não de amor, não necessariamente – Ela fez uma pausa. – Talvez você só sinta falta do Vinícius.

— Porque ele é meu melhor amigo. E minha única transa garantida.

— Ou porque você gosta dele. E, ao que parece, não é tão garantida assim, não.

Alexandre suspirou.

— Você é impossível e eu te odeio.

Lara sorriu e se inclinou para trás na cadeira.

— De nada.

Durante o resto do dia, Alexandre não conseguiu deixar de pensar naquilo. Ele não gostava de Vinícius, não daquele jeito. Afinal, não fora ele que deixaram bem claro que as coisas entre eles não eram nada sérias? Não fora ele que fizera questão de lembrar que eles eram apenas amigos, e, portanto, não exclusivos?

Ele lembrou do que Vinícius lhe dissera no dia em que Danilo fora ao apartamento deles: Você não pode fazer isso. Ficar todo interessado em me seduzir agora que eu tenho outro. A verdade é que Alexandre sempre presumira que era Vinícius quem tinha uma quedinha por ele. Ele sempre sentira certo rancor por parte do amigo em relação aos caras que levava ao apartamento. Porém, como Vinícius nunca lhe dissera nada, ele concluíra que as coisas estavam bem do jeito que estavam.

Agora, estava bem claro que Alexandre havia entendido errado. Vinícius não podia ter sentimentos por ele, ou não estaria tão apaixonado por Danilo. Se aquela fosse apenas uma das coisas sobre as quais ele se confundira...

Ele fez o possível para afastar esses pensamentos da cabeça. Não era um drama com o qual estava a fim de lidar.

***

A única noite da semana que Vinícius passou em casa foi a de sábado, que, coincidentemente, também foi a única na qual Alexandre decidira sair.

— Você não cansa, não? – perguntou ele, quando soube que o amigo ia a uma boate com Lara.

— Por quê? Você cansa? – retrucou Alexandre.

Assim que falou, ele percebeu quão ríspido soara, mas agora era tarde demais para voltar atrás. Vinícius, porém, não pareceu perceber. A expressão dele estava ilegível.

Touché – resmungou ele. Alexandre abriu um sorriso sem graça.

— Não espere acordado – disse, antes de deixar o apartamento.

Ele não quis pensar sobre por que estava agindo de forma tão esquisita.

Alexandre encontrou com Lara na porta da boate, e os dois entraram juntos; porém, demorou apenas alguns drinques para que eles se separassem. Alexandre, que bebera bem mais do que a amiga, estava zonzo demais para se preocupar com isso. Ele só tinha duas prioridades naquele momento: dançar um bocado e achar alguém para levar para casa.

Ele recusou algumas meninas antes de finalmente se aproximar de um cara que havia lhe interessado. Se ele se dispusesse a pensar sobre o assunto, seria obrigado admitir que o tal rapaz parecia um pouco com Vinícius: mesmo corte de cabelo, mesmas maçãs do rosto altas, mesma figure esguia e delicada. Até o nome dele era meio parecido: Victor.

Eles trocaram poucas palavras antes de se beijarem. Victor tinha muito mais atitude do que Alexandre esperara com base em sua aparência, o que, na maior parte do tempo, era uma coisa boa. O problema era que, naquela noite em especial, Alexandre não conseguia parar de pensar que Vinícius nunca o beijara com tanta certeza, pelo menos não quando era ele quem tomava a iniciativa. Ele sempre parecia um pouco inseguro, como se tivesse medo de que Alexandre o afastasse.

Alexandre se pegou lembrando da expressão de Vinícius quando deixara o apartamento. Como se não quisesse que o amigo fosse. Como se tivesse algo a dizer, mas estivesse com medo dizê-lo. Ele se perguntou se Vinícius beijava Danilo do jeito que Victor o estava beijando agora, como se fosse um direito de nascença, ou se hesitava do mesmo jeito. Se aquela hesitação era coisa dele, ou culpa de Alexandre.

O pensamento foi como um balde de água fria, ou um soco na boca do estômago, ou uma queimadura de segundo grau, e Alexandre pensou: eu gosto dele. Merda, eu gosto dele de verdade.

Ele não saberia dizer se havia acabado de se dar conta do fato ou se sempre soubera e só o estava admitindo agora. Ele não saberia dizer quando as brincadeiras que fizera sobre estar com ciúmes haviam passado a ser verdade. O fato era que Alexandre estava apaixonado por Vinícius, e precisava contar isso a ele imediatamente, antes que fosse tarde demais.

Victor lhe lançou um olhar confuso quando ele o afastou.

— Desculpa – disse Alexandre. – Mas eu realmente tenho que ir.

— Tudo bem – disse Victor, apesar de soar um tanto decepcionado. – Você quer pegar meu número, ou...?

Mas Alexandre já estava se afastando.

— Não precisa, mas foi bom te conhecer! – gritou ele, na tentativa de se fazer ouvir por sobre a música alta.

Ele encontrou Lara no caminho até a saída, descendo até o chão com uma colega da faculdade que encontrara, e a puxou para perto para gritar em seu ouvido:

— Eu tô apaixonado. Tenho que ir. Agora.

Ela gritou de volta:

— Eu sabia! Pode ir. Eu fico aqui com minha nova melhor amiga.

Alexandre a beijou na bochecha.

— Você é a melhor.

Em seguida, ele saiu correndo porta afora, já pegando o celular para chamar um Uber.

Vinícius obedecera ao conselho de não esperar acordado; ao abrir a porta do quarto dele, depois de bater uma vez, Alexandre o encontrou adormecido na cama, enrolando nos quinhentos lençóis pelos quais eles costumavam brigar quando dormiam juntos. Ele sentou na cama e sacudiu o amigo pelo ombro, chamando seu nome baixinho. Vinícius acordou com um sobressalto.

— Caraca, Alexandre, onde é o incêndio?

Dessa vez, Alexandre não retribuiu a provocação. Ele já havia passado desse ponto.

— Vinícius, você tá acordado mesmo? Tipo, cê tá me ouvindo?

Vinícius se sentou, esfregando os olhos.

— Tô ouvindo o suficiente pra saber que você tá me assustando – Ele analisou o estado do amigo, e seu rosto assumiu uma expressão séria. – O que aconteceu?

— Eu gosto de você – declarou Alexandre, antes que perdesse a coragem. – Tipo, de verdade. Do tipo “eu realmente fiquei com ciúmes quando você trouxe o Danilo pra cá”. Do tipo “eu até tentei ficar com outro cara, mas não conseguia parar de pensar em você”. Esse tipo de gostar.

Por um instante, Vinícius apenas ficou olhando para ele, boquiaberto. Então, a expressão dele mudou, e Alexandre sentiu o estômago dar um nó. Vinícius não parecia nem minimamente lisonjeado pela declaração. Se tanto, ele estava com raiva.

— E por que porra você achou que seria uma boa ideia me contar isso agora?

Vinícius não costumava xingar; aquilo era um mau sinal. Alexandre pestanejou, pego de surpresa.

— Eu... Só achei que você devesse saber – balbuciou.

— Não, porra, eu não devia saber – Vinícius sacudiu a cabeça, olhando para o amigo como se ele tivesse enlouquecido. – Você não pode fazer isso, Alexandre. É egoísta, e não é assim que as coisas funcionam.

Agora, Alexandre definitivamente não estava entendendo mais nada.

— Fazer o quê, gostar de você?

— Passar meses dizendo que não quer nada série e que nosso lance é só platônico, só pra de repente se interessar por mim assim que eu comecei a tentar superar você! – exclamou Vinícius. Alexandre levantou a mão.

— Peraí, devagar. Assim que você o quê?

Aquilo fez com que Vinícius se calasse. A raiva em sua expressão se esvaiu, e ele pareceu murchar, assumindo um ar cansado que doía ver.

— Não aja como se você não já soubesse – murmurou ele.

Verdade seja dita, Alexandre sabia. Mas ele precisava ouvir o amigo dizer.

— Soubesse o quê, Vinícius?

Vinícius respirou fundo.

— Que eu gosto de você. Que sempre gostei, desde a primeira vez em que a gente se beijou, desde a noite em que você se tornou “meu primeiro” – Ele fez aspas no ar com os dedos. – Não é possível que você não tenha notado. Você não é tão burro.

Eu demorei esse tempo todo pra notar que tô apaixonado por você, pensou Alexandre. Ele não merecia tanto crédito. Mas tudo o que disse foi:

— Você nunca me falou.

Estava muito escuro para ler a expressão de Vinícius, mas, quando ele voltou a falar, parecia à beira das lágrimas.

— E por que eu diria? Depois de você ter repetido quinhentas vezes que não queria se envolver emocionalmente com ninguém? Você acha que eu sou idiota, Alexandre?

Definitivamente, aquela conversa não estava indo como Alexandre planejara. Claro, ele suspeitara que Vinícius tivesse uma queda por ele em alguns momentos, mas por isso mesmo presumira que o amigo fosse ficar feliz pela confissão. Ele não estivera esperando tanta mágoa. Por um instante, não soube o que dizer; só ficou parado, encarando Vinícius, que fitava os próprios joelhos.

— Como eu poderia ter te dito? – concluiu Vinícius, baixinho.

Merda, merda, merda. Eu fodi com tudo.          

A única coisa que Alexandre conseguiu dizer foi:

— E você conseguiu?

— O quê, te dizer? – Vinícius revirou os olhos. Parecia inconcebível que, mesmo agora, eles estivessem revirando os olhos um para o outro. Por outro lado, toda aquela conversa parecera inconcebível uma semana atrás, e, entretanto, ali eles estavam. – Consegui agora. Feliz?

— Não foi isso que eu quis dizer – A voz de Alexandre também era baixa, embora não tivesse mais ninguém no apartamento que eles pudessem acordar. – Você conseguiu superar?

Foi a vez de Vinícius de ficar sem palavras. Os dois se encararam por um longo minuto, então ele disse, soando exausto:

— Vai dormir, Alexandre.

Ele nunca expulsara o amigo de seu quarto antes, pelo menos não com tanta seriedade. Alexandre se levantou, mas hesitou por mais um instante.

— Isso não é uma resposta.

Vinícius já havia tornado a se enrolar nos cobertores. Ele se virou de lado, ficando de costas para o amigo.

— Vai dormir, Alexandre – repetiu.

Alexandre concluiu que aquela era a melhor resposta que obteria, ao menos naquela noite, e saiu do quarto silenciosamente. Porém, ele não dormiu. Como poderia? Ele havia acabado de ter o coração partido, e partira o de seu melhor amigo também durante o processo. Ele ainda nem tivera tempo de processar exatamente como conseguira essa proeza. Não, aquela definitivamente não era uma noite para dormir.

***

Mais de uma semana se passou sem que Alexandre e Vinícius trocassem mais de uma dúzia de palavras.

Aquela certamente não fora a primeira discussão entre eles, mas fora a primeira que os deixara tão pouco à vontade na presença um do outro que Alexandre começou a organizar seus compromissos especificamente para que ele não estivesse em casa ao mesmo tempo que Alexandre. Ele passou a passar muito mais tempo na casa de Lara, que não protestou, mas aconselhou-o a “parar com essa frescura no rabo e se resolver logo com ele”.

— Porque, se você ainda tiver uma chance, por menor que seja, não vai querer perder essa oportunidade por orgulho – disse ela. Os dois estavam deitados em seu quarto, onde se escondiam dos pais e da irmã mais nova de Lara, com quem ela ainda morava.

Alexandre quis dizer que não era uma questão de orgulho, mas talvez fosse. Ele havia magoado Vinícius, e parte dele ainda se recusava a admitir a culpa.

— E se eu não tiver chance?

— Aí você faz que nem ele e arruma um jeito de superar – respondeu Lara, prática como sempre. Ela olhou para o amigo com simpatia. – Eu sei que é mais fácil falar do que fazer, mas não se esqueça de que foi a falta de comunicação que colocou vocês nessa situação, pra começo de conversa.

Alexandre disse que pensaria no assunto. E pensou mesmo. Exaustivamente. Pensar no assunto não resolveu nada.

Então, ele começou a notar que estava saindo mais do que Vinícius, o que queria dizer que as visitas constantes à casa de Danilo haviam diminuído, se não parado completamente. Numa quinta-feira, quase duas semanas depois da briga – se é que se podia chamar aquilo de briga –, Alexandre não conseguiu aguentar.

— Vocês terminaram?

Vinícius congelou. Ele estava na cozinha, preparando um chá, e Alexandre havia saído do quarto, onde estivera se escondendo do amigo, só para fazer a pergunta e quebrar aquele silêncio insuportável.

Por fim, Vinícius disse:

— Não é da sua conta.

— É da minha conta, sim, Vinícius – retrucou Alexandre. Ele estava cansado da atitude passivo-agressiva do amigo. Eles iriam resolver aquilo agora, para o bem ou para o mal. – Porque, se vocês tiverem terminado, pode muito bem ser culpa minha, não? Por ter finalmente dito que gosto de você. – Ele respirou fundo. – Que merda, Vinícius, se vocês tiverem terminado, eu posso até me iludir e criar esperança, não posso, não?

Vinícius colocou a caneca sobre a pia devagar e se virou para encarar o amigo.

— Ou a gente pode ter terminado por motivos que não tinham nada a ver com você – respondeu. – Já parou pra pensar que o mundo não gira ao seu redor?

— Então vocês terminaram.

Como Vinícius não respondeu, ele supôs que tinha razão. Não houve tempo para sentir alegria pelo término. Alexandre podia ganhar esperanças de arrumar um namorado por aquela notícia, mas também podia perder um de seus melhores amigos, e ele tinha suas prioridades no lugar.

— Bem – Ele se esforçou para organizar os pensamentos. A verdade era que não havia pensado em como proceder a partir dali. – E agora?

Demorou, mas Vinícius finalmente pareceu perder a vontade de brigar. Ele foi até a sala e se deixou afundar no sofá antes de dizer:

— E agora, eu não sei o que fazer, porque eu ainda estou com raiva de você, mas eu ainda gosto de você, e eu tô morrendo de medo de tudo isso dar errado de um jeito horrível que vai terminar com a gente nunca mais se falando.

Não havia resposta óbvia para uma declaração daquelas. Alexandre se juntou ao amigo no sofá e pensou por um longo instante antes de concluir que o melhor jeito de resolver problemas de rancor era pedindo desculpas.

— Eu não deveria ter jogado isso em cima de você daquele jeito – disse, por fim. – Você tem razão, não foi justo. Eu devia ter respeitado que você estava com o Danilo.

Vinícius assentiu.

— E eu deveria ter te contado – retrucou. – Assim que percebi.

— Acho que eu não ajudei muito nesse quesito – Alexandre abriu um sorrisinho. – Com todo aquele papo de amizade colorida.

Vinícius riu.

— É, você definitivamente não facilitou pra mim.

— Mas agora eu sei – continuou Alexandre. – E você sabe. Então...

Vinícius o beijou antes que ele pudesse completar a frase, o que foi um alívio, porque ele não tinha ideia de como ela terminava.

Quando eles se separaram, Alexandre repetiu:

— Então...?

Então chega dessa merda de lance casual – disse Vinícius, com um sorriso. – Você vai namorar comigo ou a gente vai voltar a ser amigos. Amigos não coloridos. Amigos preto e branco.

Alexandre piscou, pego de surpresa pela petulância contida na frase.

— Tá. Tudo bem. Eu vou ser seu namorado.

— Ótimo – Vinícius se levantou e começou a puxar Alexandre pela mão na direção do corredor. – Porque senão eu ia sentir falta de algumas coisas.

Ao ver que eles estavam se dirigindo ao quarto de Vinícius, Alexandre não conseguiu conter uma risada.

— O primeiro a gente nunca esquece, hein? – provocou. Vinícius revirou os olhos.

— Cala a boca – Ele abriu a porta do quarto. – E não, não quando o primeiro é você.

Quando ele fechou a porta atrás de si, Alexandre estava quase feliz pelo comentário sobre ter ciúmes não ter sido só uma brincadeira.


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Notas finais do capítulo

(Se em algum momento dessa história você teve vontade de dar na cara do Alexandre: é nois)