O dia da mentira escrita por Jude Melody
— Chegou o volume 35 de Hiato x Hiato! — berrou Arrietty, escancarando a porta da sala.
— O quê?! Onde? — exclamou Leorio, erguendo os olhos do jogo de cartas.
— No jornaleiro perto da padaria. Eu só estava com trocados, então não pude comprar. Os exemplares estão acabando!
— Isso é uma emergência!
Leorio levantou-se, catou a carteira e as chaves e saiu a toda do apartamento. A vizinha gritou quando ele abriu a porta do elevador, e Leorio voltou rapidinho para o quarto para buscar uma calça.
— Eu não acredito que você saiu só de regata e cueca... — murmurou Kurapika, esfregando as pálpebras.
— Ei, me dá um desconto! É uma emergência — grunhiu Leorio, lutando para vestir a calça.
— Leorio, traz balas para a gente? — pediu Gon.
— E chocolates! — emendou Killua.
— E o mangá da Princesa Kiara para mim! — Alluka ergueu os braços.
— Está bem, está bem — resmungou o Paradinight, dando pulinhos enquanto abotoava a calça. — E você, Kura, vai querer alguma coisa?
— Não, obrigado. Você não vai sair só com essa regata, vai?
Leorio conferiu a peça de roupa, caminhou até Kurapika e puxou sua camisa de manga. Vestiu-a em três segundos e já estava no corredor, segurando a carteira e as chaves em uma das mãos e o par de sapatos na hora. Arrietty fechou a porta e fitou o Kuruta, que estava de olhos arregalados e cabelos bagunçados.
— Eu não acredito que ele fez isso... — murmurou o loiro, arrumando suas madeixas. — Do que está rindo, Arrietty?
Ela desabou no sofá, as mãos na barriga. Gon e Killua deixaram de lado o jogo de cartas e se aproximaram para garantir se Arrietty finalmente havia enlouquecido. Kurode aproximou-se também, cheirando seus pés.
— Eu não acredito que ele realmente foi! — disse a garota, ofegante. — Que idiota! Seu dono é muito idiota, Kurode!
— Ué, não era para ele ir? — perguntou Gon.
— Ah! — fez Killua. — Muito bom, Arrietty!
Ela se sentou, e Killua sentou-se a seu lado. Os dois riram horrores juntos.
— Mas o que está acontecendo? — Gon fez uma carinha amuada de quem estava muito perdido.
— Foi uma pegadinha de primeiro de abril, Gon. A Arrietty fez o Leorio sair correndo daqui à toa — explicou Kurapika.
— Ah... Então, não tem volume novo de Hiato x Hiato?
Arrietty e Killua olharam para ele. Depois trocaram olhares. E voltaram a rir.
Leorio voltou uma hora depois com uma expressão derrotada. Sentou-se no tapete, pôs a sacola de doces sobre a mesa de centro e apoiou a cabeça no ombro do namorado.
— Eu cheguei tarde demais. Já tinham comprado todos os exemplares.
— Caramba, Leorio! — disse Arrietty. — Olha o que você fez.
— É! — entoou Killua. — Se fosse eu no seu lugar, tinha chegado no jornaleiro como um raio e trazido o mangá de volta em dois segundos.
— Me defende, Kura — implorou Leorio, fitando o Kuruta.
— Você roubou minha camisa.
— Mas foi por uma boa causa.
— Não.
— Me defende, Kurode!
O cachorro cheirava os sapatos dele.
— Eu rodei um monte de quarteirões atrás desse volume, está bem? Mas não encontrei em lugar algum.
— Ué... — fez Gon. — Mas, Arrietty, você não tinha dito que era uma pegadinha de primeiro de abril?
Leorio aprumou-se de súbito. Arrietty arqueou as sobrancelhas.
— Eu disse?
— Muito bem, mocinha! — Leorio aproximou-se, olhando feio para ela. — Isso não teve a menor graça!
— Ah, teve, sim. Teve muita! — defendeu Killua.
— O tio Leorio saiu no corredor só de cueca! — complementou Alluka, rindo.
— O tio Leorio é muito bobo, né, Alluka?
— Sim!
— Isso. Não. Tem. Graça — grunhiu Leorio. — Kurapika, você é a mãe. Brigue com eles. Ponha todo mundo de castigo.
— O quê? Que história é essa de eu ser a mãe?
— Ora, é porque você é o mais sensato de nós, está sempre impondo regras e censurando todo mundo, e até o Kurode te obedece.
— Mas eu sou homem. A Arrietty é mulher e mais velha. Não deveria ser ela a mãe?
Leorio olhou para Arrietty.
— Eu disse “sensato”.
— Ei...
Kurapika ficou quieto por um instante.
— Você tem razão. Agora, quer me devolver minha camisa?
— Mas e a bronca?
— Você foi suficientemente idiota para cair em uma pegadinha tão previsível. Se alguém merece bronca, é você. Agora, devolva minha camisa.
Leorio inspirou fundo, os olhos brilhando de raiva.
— Vem pegar, então! — bradou, marchando para o quarto logo em seguida.
— O jantar está pronto, meninos — gritou Arrietty da porta da cozinha. — Vocês também, Alluka e Kurode.
— Oba! — Alluka largou o mangá da Princesa Kiara e correu até a mesa. — Janta! Janta!
— Arrietty — choramingou Gon, andando de mansinho no corredor. — O Killua pregou uma peça em mim no videogame. Briga com ele!
— Mas a mãe não era o Kurapika?
— O Kurapika disse para eu deixar de ser bobo...
— Então, deixa de ser bobo, Gon. O que ele te fez?
— Ele disse para a gente apostar a sobremesa em uma partida de morte súbita no Mortal Hunting, mas tinha desconectado meu controle do console sem eu perceber. Aí, eu tomei um monte de pancada e só vi o que estava acontecendo quando era muito tarde e acabei perdendo.
— Problema seu, Gon. Vai ficar sem sobremesa. E, depois, o Killua sempre faz isso, independentemente de ser primeiro de abril ou não.
Ele abriu a boca para argumentar, mas não havia argumentos. Killua surgiu logo depois e se jogou sobre seus ombros.
— Adivinha quem vai comer duas sobremesas hoje!
— Sai, Killua! Seu chato!
— Ora, o que é isso? — Killua estendeu o braço. — Vamos, nós somos amigos. Sem ressentimentos, está bem?
Gon fitou o braço estendido com desconfiança, mas aceitou apertar a mão do Zoldyck. E tomou um belo choque.
— Killua!
— Maninho, não seja mau com ele.
— Eu divido a sobremesa do Gon com você, Alluka.
— Oba!
Killua sorriu e deu um beijo na bochecha da irmãzinha.
— E o Kurapika e o Leorio? — indagou Arrietty enquanto servia a ração de Kurode.
— Eu estou aqui — anunciou Kurapika, sentando-se à mesa. — O Leorio ainda está chateado por causa de hoje à tarde e não quer sair do quarto.
— Ao menos, você conseguiu sua camisa de volta — respondeu Arrietty, marota.
O Kuruta enrubesceu.
— É outra camisa...
Com todos sentados à mesa, Arrietty destampou a panela de curry. Killua fez menção de pegar a concha, mas recuou.
— Espere aí... É realmente seguro comer uma refeição que você cozinhou no primeiro de abril?
— Killua, se eu quisesse envenenar vocês, há outros meios mais eficientes. E, depois, veneno nem funciona contigo, e o faro do Gon é melhor que o do Kurode.
Nesse momento, Gon deu uma cafungada no curry.
— Está seguro!
Arrietty deu de ombros.
— Não disse?
Eles já estavam no meio da refeição quando Leorio apareceu, ainda sisudo. Sentou-se ao lado de Kurapika, mas não lhe dirigiu o olhar. Alluka sentiu o clima pesado e decidiu interferir:
— Obrigada por trazer o mangá da Princesa Kiara, tio Leorio.
Ele grunhiu qualquer coisa ininteligível.
— Leorio, a Alluka está agradecendo. Seja gentil com ela.
— De nada — respondeu Leorio entre dentes.
Kurapika esfregou a têmpora.
— Quem quer sobremesa? — perguntou Arrietty após todos terminarem o jantar.
— Eu! — exclamaram as crianças.
— Certo, então... — Arrietty retirou as fatias de bolo da geladeira para distribuir em pratinhos. — Uma para mim. Uma para o Kurapika. Uma para o Leorio. Uma para a Alluka. E duas para o Killua, porque ele ganhou a fatia do Gon!
— Não é justo! — protestou o Freecss.
— Gon, aposta é aposta. Cumpra sua palavra — recomendou Kurapika.
— Mas o Killua trapaceou!
— Não trapaceei, nada! Você que puxou seu controle até desconectar do console sem perceber!
— Que mentira, Killua!
Arrietty ignorou a briga e serviu os pratos. Kurode foi o único a se apiedar da carinha desolada de Gon e apoiou a cabeça em suas pernas. Killua, por sua vez, era só risos. Até provar da primeira fatia.
— Mas o que...? — Tossiu. — Eca! Que nojo! Que porcaria é essa?!
Assustada, Alluka abaixou a colher.
— O que houve, maninho?
— Esse bolo está estragado! Isso nem é bolo, para começo de conversa! Isso... isso é... — Killua virou o rosto bem lentamente, uma aura assassina consumindo-o. — O que é isso, Arrietty?
Leorio e Kurapika pousaram seus pratos cuidadosamente sobre a mesa. Gon olhava para todo mundo em expectativa.
— Eh? Nada de mais.
— O que é isso?
Ela sorriu, traquinas.
— Esponja de banho com cobertura de chocolate.
Killua disparou como um raio sobre ela, mas Arrietty era ágil. Desviou-se de todos os golpes e deu-lhe uma rasteira.
— Maninho!
— Ora, sua...
— O que foi, Killua? Está espumando de raiva?
Gon riu até desabar da cadeira.
— Leorio — murmurou Kurapika, recostando-se no batente da porta. — O que você está fazendo?
O Paradinight estava imerso na análise de alguns diagramas no computador e demorou alguns segundos para responder.
— Arquitetando minha vingança.
— Leorio, esqueça isso. Foi só uma pegadinha boba. Ninguém nem se machucou.
— É, mas agora a vizinha do terceiro andar vai pensar que eu sou um tarado!
— Bem, isso é culpa sua. Ninguém mandou sair por aí só de cueca.
— É culpa da Arrietty, e você sabe bem disso!
Kurapika suspirou e pousou as mãos em seus ombros.
— Você deveria relaxar e ir dormir.
— Não.
— Vamos, Leorio. Venha. Venha comigo.
— Ah, saia daqui! — resmungou Leorio, desvencilhando-se.
Kurapika trincou os dentes.
— Faça como quiser. Eu vou ler.
— Boa leitura.
— Preciso ler no computador.
— E?
Um minuto depois, Kurapika batia a porta do quarto na cara de Leorio. Abandonado pelo próprio namorado, o pobrezinho arrastou-se até a sala e ligou a televisão na esperança de encontrar uma reprise de Hiato x Hiato. Arrietty saía da cozinha com um prato de bolo nas mãos.
— Ah, você está aí? — disse, sentando-se ao lado dele. — E então? Arquitetando seu plano de vingança?
— O Kurapika me expulsou do quarto.
Ela riu.
— Mas é claro. Ele não aprova vingança.
Leorio olhou para ela.
— Bom, não vinganças fúteis... Ei.
Leorio inspirou fundo.
— O que é agora?
— Foi só uma brincadeira, está bem? E admita, foi engraçado.
— Não foi, não!
— Foi, sim! Você devia ter visto a forma como reagiu. Parecia até o Kurode quando houve o som dos petiscos.
Ele resmungou, trocando os canais. Ainda estava chateado. Arrietty empurrou seu ombro de leve.
— Vamos...
— Está bem! Está bem! Foi engraçado. Do seu ponto de vista.
— Foi engraçado do meu também — disse Killua, que ia a cozinha pegar um copo d’água.
— Não te perguntei nada, moleque!
— Então... — disse Arrietty. — Amigos?
Leorio suspirou.
— Está bem. Amigos. Agora diz para o Kurapika deixar eu voltar para o quarto?
Ela riu de novo.
— Claro. — Ficou um momento cutucando a fatia de bolo. — E, de qualquer maneira, você jamais conseguiria me pregar uma peça.
— Ei!
— Estou mentindo?
Eles trocaram olhares. Leorio fez uma careta.
— Acho que tem razão.
Arrietty abaixou o rosto para o bolo. Estendeu o prato para Leorio.
— Tome.
— O quê?
— É a última fatia. Fique com ela.
— Está achando que eu sou idiota, é? Isso aí é só uma esponja! Eu vi quando o Killua mordeu.
— Não, não esta. Eu fiz várias fatias de bolo falsas usando esponjas de banho, mas também fiz um bolo de verdade para mim; sabe, para comer escondida enquanto ria de vocês. Esta é a última fatia do bolo de verdade.
Leorio arqueou a sobrancelha.
— Sério mesmo?
— Sério.
Ele conferiu o relógio, só para ter certeza. Já passava da meia-noite. Não que Arrietty precisasse da desculpa de primeiro de abril para pregar peças... Mas ela estava sendo tão diplomática!
— Está bem. Eu aceito. Obrigado.
— De nada.
Leorio pegou o prato e provou do bolo. Não conseguiu mastigar direito. A consistência era estranha.
— Arrietty... você mentiu.
Ela olhou para ele.
— Eu sei.
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Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!Notas finais do capítulo
Para vídeo da pegadinha da esponja, veja este vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=Vc6nt6z3JrI
Confira também a “April Fool’s Day”, fanfic de 1º de abril escrita no ano passado.