Tentar escrita por AnnyeCS


Capítulo 1
Único


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura.



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Eu estou tentando.
Acordo todos os dias, não sinto vontade de sair da cama, mas levanto.
Arrumo minha sobrinha e a levo pra escola.
Não tomo café, mas tanto faz, não tenho fome.
A casa tá bagunçada, tem teia de aranha no teto do meu quarto, combina comigo. Não quero arrumar nada. Mas tento organizar tudo, é necessário.
Paro no meio da casa e o choro vem de lugar nenhum, não tento impedir, deixo vir.
Não sinto fome, mas o almoço precisa ser feito, o faço. Tento me concentrar no que estou fazendo, mas deixo a pia encher de água enquanto lavo os legumes, ando me distraindo fácil.
Tenho que buscar minha sobrinha, a ideia de olhar para pessoas me incomoda, mas vou mesmo assim.
O almoço fica pronto, sirvo minha sobrinha "Não vai comer, mamãe? Você vai ficar dodói". Ela me diz e eu me sirvo de um pouco de alimento, desce sem gosto e rasgando. Não sinto fome.
O relógio bate 13:00 da tarde, e eu me sinto cansada e sem disposição.
Não quero, mas tomo um banho, a sensação ruim do vazio aumenta, tento não sentar no chão do banheiro e chorar, inútil.
Visto uma roupa qualquer e deito na cama, e não quero sair dela.
Meu gato deita sobre meu peito, e fica lá, quietinho, e isso me acalma, até eu lembrar que não alimentei os animais.
Não sinto vontade, mas levanto e dou comida para os cães, os gatos e as galinhas.
Paro no meio do quintal e me pergunto a quem eu estou tentando enganar. Sem resposta.
Bebo um copo de água, esqueci de beber o dia inteiro, também não tenho sede. O Despertador em meu celular é quem me avisa, me lembrando constantemente que eu estou tentando.
Não sinto vontade, mas preparo o lanche da tarde, minha sobrinha acorda e eu a sirvo. "Tem que comer mamãe, pra ficar forte igual o Huck.” Bebo um copo de suco e ela parece feliz. Sinto vontade de por tudo pra fora, mas tento controlar o enjôo respirando fundo.
São 17:00hrs e preciso me arrumar para ir ao curso. Não sinto vontade, não quero ter que olhar para minhas colegas e sorrir, quero ficar na minha cama e dormir. Mas tomo um banho e tento me arrumar um pouco. "Um lixo". O espelho me diz. Mas o ignoro, não é nenhum novidade, tenho que tentar seguir minha vida.
Olho para o comprimido, sinto vontade de tomá-los todos de uma única vez, mas não o faço. Engulo apenas um como se fosse uma navalha, é uma lembrança frequente de que, não posso tentar tudo sozinha, mas a quem vou pedir apoio se ninguém se importa o bastante?
Me vejo no espelho mais uma vez, meu padrasto chegou, não quero que ele veja minha apatia, ponho meu melhor sorriso e saio.
No ônibus, quero chorar, mas não o faço, minha cabeça já está doendo e meus olhos ardem levemente. A maquiagem esconde.
Chego no curso, e não sinto vontade de interagir, mas o faço. Preciso participar, conversar, preciso me distrair do vazio que me invade.
É dia de apresentação, e tudo que quero é correr dali e me esconder, chorar, mas não o faço. Tento controlar a respiração, o tremor nas mãos e as palavras falhas. “podia ter sido melhor.” A professora disse. Tudo bem, eu não sou grande coisa mesmo. A vontade de buscar refúgio no banheiro e chorar ainda está lá, e estou tentando ignorá-la o melhor que posso.
É intervalo, as meninas compram um lanche e me dão, não sinto fome, mas aceito o suco. Ele desce amargo, e eu agradeço.
São 22:00hrs quando chego em casa de novo, as reclamações começam, eu tento, mas não consigo ignorar as palavras sem carinho. Elas queimam como ferro em brasa.
Quero chorar, mas não o faço. “Amanhã eu arrumo isso, mãe.” Ela fecha porta do quarto sem me dar “boa noite”. Tudo bem não é como se eu merecesse um mero “boa noite”, não é como se eu fosse tê-la também.
Meu celular vibra, e bebo um copo de água, minhas pernas são agarradas de repente e isso me assusta, é minha sobrinha. “Já chegou mamãe?”. Sorrio e digo que sim, ela pede água, me dá um beijo e um “boa noite” e então volta para a própria cama, e de lá pergunta “Já jantou, mamãe.” E eu digo que sim. É só mais uma mentira.
Não tomo banho, não sinto vontade.
Troco de roupa, minha cama está bagunçada, ela sempre está, tudo bem, eu também estou sempre assim.
Deito sobre o colchão como se ele fosse meu abrigo, meu gato deita sobre meu peito e fica lá, quietinho. Eu o abraço. Não quero, tento resistir, mas me deixo chorar em silêncio, sujando o pelo laranja com minhas lágrimas.
Não sei a que horas o sono me venceu e fui sugada para o mundo de pesadelos da inconsciência, eu nunca tenho sonhos ou pesadelos. Eu preferia tê-los. Pois o que me invade são memórias, lembranças dolorosas, pesadelos reais que irão me perseguir até a morte. Meus monstros são reais, as vezes falam deles para mim, as vezes um deles me envia uma mensagem. E eu tento seguir como se eles não me assustassem, como se suas vozes não me perseguir sem durante o sono.
São 6:hrs da manhã, meu despertador toca, não quero, mas acordo para mais um dia de vazio.
Não tomo café, não sinto fome, na verdade não sinto quase nada, o vazio me consome lenta e dolorosamente.
Não sinto vontade de viver, de existir. Mas estou tentando.


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Notas finais do capítulo

Fique a vontade para fazer um comentário caso queira.
Se você se identificou com algo aqui escrito. sinta o meu abraço em você. Eu sei que não é fácil, mas estamos todos tentando, não é?



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