ela pegou minha mão quando tínhamos treze anos. éramos velhos demais pra estar naquele parquinho, mas quem liga?

ela me puxou do escorregador e me levou para a gangorra. uma hora em cima, outra em baixo.
ela se molhou na chuva e correu pra casa. fiquei sozinho na gangorra. sozinho eu só ficava em baixo.

com catorze anos nós nos distanciamos. era muita idade pra ir brincar na rua. eu a via na escola com as outras garotas, sempre aos montes. ela sorria pra mim às vezes, quando não estava ocupada falando de vampiros e lobos.

com quinze anos ela não fez uma festa. era tímida. sempre foi. com quinze anos ela ganhou um cachorro, seu sonho desde criança. ela passeava com ele todos os dias de manhã. com quinze anos eu voltava pra casa de manhã. com quinze anos ela parou de sorrir pra mim na escola.

no ano seguinte ela cortou o cabelo bem curto. as mechas loiras foram embora num corte de cabelo de homem. aos dezesseis ela usava glitter no rosto e fazia pulseiras de sementes de plantas. aos dezesseis eu deixei meu cabelo crescer. uma zona castanha na cabeça.
nem nos conhecíamos.

ano passado ela mudou de novo. então seu nome explodiu na escola. um nome novo nasceu da supernova. ele continuava com o cabelo curto e o glitter. tinha um piercing no nariz. ele me deu um sorriso no corredor. sorri de volta. meu cabelo estava enorme com dezessete.

hoje ele me viu e acenou. eu estava pintando a cerca e tinha um cigarro de canela nos lábios. ele estava sem o glitter no rosto, só o rubor. ele me viu e foi embora.

hoje era a formatura. era noite e o céu brilhava. não tinha lua, mas ele estava com o glitter no rosto, então não era preciso. ele usava roupas de grife. em cima branco e bufante, em baixo vermelho vivo. se virassem ele de cabeça pra baixo você veria tênis amarelos no lugar da cabeça.

eu estava com meu terno usado. os tênis vermelhos sem cor. hoje eu lavei meus cabelos.

ele me abraçou quando saímos da escola. um caminho se abriu em seu rosto pelas lágrimas. ele chorou com o discurso da formatura. eu sorri. odiava a escola.

ele se despediu dos pais para ir a festa na casa. eu não ia. eu decidi ir. ele era tímido, aquela festa não era pra ele.

ele estava chorando quando cheguei. os idiotas riam bêbados. eu os xinguei e fui embora, levando ele comigo.
nos sentamos escorados na cerca que eu pintei de manhã. o sol a tinha secado. o glitter escorria pelas bochechas dele.

passei meus dedos nodosos embaixo de seus olhos. pare de chorar, criança.

lembramos de nossa infância. acendi cigarros de canela e maconha. ele tragou o primeiro. rimos quando ele tossiu horrores. eu já estava acostumado.

é de madrugada e estamos olhando o céu. um carro faz barulho no fim da rua e logo some. seu rosto está uma bagunça de glitter e ele nunca esteve tão bonito. meu cabelo descansa atrás das orelhas. ele me olha com seus olhos azuis e sorri. estamos sem nenhuma distância. estamos colados pela boca e sua mão está na minha como quando tínhamos treze anos.

meu rosto tem glitter quando ele vai embora. sua casa é ali na esquina.

acordo de terno com o irrigador me molhando. dormi no jardim e não podia ter sonhos melhores.

um cachorro late na rua e eu olho. ele está usando uma jardineira e uma blusa rosa. quase tropeça nos chinelos quando seu cachorro corre para marcar minha cerca.

ele me acha e hesita. eu sorrio e tiro os cabelos do rosto. bom dia.

o dia está quente e eu arranco a camisa. estamos na piscina da casa dele. ele está só de bermudas e sua pele brilha mesmo sem glitter. dessa vez sou eu que pego sua mão. balançando os pés na água da piscina. eu encosto minha cabeça cheia de bagunça nos seus ombros límpidos. ele beija meus cabelos embaraçados e eu quero ficar ali pra sempre.