Faces do Amor escrita por San Costa


Capítulo 16
O Ás de Espadas e a Dama de Copas Parte 1




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Lynnda

 


Havia algo terrivelmente errado nesta madrugada fria, meu corpo estava gelado e minha mente estava distante de mim; ao longe eu ouvia o uivo de trovões e a claridade dos relâmpagos me sobressaltou na cama. Corri a mão pelos lençóis macios e descobri que Ever não estava ao meu lado e quando me sentei sozinha e percebi o quarto escuro me encarando, um sentimento de medo irracional tomou conta de mim.

Tudo parecia estranho, o quarto parecia mais silencioso que de costume e ao mesmo tempo a chuva era mais intensa em seu som uniforme e constante, eu podia distinguir o silencio e a chuva como duas entidades distintas... Como se houvesse dois mundo diferentes e eu estivesse parada no limiar de ambos. A penumbra do aposento e a ausência de Ever fizeram meus pensamentos rumarem para a conversa que tive com Marcya há alguns dias quando saímos juntas; uma tarde ensolarada onde a apreensão não podia me alcançar.

“Você está anormalmente quieta hoje, sabe?” – perguntou-me Marcya enquanto caminhávamos tranquilamente pelas ruas pacatas de Forks.

“Eu e Ever tivemos um leve desentendimento hoje de manhã” – respondi pensativa.

“Que está se tornando constante...” – suspirou Marcya.

“É minha culpa” – respondi tristemente – “Ever sofre com a minha constante recusa em me tornar uma imortal”.

“Ever espera demais de todos aqueles que o cercam e às vezes não se atenta às necessidades das pessoas” – disse Marcya e eu notei a crítica em sua voz.

“Há algo que eu deveria saber Marcya?”

Mas ela não me respondeu, entretanto, eu notei que seu olhar se perdeu no tempo e ela ficou calada durante um tempo pensando no passado e em algo que não me quis contar... depois ela retornou e mudou de assunto. Estava um dia bonito demais para se preocupar, mas a atitude contida de Marcya me fez imaginar o que os imortais guardavam em seu íntimo, o que no fim das contas eles consideravam importantes em suas vidas e como não enlouqueciam depois de tantos séculos. Mas não foi o que Marcya falou que me incomodou, mas sim, o tom de mágoa em sua voz.

Pelo visto, havia ainda muita coisa que eu não sabia sobre Ever.

 

Eu não conseguiria mais dormir mesmo que tentasse, o ronco dos trovões me hipnotizava como nunca e o som da chuva ficava memorizado em minha mente... eu me levantei e me vesti e deixei o quarto seguindo pelo corredor vazio. Ao passar pela porta entreaberta do quarto de Alec e Marcya eu vi que ela dormia tranquilamente, mas Alec não estava ao seu lado... talvez os meninos estivessem fazendo algo diferente ao invés de ficarem ao lado das mulheres que amam.

Mas a casa estava silenciosa, apesar da chuva constante lá fora, silenciosa não apenas no sentido da ausência do som... parecia algo mais, algo profundo e triste que simplesmente privava os corredores e os quartos de qualquer ruído capaz de quebrar a monotonia da chuva. Descendo as escadas eu encontrei Alec sozinho na sala olhando estaticamente para a chuva lá fora e a impressão de solidão me encontrou novamente, vampiros me pareciam estranhamente sozinhos neste mundo... mas, além disso, uma estranha aura avermelhada fluía do corpo de Alec como uma bruma diáfana e eu não deixei de estranhar aquilo.

- Sem sono? – ele perguntou sem desviar o olhar da janela.

- Completamente... e você? – eu perguntei fingindo um bom humor.

- também não consegui dormir – ele respondeu rindo.

- Então é isso que os vampiros fazem à noite? Ficam contando os pingos da chuva?

- Geralmente – Alec respondeu e havia um tom de pesar em sua voz – Somos criaturas da noite, querendo ou não, e a noite é nossa companhia constante... de fato, durante muito tempo, eu me entristecia quando a noite chegava porque sabia que não dormiria e que passaria horas e horas parado apenas ouvindo o mundo envelhecer.

- Deve ser algo cansativo – eu disse sentindo pena de Alec.

- Sim, mas você se acostuma com o tempo e aprende a se... desligar.

- Você viu Ever?

- Ele está na varanda...

- Fazendo o quê? – perguntei surpresa.

- Contando os pingos da chuva… - disse Alec com um sorriso maroto nos lábios.

 

Cruzando a sala eu deixei a casa rumo à varanda, o ar gelado da madrugada fez com que eu me encolhesse sobre mim mesma e o cheiro delicioso da chuva me invadiu por completo como a mais célebre das fragrâncias da natureza; Ever estava sentado em uma cadeira confortável entre tantas dispostas ali, seu pensamento estava longe daqui e seus olhos fitavam a chuva com a mesma característica desligada que Alec.

Eu notei, com um sobressalto, que uma leve névoa também emanava do corpo de Ever mas diferente em tonalidade da de Alec, assumia uma coloração levemente escura... como um cinza chumbo e eu me alarmei imaginado o que significavam estas cores estranhas que exalavam dos corpos das pessoas e que eu agora detectava. Ainda assim me aproximei de Ever e senti quando ele se assustou a me ver ao seu lado...

- Lynnda... o que faz aqui fora neste frio? – ele disse passando os braços ao redor de meu corpo para me aquecer.

- Perdi o sono e notei que não estava na cama...

- Sim, eu não consegui dormir e resolvi vir aqui fora...

- Algo está te preocupando...

- Uma afirmação... – ele disse sorrindo aquele sorriso enviesado que só ele tinha.

- Sim... eu conheço você e alguma coisa está errada.

- Não há nada de errado, não se preocupe. Um velho como eu às vezes não consegue dormir... só isso.

- Mas é o meu velho... – eu falei sorrindo e dando um beijo em seus lábios.

- Ah, horrível quando você diz isso... – ele falou rindo, mas seu sorriso desapareceu quando ele encarou meus olhos.

- Algo parece estar preocupando você neste momento... o que é?

- Bem, na verdade algo que começou a alguns segundos... Alec e você, bem, parecem estar emitindo uma aura estranha ao seu redor...

- Ah... é isso – Ever disse de bom humor – Não se preocupe, você não está ficando louca se é o que te preocupa, isso que está sentindo... ou vendo, faz parte da evolução como uma imortal. O tempo está passando e alguns sentidos extras e poderes vão aparecer... o que você vê na realidade é a aura espiritual da pessoa... como a alma interna assim digamos.

- E elas são todas diferentes?

- Sim, querida... todas. Cada aura espiritual é uma... a sua por exemplo é tão clara como a mais clara neve do inverno, o que significa que seu coração e seu caráter são imaculados e sinceros, você é pura... Lynnda.

- Entendo... – eu respondi simplesmente mas Ever notou que não estava tudo bem porque colheu meu rosto em suas mãos e me olhou com cuidado.

- O que foi?

- Quanto mais clara é a aura espiritual, mais boa é a pessoa?

- Por que pergunta isso?

- Porque a sua aura e a de Alec são escuras... a de Alec parece um rio de sangue e a sua, uma nuvem de tempestade.

- Ah, é isso que te preocupa – ele falou encostando-se á cadeira e me fitando – Eu e Alec somos antigos, Lynnda. Na época em que nascemos o mundo não era tão fácil ou tão prático como é hoje, eu nasci em meio a uma guerra e turbulências... o mundo era muito mais cruel e violento e fui obrigado, muitas vezes, a ser igualmente cruel e violento; eu lutei em muitas batalhas e matei muitos homens, fiz coisas que não devia e que me arrependi e por vezes tive escolhas realizadas e das quais não me orgulho nem um pouco... mas essa é minha vida. Por tudo isso, a aura espiritual fica carregada de energia ou impressões negativas e ela vai escurecendo... Alec e eu somos parecidos em algumas coisas neste sentido, ele foi durante muito tempo utilizado como uma arma e matou muitas pessoas e sua aura tem essa tonalidade pela culpa que sua alma carrega.

- Mas ela ficará assim para sempre? – perguntei com medo.

- Não, a aura tende a limpar-se durante os anos... se a pessoa começa a viver uma vida mais tranqüila e digna sua alma começa pouco a pouco a purificar-se. Mas não é um processo rápido... levaria séculos, talvez milênios para que a minha alma fique clara como a sua e, talvez, isso nunca aconteça.

- Porque não?

- Por vários motivos... – disse Ever sem expressão – Mas, no fim das contas, você é motivo o suficiente para que minha alma se purifique... daqui a alguns milênios talvez.

- Talvez... – eu disse rindo e me fazendo de difícil – Agora, você poderia muito bem subir para me esquentar... não é mesmo?

- Já está com sono novamente?

- Eu disse esquentar... não dormir – eu falei levantando com um sorriso maroto nos lábios e puxando-o para dentro.

- Sabe, tem algumas pessoas que não dormem nesta casa... – ele falou baixinho enquanto cruzávamos a sala.

- Alec – eu chamei, ele não havia se movido nem um milímetro ainda – Tape os ouvidos por favor.

 

Alec não respondeu, apenas sorriu sarcasticamente e revirou os olhos para mim.

 

 

Ever

 

A chuva era constante e sonolenta, mas, ainda assim, eu não conseguia dormir... despertei com o ronco de um trovão e deixei Lynnda ressonando na cama, uma jóia de rara beleza, uma menina que personificou-se como a prisão irremediável de meu coração. Eu poderia passar a noite toda admirando a beleza celestial e Lynnda... mas havia algo errado com minha consciência e eu resolvi sair para clarear minha mente.

Na sala, Alec olhava a chuva... ele também não ficou ao lado de Marcya e eu sabia o porquê; os pensamentos do vampiro turbilhonavam-se em sua mente... o peso da decisão de Damen caia sobre seus ombros de forma direta. Damen era irmão de Lynnda que, por sua vez, era extremamente próxima a Marcya... isso me colocava numa posição delicadíssima também... afinal, Damen era o irmão da mulher que eu amava e tudo estava sendo realizado em segredo pelas costas de Loma e Lynnda. Alec desconfiava que eu sabia de algo, esta é a vantagem de ler mentes mas ele não comentou nada... mas eu sabia que a decisão e Damen poderia colocar em atrito todos dentro desta casa.

- Sem sono? – ele perguntou sem me olhar.

- Um hábito irreversível de imortais.

- Sim, uma dança perigosa esta... não acha? – disse Alec com a voz arrastada.

- Dos imortais? Sim, eu acho... principalmente quando nossas decisões pesam consideravelmente.

- De fato. Estranhamente, o mundo parecia muito mais simples quando eu era apenas o arauto de Aro Volturi; uma vida de privilégios e decisões fáceis... matar e matar, olho por olho e dente por dente. Agora, uma vida comum e normal parece aferir uma gama muito mais alta de responsabilidades... cada escolha e decisão que fazemos pesa em nossos ombros.

- A escolha de Damen pode trazer mais mal do que bem. – eu falei revelando a desconfiança de Alec.

- Eu sei. Mas ele deseja a imortalidade para poder viver para sempre ao lado de Loma.

- Teoricamente, Loma pode desistir de sua condição de imortal... basta ela se afastar de vampiros e não se transformar mais em loba... assim ela e Damen teriam uma vida normal.

- Ah – suspirou Alec me olhando agora – Mas eles são jovens e tolos, Ever. A imortalidade é cobiçada por seus tenros corações, afinal, quem não gostaria de manter uma eterna juventude? Loma aprecia a idéia da imortalidade... seu coração está um pouco triste pela perda da irmã e a morte a assusta e o único modo de Damen acompanhá-la é tornando-se um imortal.

- E o vampirismo é o melhor caminho?

- O único. Nem você pode transformá-lo e você sabe disso... para isso teríamos que praticamente matá-lo para ele se tornar um imortal... além disso, nós dois conhecemos os sortilégios secretos da arte da imortalidade e o custo inerente a ela. Nem mesmo Marcya conhece os segredos de como se transformar um imortal... você sabe que a magia envolvida é perigosa e que Lynnda jamais aceitaria isso. Aliás, este é um dos seus segredos mais bem guardados, não é mesmo?

- Sim, e apreciaria se você o mantivesse para si mesmo. Eu não contei nem mesmo à minha irmã sobre os segredos da arte imortal e jamais comentarei com Lynnda ou ela nunca voltaria a confiar em mim. Mas também não gostara de saber que o irmão se tornará um vampiro.

- Você contará a ela?

- Não.

- Não? – questionou Alec arqueando a sobrancelha.

- A escolha diz respeito a Damen e apenas a ele.

- Então cuide para que Lynnda jamais suspeite de que você conhecia o nosso segredo, caso contrário...

- Eu sei. De qualquer forma, Alec, isso não acabará bem, sinto isso em meus ossos... algo estranho se aproxima de nós e temo que as coisas nesta casa ficarão extremamente delicadas.

- Como eu disse, meu amigo... a dança da vida dos imortais é extremamente perigosa.

 

Permiti que Alec ficasse em paz e sozinho com seus pensamentos e saí para a varanda para olhar a chuva que se derramava sobre o mundo; o ar frio da noite pareceu clarear os meus pensamentos e eu percebi que a decisão de Damen iria mudar toda a ordem das coisas. Lynnda não gostaria de ter um irmão imortal e me pergunto o que Loma acharia disso tudo assim como Marcya ou Leah... eu não gostava do rumo que as coisas tomavam mas decidi não fazer nada para impedir, a tempos descobri que o destino é indiferente à nossa vontade.

Então meus pensamentos vagaram para eras anteriores e para quando o mundo era mais jovem e eu entrei numa espécie de transe pessoal deixando de perceber o mundo a minha volta; não percebi as horas passando e só despertei quando senti Lynnda sorrir para mim. Por um segundo eu retribui confuso o seu sorriso esfuziante e temi que ela percebesse que havia algo de errado, felizmente, no fim das contas ela não percebeu nada até porque ficara preocupada com o recém despertar de seus dons imortais, eu expliquei superficialmente a ela sobre a tonalidade de cores das auras espirituais... obviamente, não tive coragem de contar tudo.

Lynnda aceitou em parte a minha explicação e de alguma forma achou interessante este novo dom, talvez agora ela comece a se interessar por uma vida imortal; por fim ela se levantou e me puxou para dentro dando de passagem uma intimada em Alec... eu não ficava evidentemente confortável com um vampiro por perto porque eles podem ouvir qualquer coisa, mas os pensamentos de Alec estavam preocupados demais para ouvir o que não devia.

 

Fazer amor com Lynnda era irremediavelmente revigorante, sempre que eu sentia o corpo dela sobre o meu as minhas dúvidas e minhas preocupações desapareciam instantaneamente; seu calor e seu perfume me acalmavam e o tocar de seus cabelos em meu rosto era algo que eu jamais havia experimentado durante todos os meus anos de vida. Eu vivi por mais de dois mil anos até encontrá-la, a pessoa perfeita para mim e que completava todo o meu ser... que ressaltava as minhas qualidades e minimizava meus defeitos, Lynnda fazia com que eu me arrependesse de toda pequena mentira, de todo mínimo desvio de caráter e de todos os maus pensamentos que eu tive durante toda a minha existência. Ela era o motivo pelo qual eu desejava ser um homem melhor... um imortal melhor... essa graciosa menina de olhos amendoados era personificação da chama de meu coração e a vontade régia de que  minha alma precisava para me purificar totalmente.

E agora eu a olhava dormir tranquilamente envolta em meus braços e minha consciência pesava ainda mais, eu não consegui adormecer... a culpa por ocultar de Lynnda a verdade sobre os planos de Damen me assombravam, mas o pior era o pensamento egoísta por trás disso. Eu permiti que Alec continuasse com o plano de Damen porque talvez tendo um irmão imortal, Lynnda resolveria se tornar imortal também; era uma atitude extremamente mesquinha mas que eu estava disposto a levar adiante se houvesse a mínima possibilidade de Lynnda pender pela escolha da imortalidade. Mas como ela reagiria?

Damen não pensou nas conseqüências que sua escolha implicaria... e tampouco Alec em aceitar fazer isso, ou mesmo eu ocultando essas informações; desta forma, o que estava por vir seria um marco... um divisor de águas que poderia nos unir ou separar a todos os que agora se encontravam nesta casa.

A confiança é um laço muito tênue e quebradiço e que uma vez desfeito, raramente pode ser recuperado... por isso era fundamental que Alec e Damen fizessem tudo com extremo cuidado.

Uma vez que o sono não me tomou, eu me desprendi suavemente dos braços de Lynnda e caminhei pelo quarto até a janela onde a chuva ainda despencava forte lá fora, passando os olhos insones pelo aposento eu encontrei na estante um maço de cartas de um antigo baralho de pôquer. Eu e Lynnda agora usávamos o quarto que um dia pertenceu a Rosalie e Emett... este baralho deveria pertencer a ele uma vez que Emett era viciado em jogos e apostas; certa vez Edward me confessou que Emett perdera alguns milhares de dólares em Las Vegas e levara a maior surra de Rosalie....

Eu alcancei o baralho e o virei em minhas mãos, a seqüência inexata de cartas se espalhava diante de meus olhos em formações desfeitas... em uma brincadeira boba eu virei o maço de cartas com os números para baixo e puxei uma determinada carta do meio do baralho para ver o que o futuro nos preparava, obviamente eu nunca fui um cartomante, mas eu sabia que os imortais possuíam a sensibilidade para prever algumas coisas através da numerologia... olhando a carta que eu havia tirado, o meu coração pareceu congelar em meu peito por um segundo.

 

O ás de espadas... a carta da morte.

 

Eu revirei entre os dedos a carta premonitória, uma carta de mau agouro e que sempre era acompanhada de caos e morte... era isso o que nos aguardava? Então eu suspirei e me perguntei se não deveria descer e falar com Alec para impedir que Damen cometesse essa loucura, ele deveria ao menos comunicar a todos esta decisão.

- Você realmente não está com sono hoje, não é mesmo? – disse a voz angelical de Lynnda, eu me virei para ela com o ás de espadas ainda na mão e ela me encarou com os olhos brilhantes enquanto se sentava na cama e estendia a mão para mim.

- Desculpe – eu disse enquanto me sentava ao seu lado – Não era a minha intenção acordá-la...

- Eu ouvi você embaralhando as cartas...

- Sim, sua audição está ficando mais aguçada... isso vai acontecer com todos os seus sentidos...

- E eu ainda invocando com Alec por causa da super-audição dos vampiros...

- Ah, mas nossa audição não é tão aguda quanto a deles... apesar de que você talvez consiga escutar alguém cantando no chuveiro.

- Bobo... – ela disse me beijando – O que está fazendo com este baralho?

- Ah, eu estava tirando o futuro...

- Sério? Você é vidente agora?

- Não, é só brincadeira.... a numerologia não é uma ciência exata, mas é capaz de nos divertir.

- Hum... – gemeu Lynnda – E o que as cartas dizem a nosso respeito?

- Vamos ver... – eu respondi e cerrei o baralho nas mãos três vezes depois de reembaralhar as cartas, feito isso eu o dei a Lynnda – Vamos lá... corte uma carta e me dê sem olhá-la.

- Tome – ela disse e me mostrou a carta, eu fiz cara de susto e ela arregalou os olhos para mim, em seguida eu mostrei a carta para ela, rindo.

- Acho que nosso destino será muito bom, não acha? – eu disse mostrando a ela a carta que ela escolhera.

- A dama de copas... – ela sussurrou segurando a carta na mão, a dama de copas tinha um coração imenso desenhado no centro da carta junto com a letra Q que a representava... era uma carta que predestinava amor eterno.

- Sim, é a carta do amor.

- Que fofo... nos amaremos para sempre então?

- Sempre foi a minha intenção – eu respondi rindo.

- Gostei desta carta...

- Então ela é sua – eu disse – Que ela seja o símbolo de nosso amor... e do futuro que nos aguarda.

- Emett ficará chateado se o seu baralho for desfalcado – disse Lynnda rindo.

- Eu compro outro baralho para ele.

- Vou carregá-la sempre comigo...

- Está bem... e agora que estamos acordado? – eu perguntei com um sorriso enviesado.

- Você pode me deixar com sono de novo... – ela respondeu me beijando.

E depois de fazer amor com Lynnda novamente, eu finalmente adormeci em seus braços... eu, ela, e a dama de copas.

 

Despertei de um sono pesado e sem sonhos, o dia escuro estava frio e nevoento e pesadas nuvens plúmbeas escureciam todo o céu; notei que Lynnda não estava ao meu lado e percebi que já deveria ser muito tarde. Lentamente e preguiçosamente eu me levantei para tomar banho... a água quente foi revigorante e me despertou de minha sonolência debilitante.

Ao me vestir eu ouvi risos na parte térrea da mansão o que indicava que todos estavam ali, menos Alec e Damen... eu não detectei suas mentes e percebi que o plano de Damen para tornar-se imortal fora posto em prática. Agora o destino era senhor de nossas vidas... e eu implorei aos céus para que tudo corresse bem, por habito ou, na verdade, por força de uma curiosidade oculta a mim, eu peguei na mão o baralho de Emett e retirei uma carta aleatória de sua desordem... novamente o às de espadas.

- Maldição – murmurei baixinho.

Minha mente registrou o mau agouro da carta ao mesmo tempo em que notei que a dama de copas não estava em lugar algum... Lynnda prometera que carregaria aquela carta sempre consigo, uma carta boa e uma ruim... um dueto impar que contrastava alarmantemente, afinal, amor e morte são dois opostos que raramente combinam.

A casa estava com um ar leve, acho que talvez apenas o meu humor estivesse um pouco pesado, Leah e Johan estavam ali rindo um para o outro como é natural para um casal jovem e apaixonado... Lynnda veio ao meu encontro me dando um beijo carinhoso nos lábios... Loma e Marcya jaziam um pouco tristes no sofá.

- E o resto da turma? – eu perguntei me fazendo de desentendido.

- Alec e Damen foram acampar... – disse Loma.

- Ah, sim, eu havia me esquecido...

- Com este tempo... – indignou-se Marcya.

- É um tempo normal em Forks – respondeu Leah – Além disso, é bom os rapazes saírem um pouco... eles ficam enclausurados demais dentro desta mansão. E você, Ever, porque não quis ir junto?

- Estou velho demais para estas coisas... – eu forcei uma piada.

Os dias passavam como tinham que passar, lentos e úmidos, eu sempre distraia a mente conversando com Lynnda sobre acontecimentos passados e tudo o que eu havia visto... ela se interessou muito quando contei que estive no Monte das Oliveiras apenas 3 dias após a crucificação de Cristo e que ainda tive a oportunidade de ver a cruz em que Ele fora pregado e seu sangue manchando a madeira. Lynnda estava se interessando mais pela imortalidade e pelos dons inerentes a esta condição...

- A aura de Loma está acinzentada...

- Loma ainda está em luto pela morte da irmã... a alma dela está triste.

- Entendo... as auras de Leah e Johan estão rosadas...

- Eles estão apaixonados... perdidamente. – eu disse com um sorriso.

- Marcya tem a aura azulada...

- Sim... Marcya sempre foi uma pessoa de bem, a alma dela é pura... assim como a sua.

- Você disse que a alma pode se purificar e sua tonalidade variar de cor.

- Sim, assim como um homem pode mudar... melhorar seu caráter... fazer coisas boas. Como por exemplo Alec... sua aura ainda é avermelhada pela quantidade de pessoas que ele matou mas isso pode mudar com o tempo.

- Ever... o que você fez para sua alma ser escura como chumbo?

- Nem sempre eu pude fazer a escolha certa... – eu disse acariciando seus cabelos para que ele compreendesse que eu não desejava mais falar sobre isso.

Nesta mesma noite o sono novamente não me tomou, eu escutava a tranqüilidade do sono de Lynnda e isso me tranqüilizava, o mundo parecia triste porque não parava de chover e o ronco dos trovões se insinuava pelo céu. Tirando isso tudo estava em silêncio... até que o grito angustiado de Loma cortou a escuridão da noite.

- Fique aqui – eu disse para Lynnda que despertou assustada.

Ganhei os corredores com o coração angustiado e encontrei o quarto de Loma iluminado por uma fraca luz amarelada, lá dentro, minha Irmã a abraçava com cuidado; Loma estava assustada e seu peito arfava em busca de ar.

- Foi um pesadelo... – disse Marcya me olhando.

- Parecia tão real... – disse Loma com uma voz baixa.

- Está tudo bem? – perguntou Lynnda surgindo atrás de mim, eu deveria saber que ela não me escutaria.

- Loma teve um pesadelo – eu disse explicando.

- Damen... ele surgiu em minha frente, mas estava mudado – disse Loma – Seus olhos eram como o sangue e sua expressão era selvagem e irracional, eu não consegui reconhecê-lo, era como se ele fosse outra pessoa... outra coisa.

- Querida – falou Lynnda sentando-se na cama ao lado dela e segurando suas mãos – Foi apenas um sonho ruim...

- Eu sei... mas parecia tão real. – disse Loma sem se conformar.

- Vamos, eu fico aqui com você esta noite – disse Marcya arrumando Loma novamente entre os cobertores enquanto eu carregava Lynnda novamente para o nosso quarto.

- Será que está tudo bem com Damen? – me perguntou Lynnda quando deitamos na cama.

- Claro que sim, afinal de contas ele está com Alec – eu menti e meu coração pesou por este pequeno acontecimento, mulheres são sensitivas... provavelmente Loma estava sentindo algo com relação a Damen.

 

Ao entardecer do terceiro dia, Alec retornou sozinho. Ouvimos sua voz na sala e num segundo parece que todos tivemos a mesma idéia porque o cômodo se entulhou com todos nós ao mesmo tempo.

- Onde está Damen? – ainda pude ouvir Loma perguntando.

E antes que Alec abrisse a boca, antes que qualquer palavra deixasse seus lábios eu já havia visto tudo o que acontecera nos últimos dias lendo sua mente, a transformação de Damen e sua nova vida como vampiro. Uma estranheza aguda tomou minha mente, a mesma estranheza que agitou a mente de Alec... Damen estava diferente... estranhamente diferente, mesmo para um vampiro recém-nascido. Eu não pude deixar de fazer uma careta de preocupação.

- Nós encontramos um homem ferido e ele o levou para o hospital, depois ele encontraria algum familiar dele... – disse Alec rapidamente.

- Porque você não foi junto? – perguntou Lynnda evidentemente preocupada com o fato de Damen caminhar sozinho pela floresta com um homem ferido.

- Sangue... – limitou-se a responder Damen e obviamente todos aceitaram esta simples explicação.

Ele e minha irmã subiram para o quarto e eu imaginei a avalanche de mentiras que ele contaria a Marcya... as mesma mentiras que eu teria de suportar e que teria de fazer de conta que eram verdadeiras. Lynnda passou o dia todo quieta, ela estava preocupada com Damen e eu não pude fazer nada para confortá-la, até mesmo Loma estava taciturna... Imaginei o que aconteceria quando elas descobrissem a verdade.

Ao anoitecer, logo após o jantar eu fugi da sobremesa e encontrei Alec na varanda admirando a chuva que insistentemente caía pela floresta escura... ele não estava confortável com tudo o que acontecera e sua mente demonstrava um evidente e crescente arrependimento pelo que acontecera nos dias anteriores.

- Você poderia ter arrumado uma desculpa pior? - eu perguntei num sussurro.

“Eu sei...” – ele suspirou sem me olhar respondendo mentalmente com medo de que alguém pudesse ouvi-lo – “Foi a pior desculpa que eu arrumei”.

- Como pensa em manter a ausência de Damen por mais alguns dias? As meninas vão perguntar por ele... não subestime o cuidado que Lynnda tem pelo irmão.

“Eu não o farei, mas não havia como trazê-lo ainda... ele me surpreendeu, estava muito controlado e consciente de tudo, entretanto, não poderia arriscar que ele ficasse perto demais dos humanos”.

-Como você fará? – eu perguntei.

“Vou todos os dias me certificar que ele estará bem”.

- Isso está ficando complicado demais, Alec.

“Agora não temos mais escolha”.

 

O dia seguinte foi ainda mais tenso, Damen obviamente não retornou e Alec sumiu por algumas horas... Lynnda estava preocupada e Loma ainda mais, foi um verdadeiro caos mantê-las em casa afirmando que de nada adiantaria ir atrás de Damen... já que ele poderia estar em qualquer lugar. A ausência de Alec aumentou a desconfiança em minha irmã, Marcya não era uma mulher tola e começou a perceber que algo estranho estava acontecendo; ela me perguntou se eu sabia de algo e eu obviamente menti dizendo que não ficava mais xeretando na mente dos outros.

Mas, se eu soubesse o que estava por vir... teria desfeito essa loucura antes mesmo de começar...

Durante a noite, Lynnda não conseguiu dormir direito de preocupação por seu irmão e eu temi que o álibi de Alec caísse por terra, felizmente, ela pegou no sono um pouco depois da meia-noite e dormiu um sono agitado até de manhã. Mas logo cedo eu vi que Loma também não havia tido uma boa noite e seu rosto de desanimo era evidente, Alec se sentia mal por tudo isso e se manteve à distância por boa parte da manhã... lá pela hora do almoço Leah reuniu todos na cozinha... ela preparara um suculento suflê de carne moída que ficou tão cheiroso que atraiu a atenção até de Alec.

Mas quando nos sentamos à mesa eu não tive tempo nem de dar a primeira garfada e Leah atirou uma bomba em nossas cabeças.

-Vocês viram o jornal da manhã na TV?

-Não o que tinha de novo? – Perguntou Lynnda interessada.

-Foram encontrados ontem à noite seis corpos humanos em Port. Angeles. Quatro deles estavam mortos sem nenhum sangue no corpo e os outros dois agonizavam quase morrendo, e estavam também sem quase nenhum sangue. Poucas horas depois eles também morreram.

-Você acha que tem algum vampiro por perto? Loma perguntou já com suas mãos tremendo.

-Eu acho não... eu tenho certeza. Em todos os casos eles encontraram algo estranho no pescoço e nus pulsos, eles não sabiam o que era porem com a pequena foto que eles mostraram eu soube imediatamente que era uma mordida de vampiro.

-Temos que fazer alguma coisa. – disse impetuosamente a minha irmã.

E uma imagem relâmpago veio em minha mente: a de um vampiro recém-nascido solto pela floresta. Eu não pude evitar lançar um olhar temeroso para Alec e seu rosto marmóreo deixou trair uma expressão de medo, um pressentimento horrível despertou em meu peito e eu congelei por alguns segundos na cadeira sem saber o que dizer.

“Vem comigo” – pensou Alec rapidamente e nós dois nos levantamos ao mesmo tempo.

- Alec e eu vamos dar uma olhada pela floresta, para ver se tem algum rastro ou algo parecido – eu falei meio não pensando direito, todo mundo se levantou também.

- É melhor chamar algum lobo – disse Marcya – Ou Leah e eu irmos com vocês.

- Não se preocupem – eu disse rapidamente beijando Lynnda -  Nós só vamos dar uma olhada, qualquer coisa nós avisamos.

 

Alec e eu disparamos pela floresta deixando a casa pela porta da cozinha, todos ficaram ainda ansiosos e eu sabia que não teria muito tempo... Leah não ficaria sem avisar Seth deste acontecimento estranho.

- Mais devagar Alec... eu não corro tão rápido quanto você – eu gritei com uma pontada de impaciência, os imortais são velozes, mas, ainda assim, moviam-se com apenas um terço da velocidade de um vampiro.

Ele diminuiu a velocidade e nós corremos para o norte rumo à fronteira com o Canadá, eu percebi que Alec levou Damen para o mais distante possível das terras dos quileutes e do faro dos lobos. A floresta passava como um borrão multicor e a chuva agora começou a cair sem trégua, pesados pingos de chuva açoitavam meu rosto e o vento forte tornava tudo ainda mais conturbado. Ao notar que a configuração da mata mudou, eu soube que havíamos deixado os EUA e neste instante puxei Alec para que ele parasse e o olhei com uma raiva incontida... minha voz soou alta e estridente mesmo com todo o barulho da chuva.

- Maldição, Alec – eu gritei – O que diabos foi aquilo?

- Eu não sei, está bem! – ele respondeu com raiva, mas eu notei que ele estava mais assustado do que furioso – Eu o deixei bem distante de La Push e de qualquer cidade, não consigo entender... talvez não tenha sido ele.

- Como não? Ele é o único vampiro recém-nascido por aqui... e o único que buscaria sangue humano, eu só não compreendo do porquê de nenhuma das pessoas atacadas terem se transformado.

- Talvez seja uma variação da transformação – disse Alec pensativo.

- O que comprova que foi Damen quem matou todas aquelas pessoas.

- Eu não sei, Ever! – ele falou me olhando com raiva – Não sou adivinho...

- Mas poderia ter tido mais cuidado pelo menos...

- Não me venha culpar por tudo isso... essa responsabilidade não é só minha. Até onde vejo você é tão culpado quanto eu, poderia ter impedido ou ao menos aconselhado Damen e ao invés disso se calou por todos estes dias.

- Volturi maldito – eu bradei e um segundo depois tentei falar com um pouco mais de calma – Agora não adianta mais ficarmos discutindo, vamos até o local aonde você deixou Damen e rezemos para que não tenha sido aquele infeliz que tenha feito todo este estrago.

Corremos mais alguns quilômetros até que Alec enveredou para o oeste e seguiu à margem do litoral, havia florestas espaçadas ali e vários penhascos vertiginosos; era, de fato, um local bem ermo. Eu ouvia o rugir das ondas muito abaixo de nós e percebi que corríamos pelas aragens que antecediam a parca região gelada de Juneau onde se abria o largo e amplo Golfo do Alasca, um mar semi-congelado e frio onde ventos árticos cortavam minha pele com finíssimos cristais de gelo.

- É aqui – disse Alec por fim.

Então, Alec caminhou para dentro de uma mata fechada de coníferas onde o ar era infestado pelo cheiro gostoso de resina fresca onde a neve se acumulava um pouco pelas beiradas das árvores, mas o fedor nauseabundo de sangue tornou-se evidente à medida que nos aprofundávamos mais pela mata.

- Maldição – suspirou Alec, o cheiro do sangue era a comprovação de nossos temores.

Passamos a caminhar com cuidado, afinal, vampiros recém-nascidos eram extremamente perigosos... a mata estava silenciosa, como se as árvores e o vento soubessem que um perigoso predador espreitava das sombras. Minha respiração condensava-se em minha frente e os olhos de Alec estavam escuros e raivosos... nós perscrutávamos todos os cantos para evitar um ataque repentino, Damen deveria estar fora de si.

- Olhe... ali, mais a frente – sussurrou Alec.

 

Continuar...

 


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Notas finais do capítulo

Capitulo escrito por Angus!