Atenciosamente, Crane escrita por Jess_Banks


Capítulo 1
Capítulo 1




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Atravessei os corredores, o som do salto dos botins no princípio sendo tudo que se podia ouvir e logo após a campainha estridente eu já mal podia ouvir meus próprios pensamentos sanguinários devido ao burburinho.

Esbofeteei o estupido balão em forma de coração de uma garota que bloqueava a passagem para o meu cacifo. Ela levou três segundos a se virar, me reconhecer e fingir que não havia se apercebido ou se incomodado com a minha atitude. Me peguei lamentando que ela não tivesse reagido pois seria terapêutico estraçalhar aquele balão com minhas unhas afiadas e depois socar quem quer que se atrevesse a me questionar. Assim que abri a porta metálica um envelope vermelho e uma rosa diferente das que circulavam nas mãos dos idiotas caíram aos meus pés. Bufei, ciente do remetente sem ter de desdobrar o papel. Apanhei o envelope e pisei a rosa ao me afastar com os livros pesados para a próxima aula.

— Se não fosse esse rostinho qualquer um diria que a senhorita possui um coração de pedra. - os olhos azuis mais claros que eu já havia visto me subjugavam de uma forma que imediatamente fez minha língua aguçada aliada à minha petulância de costume, ficarem a pronto caso necessários.

Perante meu silêncio e inexpressividade o novo professor se abaixou, apanhando a rosa amachucada.

— Como abandonou a aula antes mesmo dela ser iniciada e de uma forma tão artística me parece acertado que tenhamos uma conversa para evitar futuros atritos.

— Não será necessário. Aquilo ou algo parecido não voltará a se repetir, senhor Crane. Desculpe. - mordi a língua para canalizar a irritação latente de ter de estar ali parada tendo aquela conversa quando tudo começou por causa dele e da sua tentativa ridícula de inovar nas malditas apresentações.

— Sei. - o fantasma de um sorriso pareceu por instantes cruzar seu rosto, mas desvaneceu e sua fisionomia se manteve a mesma. - Estou no andar dos docentes. Venha na quarta-feira, às 15 horas. - transmitiu já virando costas ainda com minha rosa ferida nas mãos.

— Eu realmente não acho necessário, senhor Crane. Eu lhe garanto que -

— Quarta às 15 horas, Jones. - sua voz grave se sobrepondo às das centenas de adolescentes movidos a feromônios com um toque extra de São Valentim.

Perdi a conta de quantos ombros esbarrei sem me preocupar em me desculpar ou fitar os rostos das vítimas de empurrões impacientes e cotoveladas disfarçadas pelo gesto de estar ajeitando a mochila sobre o único ombro onde a tinha pendurada.

— Aí está você. - Laura parecia querer me engolir em seu abraço de urso.

A princípio fiz uma careta, mas acabei me rendendo, descansando meu queixo sobre seu ombro. Eva alisava meus cabelos, seu rosto contra minhas costas. Me surpreendi ao me dar conta que precisava daquilo. Minha agressividade caiu pela metade e refleti sobre a minha atitude até o momento.

Nos separamos e a primeira coisa que saiu dos meus lábios foi: - Eu fiz merda, não é?

As duas se entreolharam e era claro que estavam medindo as palavras que usariam. Carregando três rosas, Cass vocifera a uns cinco metros de nos alcançar.

— Crane está puto com você. O que houve? - me questiona, esbaforida.

— Cass! - Laura a repreende, mas já é tarde.

Se a aluna de outra classe afirma isso é porque meu filme já queimou com o novo professor e talvez ele até tenha me usado como exemplo a não seguir no seu discurso de apresentação.

— Ele teve a brilhante ideia de colocar cada um de nós apresentando o colega do lado. - Eva explicou.

Cass matutou por uns segundos e então uniu os pontos.

— Você ainda se senta ao lado do Lukas? - sua boca coberta de gloss formou um "o" perfeito quando assenti.

— Ok. Eu tenho noção que sair da sala daquela forma foi infantil da minha parte. - despenquei sobre o banco da cantina - Aquela não sou eu. Eu não tenho me reconhecido nas últimas semanas. Nunca pensei que ser traída me deixaria assim. - confessei e as três me olhavam como se eu fosse um cachorrinho abandonado. - Vocês são tão sutis. - sarcasmo em estado bruto - Pelo menos disfarcem que estão com pena.

— Nós deveríamos encher a casa dele de ovos. - Eva propôs como se fosse a ideia mais maquiavélica já bolada.

— Qual o fascínio de vocês com ovos? - ri, contagiando-as.

— São baratos. Precisaríamos de uma caixa de vinte e quatro e pronto. - ela prosseguia com seu plano, aparentemente não vendo graça alguma.

— Lukas é só um cara no ensino médio. Quando conhecer um homem de verdade sentirá a diferença. - Laura assegurou, a perita em relacionamentos de nós quatro; afinal ela e Greg estão juntos desde a sétima série.

Estive por dois anos com Lukas e sinto sua falta mais como amigo do que como namorado. E sua traição me faz questionar a amizade que tínhamos antes do próprio amor.

Quarta-feira parecia ter se apressado mais do que o costume a chegar e duas horas após a minha última aula do dia ali estava eu, no corredor mais silencioso do colégio. O andar dos docentes. Se em seis anos fui ali por duas vezes é muito. A única vez foi quando precisei entregar às pressas a autorização assinada pela minha mãe para o acampamento de Halloween.

"Estou no andar dos docentes", repeti mentalmente com desdém. Acontece que essa porcaria tem mais de dez salas e é muito mais amplo do que eu me recordava. Desfilei pelo corredor, procurado por placas nas portas, mas não há nada que as distinga. Todas portas de madeira escura e envernizada devidamente fechadas. Uma das portas mais próxima se abriu e professora Sonja, uma senhora de cabelos brancos que passariam por algodão doce, deu as caras. Sorriu gentilmente ao me ver.

— Está perdida, Mira?

— Tenho hora marcada com o senhor Crane, o substituto de literatura. Ele se esqueceu de me dizer em qual sala devo procurá-lo. - ou deixou essa informação de fora de propósito.

— Ah! - o indicador no ar - O Casanova. - franzi a testa - Final do corredor, à direita.

Ainda quis questiona-lá sobre seu comentário, mas a idosa parecia com pressa ao me desejar uma boa tarde e ir na direção oposta.

Ao alcançar a última porta à direita bati por três vezes antes de abri-la, como costume quando lidamos com as portas das salas de aula nos andares abaixo. A sala é maior do que imaginava e pareceu vazia em um primeiro momento.

— Professor Crane? - chamei, encostando a porta e adentrando mais a sala.

Bem ao lado da porta principal há outra mais estreita que está entreaberta. Espio lá para dentro e está vazia. A uns quatro metros adiante a sala faz uma curva à esquerda e foi ao contorna-la que me deparei com a cena mais impensável de se encontrar dentro de uma sala de professores em um colégio.

Crane está em cima de uma esteira, calça de moletom e tenis. Fones nos ouvidos e tronco nu. Abri a boca para voltar a chamá-lo e nenhuma palavra saiu enquanto meus olhos contemplavam suas costas incrivelmente bem trabalhadas. Os músculos se contraíam sob sua pele morena, o suor enfatizando ainda mais sua boa forma. Minha atenção estava toda em seu traseiro quando o telefone sobre a mesa tocou, me assustando. E um grito escapou. Mais por eu me sentir incrivelmente repreendida pelo toque estridente do telefone do que pelo susto em si.

Crane olhou para trás e me vendo também pareceu surpreso. Saiu da esteira, desligando-a com alguns toques nos botões da máquina.

— Jones. - arrancou os fones, ofegante. - Mas que horas..? - começou, procurando por algo sobre a mesa.

 


Ao vê-lo de frente meus olhos foram caindo incontrolavelmente, passaram pelo seu peitoral, descendo pela barriga trincada e onde um v bastante pecaminoso direcionado para o interior das suas calças deixava os olhos e a imaginação famintos. Me questionei quando foi que na minha mente eu havia decidido que jamais consideraria um homem com pêlos no peito bonito porque ali estava um exemplo perfeito que os pêlos podem até mesmo complementar algo já perfeito.

— Está me ouvindo, Jones? - seu tom firme me fez retomar à minha sanidade - Deveria ter batido antes. - ele está bravo comigo?

— Eu bati. - me ofendi - Você não deveria estar com fones. - acusei-o, fazendo-o engolir seco.

— Só...espere aqui, ok? - passou por mim em passos largos batendo a porta estreita logo ao lado da principal.


Titubeei por um bocado e acabei me sentando na cadeira à frente da mesa também de madeira. Me peguei mordendo o lábio com um sorriso sacana ao relembrar a imagem de Crane sem camisa e com aquele moletom pendendo perigosamente no quadril estreito.

Ele pigarreou antes de voltar a entrar em meu campo de visão, ainda com o moletom e os tenis, mas agora com uma sweater vestida. Seus cabelos ondulados estão molhados de suor e insistem em cair em sua testa. Nossos olhares finalmente se cruzam e eu sustentava o seu com petulância. Os olhos azuis límpidos e, no entanto, sombrios me esquadrinhavam daquele jeito ao qual eu acabaria por me habituar. Ainda que agora faça meu sangue todo se concentrar no crânio e me deixar grata pelo meu tom de pele não deixar a vermelhidão transparecer.

— Bem, o senhor me tem aqui. Já pode revelar o motivo para esta reunião particular. - apoiei os braços na lateral da cadeira, me reclinando.


Seus lábios se curvaram em um sorriso de apenas alguns segundos, mas que me fez me remexer em minha cadeira, apertando as mãos no colo e desejar que ele fosse direto ao ponto, mas não necessariamente ao que havia me levado até ali e sim ao que havia despertado ao vê-lo em tronco nu, suado e ofegante.

 


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