Stellarium escrita por Acquarelle


Capítulo 4
CAP.1, Epi.3: O eco das profundezas




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— Ah! — Os olhos da garota brilharam ainda mais.

— Por isso, senhorita, não deve dizer a ninguém que estou aqui, entendido?

— P-pode deixar, Alteza! — Ela respondeu de maneira nervosa. — Não contarei nada para ninguém.

Ayase queria rir da seriedade que estava conduzindo a situação, mas precisava manter as aparências.

— Como você se chama, senhorita? — perguntou Ayase, logo percebendo que o nervosismo da jovem ficou ainda mais nítido, pois ela passou a apertar algumas rendas de sua roupa com força.

— M-meu nome? É uma honra para mim que Vossa Alteza pe-pergunte o meu nome. — A garota deu uma pausa e abaixou a cabeça. — Me chamo Sumire, Alteza.

Diante da situação, Sumire pensou em se reverenciar, mas se lembrou do que princesa havia lhe dito mais cedo; se ela estava ali numa missão secreta, ninguém poderia reconhecê-la. Caso isso acontecesse, o comércio se transformaria em uma grande bagunça e provavelmente Ayase teria que se esconder durante vários dias, comprometendo o que quer que pretendesse fazer ali, ficando zangada com ela.

Felizmente Sumire conseguiu conter a sua vontade, e o sorriso que a princesa lhe deu em seguida pareceu uma recompensa por isso.

— Não precisa ser tão formal comigo, Sumire. Pode me chamar apenas de Ayase!

— Eu não ousaria, Vossa Alteza. — Ela ainda estava nervosa, pois pressionou ainda mais as suas rendas. — Mesmo longe do castelo, a senhorita ainda é uma das princesas das Terras de Cristal, e creio que não vai levar muito tempo para se tornar a nossa rainha. Espero que Althum seja a escolhida para isso, mas irei te apoiar em qualquer um dos reinos que a senhorita for.

Ao ouvir isso, o rosto de Ayase tomou a cor de seus cabelos e ela sorriu.

Aquele sorriso, porém, tentava esconder parte do nervosismo que crescia dentro de seu coração; cada vez que a conversa dava continuidade, mais Sumire a lembrava de seu papel como princesa e futura rainha de um dos reinos de Atlansha. Quando voltasse para casa, provavelmente a sua mãe lhe obrigaria a seguir uma rotina ainda mais rigorosa quanto a etiqueta, oratória, música, dança, como se portar diante dos súditos e toda a bobagem a respeito de linhagens, governo e seus representantes. Isso se ela conseguisse entrar no Palácio das Estrelas depois de tudo o que fez.

"Quer tanto ir embora? Vá! Vá e não volte mais aqui!", as palavras de sua mãe ainda ecoavam em sua mente.

Ayase era filha do segundo casamento do rei. Quando nasceu, a primeira rainha, Jiyoung, ainda estava viva, porém era tão fraca que passava o dia todo no Palácio das Estrelas, enquanto sua mãe sempre acompanhava o rei em seus deveres.

Conforme Ayase crescia, mais a doença da rainha Jiyoung se tornava mais forte, a forçando a ficar boa parte do dia em sua cama. Apesar disso, ela foi muito mais presente em sua vida que a segunda rainha, que abominava o tempo que Ayase passava com ela e suas meias-irmãs, Kyuri e Hyerin; ela costumava arrastar a menina pelos cabelos enquanto lhe repreendia sobre "se misturar com pessoas imundas", o que Ayase demorou algum tempo para entender. Não que a segregação, as broncas e os treinos ainda mais pesados fossem suficientes para separá-la de sua "outra" família, mas a garota ficava sentida em passar menos tempo com quem se importava com ela.

Com a morte da primeira rainha, a vida de Ayase foi consumida pela tristeza.

Sua mãe, rainha Kanon, se tornou a única na vida do rei, o que fez o poder subir à cabeça. Forjou casamentos nada convincentes para as filhas que não eram suas, as forçando a deixar o Palácio das Estrelas e saírem de perto das "verdadeiras herdeiras das Terras de Cristal", como costumava chamar Ayase e Akiho. Os treinamentos passaram a ocupar boa parte da agenda das duas, que só tinham a companhia uma da outra. Seu pai parecia cansado demais para perceber o quão prejudicial tudo estava sendo, e o silêncio das duas só fazia a situação piorar.

Aquela época foi a pior de todas.

— Princesa... — sussurrou Sumire, a arrancando de seus pensamentos. Ela deu uma pausa, como se buscasse as palavras certas para falar. — Princesa, o boato que falam sobre a senhorita é real? Sobre sua relação com o monstro do abismo. E-eu... ouvi algumas coisas dos comerciantes.

Ayase não parecia disposta a falar algo, então Sumire continuou:

— P-perdão!! — Ela abaixou a cabeça. — Eu não deveria ser tão curiosa... por favor, me perdoe!!!

Uma certa noite, Ayase fugiu do castelo.

Sem olhar para trás, ela nadou até o seu corpo chegar ao limite, temendo pelo que poderia acontecer se fosse pega; provavelmente a rainha iria dobrar ou triplicar seu treinamento até fazê-la implorar por misericórdia. No fundo, Ayase tinha medo que ela fizesse tal castigo com Akiho, mas não podia simplesmente arrastar a sua irmã mais nova para seus planos. Mais cedo ou mais tarde elas seriam capturadas e sabe-se lá o que sua mãe faria com elas; com Akiho no palácio, ao menos a família não cairia em completa desgraça.

Seu trajeto até o desconhecido a levou até o Eco das Profundezas, um dos abismos mais escuros e perigosos de Atlansha. Sua fuga resultou em uma das descobertas mais incríveis de sua vida, e a partir daquele dia, tudo passou a tomar outro rumo. Mesmo com Akiho irritada com ela, Ayase não estava mais sozinha. Mesmo com a rainha sendo explosiva e poderosa, Ayase conseguiu confrontrá-la. Mesmo sendo uma princesa, Ayase conseguiu conquistar a liberdade, mesmo que provisória.

Em meio às trevas do abismo, ela encontrou uma luz: o monstro que residia nas entranhas do planeta estava ao seu lado.

— Está tudo bem, Sumire. É que não estou tão acostumada a falar disso com outras pessoas — confessou ainda apreensiva. — Elas não acreditam quando falo que o Eco das Profundezas não é apenas uma lenda contada para assustar crianças desobedientes. Ele é mais real do que parece.

— A senhorita conversa com ele? — perguntou Sumire com um olhar curioso. De alguma forma, ela parecia interessada naquela conversa, mas Ayase sempre ficava receosa de falar sobre aquilo.

— De vez em quando sim. Ele é como um guardião de Atlansha, sabe? Ele me diz onde estão os problemas e eu vou resolver. Dessa forma, conseguimos esclarecer qualquer tipo de inconveniência que esteja atrapalhando a ordem entre os reinos. — Ela sorriu de maneira orgulhosa, fazendo Sumire ficar envergonhada.

— Então essa será a sua forma de reinar, princesa? Parece que a senhorita adquiriu um valioso aliado!

Ayase nunca havia pensado por essa forma; se utilizar da (má) fama do Eco das Profundezas para reinar não parecia uma ideia ruim, apesar de soar perigoso. Não que a criatura fosse descontrolada ou perversa, mas Ayase não enxergava um futuro em que os governantes aceitassem isso de bom grado. Talvez isso desencadeasse conflitos e até mesmo uma guerra, o que teria consequências que sequer passavam pela cabeça da princesa. Ela precisaria de um plano bem elaborado para que isso desse certo.

Sumire percebeu que Ayase ficou quieta e continuou:

— É por isso que a senhorita está em Althum, princesa? Resolver algum problema envolvendo os reinos?

— Mais ou menos... — Seu sussurro saiu baixo. — No momento, eu preciso ver os genories.

Ayase percebeu que Ryuuki estava prestes a abandonar a sua bolsa pela maneira inquieta que ele se movia; pelos poucos segundos que conseguiu olhar a sua diminuta cara de dragão, pôde perceber que ele estava impaciente com algo. As pequenas diferenças eram quase imperceptíveis para outras pessoas, mas Ayase sabia exatamente o que elas representavam. O fato de não poderem conversar na frente de outras pessoas forçava Ryuuki a se comunicar com ela por meio de expressões e movimentos, o que criou uma linguagem nova que só os dois entendiam.

— Na verdade, acho que fiquei tempo demais aqui — murmurou Ayase, soltando um breve suspiro. Ela se virou novamente para Sumire, transformando seu nervosismo em um sorriso. — Tchauzinho, Sumire!

— V-volte sempre, Alteza! Althum sempre estará de braços abertos para recebê-la!

Sumire acompanhou a princesa com os olhos até ela virar apenas um pontinho no meio do mar; em seu coração, a jovem rezava para que Ayase tivesse êxito em sua missão e em qualquer coisa que desejasse fazer. Era um alívio para ela saber que os boatos sobre a princesa estavam errados, especialmente os que a intitulavam de "Princesa da Insanidade". Os poucos minutos que ficou conversando com Ayase foram suficientes para Sumire perceber que ela não era a garota com distúrbios psicológicos que a rainha Kanon dizia, e que mesmo que fosse aliada a uma criatura tão temível, eles jamais fariam algo para destruir Atlansha.

Sumire deixou um suspiro escapar, finalmente se movendo em direção ao comércio.

O maior problema era que todos os boatos e fofocas sobre a princesa eram fundamentados em algo peculiar: afinal, que nobre em sã consciência daria ordens para um imenso dragão marinho destruir o palácio do rei de Atlansha? Naquele dia, a rainha até mesmo usou palavras proibidas para se referir à sua primogênita, e se o rei não fosse tão misericordioso, provavelmente teria exilado uma de suas próprias filhas das Terras de Cristal.

"Ao menos ela parece mais feliz agora", pensou Sumire enquanto ajustava as rendas amassadas de sua roupa.

Mesmo depois de um longo tempo, ela ainda estava pensando na princesa. Imaginava um cenário em que Ayase resolveria rápido o problema com os genories e voltaria para conversar mais um pouco com ela; Sumire adoraria saber toda a verdade sobre o monstro marinho e sobre as aventuras da princesa pelas cidades que ela já havia passado.

Ela também sabia o quão improvável seus desejos eram, mas não queria desistir deles.

Não naquele momento.


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Notas finais do capítulo

Capítulo 1, Parte 3

Uff! Terminamos o primeiro capítulo da história!

Para os leitores mais antigos: calma, aquela coisa vai acontecer no próximo capítulo! Irei dedicar um capítulo inteirinho para o evento + consequências dele (já que isso não foi mostrado antes); vocês saberão melhor como os dois lidaram com o problema após a—

OPS, SEM SPOILERS AQUI!

Aliás, terão inúmeras diferenças nesse "rework", então sugiro que releiam. Acho que consegui passar a profundidade que queria aos eventos, mas todo feedback é bem-vindo. Caso ainda haja alguma dúvida (e falta de coerência também!), me deixem sabendo.



Curiosidade!

Conseguiram identificar a origem de alguns nomes na história?

A família de Ayase (rainha Kanon e Akiho, sua irmã mais nova) são de uma linhagem mais "japonesa", enquanto a do primeiro casamento do rei (rainha Jiyoung e suas duas filhas, Kyuri e Hyerin) são de outra linhagem sanguínea — no caso, "coreana"; provavelmente os dois casamentos foram políticos e com intenção de expandir território, mas era claro que uma família teria preconceito com a outra devido às suas origens.

BÔNUS: Quem escolheu os nomes da "primeira família" do rei foi uma leitora, Naomi. Muito obrigada por isso! ♥



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