Quebrei minha casca escrita por Eduardo Marais
— Tem certeza de que quer fazer isso?
— É o mais digno. – Yose observa os prédios daquele condomínio e convida o parceiro para saírem do carro.
Lá fora são observados por um grupo de jovens, desconfiados com a chegada daqueles desconhecidos. Depois do confronto dos policiais e traficantes, o medo era uma constante e muitos hábitos tinham sido modificados, incluindo a diminuição dos jogos na quadra de basquete, onde o menino havia sido perdurado depois de morto.
Caminhando pelo pátio onde estavam alguns grupos de jovens, os policiais se dirigem até o pequeno prédio onde ainda morava a avó do garoto assassinado. Ela retornara para seu apartamento, depois que a policia tinha retomado o controle da segurança no local. Ela e outro pequeno neto.
Quando a porta do apartamento é aberta, a figura de um menino magro surge segurando um pedaço de pão em uma das mãos. O menino sorri temeroso e não se move como se fosse impedir a entrada dos desconhecidos.
— Poderíamos falar com sua avó?
— Ela está deitada.
— Mas o que temos a falar é muito importante. – Akinnagbe sorri amável. – Estamos trazendo uma ótima notícia.
O som de chinelos sendo arrastados é ouvido e os policiais olham ao mesmo tempo para uma senhora que vinha sonolenta do interior do apartamento. Ela ordena que o menino saia da frente e encara os visitantes com uma expressão zangada.
— Quem são vocês?
— Eu sou o policial Akinnagbe e este é meu parceiro policial Yose. Poderíamos conversar com a senhora?
— Entrem. Mas aviso que se vieram terminar o serviço que o Rocco começou, estarão perdendo o tempo de vocês.
Akinnagbe e Yose se entreolham e negam com a cabeça. Em seguida, entram no pequeno apartamento.
— Eu estou resfriada e não tive ânimo para arrumar a casa. Meu neto fez o que pode. Sentem-se em algum lugar menos rasgado por aí.
— Não iremos tomar muito o seu tempo, mas o que temos a dizer é importante. – Yose sorri e instintivamente toca o aparelho auditivo.
A mulher não responde. Apenas olha-os com curiosidade e temor.
— Eu ignorei a existência de meus chefes e pedi um favor pessoal a meu pai. Então, ele enviou aquelas tropas de policiais para combater os traficantes e prender o líder.
— Seu pai é importante, então! Eu lhe agradeço por isso, menino.
Yose sorri rapidamente e continua:
— Sei que o que fiz não irá devolver seu neto e nem retirar os traumas que ficaram em suas almas. Por isso, pensei e conclui que deveria continuar tentando ajudar vocês nesta fase da vida.
Uma expressão de desconfiança surge no rosto cansado da mulher.
— Eu fiz um serviço e consegui um dinheiro. Mas o dinheiro é sujo, porque os métodos que usei foram um pouco...podres. – Yose abaixa a cabeça e acaricia uma mochila escura que carregava. – Por isso, preciso muito de sua ajuda, para que o dinheiro possa tronar-se digno.
— Quer que eu lave seu dinheiro de tráfico?
— Não consegui com tráfico, porque estou do outro lado da lei. Eu estou num serviço infiltrado e consegui o dinheiro fazendo-me passar por uma atividade ilegal. Gostaria que a senhora aceitasse esse montante e fosse embora daqui para recomeçar sua vida. Use o dinheiro como desejar, mas garanta o futuro seu e do menino. Compre uma casa, um carro, invista nos estudos dele e deixe este condomínio que somente a oprime.
A mulher estreita as sobrancelhas. Não estava gostando daquela conversa.
— Por favor, eu preciso que a senhora torne esse dinheiro em algo digno.
Por alguns minutos, a casa é tomada por um silêncio quase sepulcral. A mulher iria expulsar aqueles homens e fugir por medo, mas o olhar de filhote de cachorro na chuva exibido por Yose, começa a trincar o seu coração. Ela vê verdade naqueles olhos e decide dar a oportunidade do homem provar que ela não estava enganada.
— Sinceramente, eu não estou entendendo o que você quer, moço.
Akinnagbe dá uma rápida cotovelada no braço do amigo e o impulsiona a ser objetivo. Abrindo a mochila, Yose exibe uma quantidade grande de maços de cédulas altas.
— Consegui este dinheiro depois de um show de...- o policial para de falar quando percebe que o garoto estava atento no que ele iria dizer. – Em um show para adultos. Não posso ficar com o dinheiro, mas posso oferecer a quem eu quiser. E quero dá-lo para a senhora.
— Aceite, vovó! Assim, poderemos ir embora daqui e recomeçar nossa vida sem medo.
— Mas como vou explicar a origem do dinheiro?
— Meu amigo pode depositá-lo numa conta, na forma de doação para pagamento de suas dívidas. Muitas pessoas fazem isso ao redor do mundo: escolhem alguém aleatoriamente e pagam suas dívidas. – Akinnagbe faz a sugestão. – Caso a senhora nos autorize, poderemos cuidar da abertura de uma conta bancária. Mas a senhora poderá ficar com este montante para agilizar sua saída daqui. Tem para onde ir?
Ela move a cabeça respondendo afirmativamente.
— Tenho uma irmã no norte do Estado. Posso ir para lá até organizar toda a nova vida.
— Então faça isso e nos deixe felizes. – Yose complementa. – Não é muito o que tem aqui, porque não quis trazer todo o montante. Mas o restante será depositado, assim que organizarmos tudo.
— Vocês são policiais mesmo?
— Somos e trabalhamos sob a orientação de Elijah Kane.
A mulher sorri pela primeira vez.
— Conheço ele. É um bom homem e fez muito pelo nosso bairro, até deixar aos cuidados de outro policial dele. Conhecem Marcus Khahan?
— É um dos nossos colegas.
Levantando-se do velho sofá, a mulher caminha até uma estante. Apanha uma caixa de madeira e retorna para sentar-se diante dos policiais.
— Tenho algo valioso aqui e fiquei apavorada em revelar o que é. Eu corria risco de morrer ou de ver outro neto meu, pendurado no alambrado da quadra e morto. Mas vendo vocês dois aqui...vendo o dinheiro que querem me dar...e vendo a chance de continuar viva, sei que o certo a fazer é entregar isso ao seu cuidado. – ela entrega a caixa para Yose.
O policial abre com cuidado e espanta-se ao ver uma única carta no interior da caixa. Faz uma expressão de dúvida e encara a mulher.
— Há duas semanas, um homem veio ao meu apartamento e entregou-me esta carta. Foi enviada pelo Rocco de dentro da cadeia. Cerca de quatro dias depois, eu soube que o Rocco foi morto dentro da cadeia.
Os policiais se entreolham admirados. Por que não haviam sido informados? Será que Marcus sabia disso e estava escondendo o fato e o autor? E Kane? Tinha recebido a novidade?
— Rocco está morto?
— Sim. Rocco era apenas um comandado que virou insurgente e quis dominar uma área que não lhe pertencia. Foi um embate com o dono daqui e as coisas ficaram fora de controle. Rocco fez associação com outros soldados menores e deram o golpe contra o líder. Mas então, surgiram as tropas do governador... – ela para de repente de falar e arregala os olhos na direção de Yose. – Você é filho do governador??
Um sorriso malandro surge na boca do rapaz. Ele nega com a cabeça e provoca tranquilidade na mulher.
— Seria muita emoção para um dia só! – ela sorri e começa a abanar-se com um leque muito colorido. – Rocco foi preso e como sabia que seria morto lá dentro da cadeia, mandou um de seus comparsas aqui. O homem me trouxe a carta e disse que se eu entregasse às autoridades, deveria sumir do mapa ou eu seria a próxima vítima. Confiei em vocês dois e passo a missão de proteger a carta...ou sei lá.
Yose retira a carta do envelope e começa a ler seu conteúdo. À medida que ia decifrando a escrita, várias emoções surgem em seu rosto e seus olhos se tornam maiores ainda.
— Akin, precisaremos tirá-los daqui ainda hoje. Vamos levá-los para um hotel.
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