Eu estava deitado em minha jaula, preguiçosamente.

Já havia alguns anos que eu estava com aquele circo.

Eu costumo Chamar a atenção do público, que me considera “exótico”, por causa da minha pelagem branca e dos olhos azuis cobalto. Sou a maior atração do circo, mais pela minha aparência do que por meu talento para o espetáculo.

Não gosto de ser exposto como um animal. Mesmo estando como uma fera por mais de 300 anos, ainda me lembro de como é ser um homem, um príncipe, um guerreiro.

Desde que fui aprisionado, nunca mais consegui me transformar em homem. Antes disso, me agarrava aos 24 minutos diários em que eu podia ficar na forma humana, pois, assim era mais fácil não deixar a fera me dominar. Agora, tenho que fazer um esforço enorme para não me esquecer de quem eu sou. E me sinto cada vez mais distante do homem que fui.

Ser uma fera é mais fácil. É tudo baseado no instinto.

Já passei por muitos circos. Em alguns lugares fui maltratado, em outros, nem tanto.

No Circo Maurizio, sou muito bem alimentado, minha gaiola esta sempre limpa. Meu tratador, que é também o meu “domador”, está sempre preocupado com minha saúde e cuida bem de mim.

Apesar de não gostar de ser um animal de circo, faço o possível para apresentar um bom espetáculo. Sei que as pessoas deste circo contam comigo, mas também porque já estive em lugares piores.

Algo na minha maldição me impede, além de me transformar em homem, de ser liberto. Todas as vezes que Kadam tentou, algo deu errado.

Anik Kadam foi o General do exército de meu pai. Foi também meu mentor e amigo. Desde que eu e meu irmão Kishan fomos amaldiçoados, Kadam cuidou dos interesses de nossa família.

Ele, por algum motivo, também foi atingido por essa maldição permanecendo vivo até hoje.

Quando fui capturado, ele fez de tudo para me localizar, e quando finalmente conseguiu, tentou me libertar, mas não obteve sucesso.

A última vez em que estive com ele, há muitos anos, ele me disse que havia encontrado um xamã, e este havia lhe contado sobre uma profecia: uma menina especial chegaria, e me ajudaria a quebrar a maldição. Quando ela chegasse, ela traria a minha humanidade de volta. Vivo esperando por ela.

Muitas vezes alguém apareceu e me olhou diferente, e eu tive esperanças de que aquela seria a menina especial. Mas então ela ia embora como todas as outras e levava a minha esperança com ela.

O Circo era pequeno, por isso era normal que, em cidades maiores, o dono dele, senhor Maurizio, contratasse funcionários temporários para ajudar nas tarefas. Normalmente eram jovens, que se encantavam com a beleza do tigre, mas temiam o belo animal.

Assim, dificilmente algum deles ficava próximo a mim por muito tempo. Alguns até se recusavam a ajudar com “o tigre”, temendo um ataque, ainda que lhes fosse dito que eu era um animal dócil.

Assim, quando chegamos ao Oregon, eu soube que haviam contratado uma menina. Imaginei que ela seria como a maioria e não ia querer muita proximidade a mim, mas não me importei. Comi e dormi até a hora do espetáculo.

Naquela tarde, me apresentei como de costume.

Havia muitas crianças na plateia, e estas sempre ficam muito impressionadas com a minha apresentação. Eu já estava acostumado a isso, e não me empolgava. Não era feliz como tigre de circo.

Ao fim da apresentação, fui levado de volta a minha gaiola. Deitei-me no chão enquanto era levado dali.   

De repente, algo diferente aconteceu. Senti um olhar sobre as minhas costas.

Uma brisa soprou suave, e com ela um perfume, um doce perfume que fez meu coração bater mais forte. 

Neste momento, algo em meu coração mudou e uma esperança, que eu havia parado de sentir há muitos anos ressurgiu.