En El Medio escrita por Marylin C


Capítulo 2
II. you know I'm one for the overly passionate




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PARTE 2. you know I'm one for the overly passionate

 

semanas antes

 

Todos os pensamentos de Agustina se voltaram para a dor excruciante que sentia ao ter suas asas restauradas e sua mágica novamente acordada enquanto atravessava o portal negro, a preocupação com o que faria assim que finalmente chegasse em casa um nada comparado àquela dor. Pareciam inúmeras facas dilacerando-lhe a pele e seus músculos e ossos, mas ela sabia que, quando tudo acabasse, a mudança seria positiva. Mas deveria ir direto ao castelo quando voltasse ou…?

Enquanto caía portal adentro, observou as luzes azuis rodearem seus três acompanhantes e então notou o gemido estrangulado vindo de Hector. Ele segurava Felipe protetoramente com um braço enquanto a mão livre tocava firmemente um dos ombros de Rafael. Este olhava preocupado para seu cônjuge, que parecia se esforçar para não manifestar a dor que com certeza sentia. A careta de dor que o homem ruivo fazia cortou o coração de Tina, que quis a todo custo aliviar-lhe o fardo. Mas não podia. Somente deuses e seus filhos conseguiam fazer aquilo, tomar a dor mágica alheia para si, e Hector era filho de um deus.

A escuridão começou a desaparecer, como se eles estivessem se aproximando mais e mais de alguma fonte de luz amena. Então tudo iluminou-se de uma vez, e os quatro se viram caídos sobre grama, debaixo de um céu azul.

— Todos… Todos estão bem? — Hector indagou, arfando. Felipe já se encontrava ajoelhado ao lado do pai, a expressão temerosa e os olhos azuis já ameaçando derramar lágrimas. Rafael levantou de uma vez para alcançá-lo, esquadrinhando o corpo dele com preocupação.

— Eu é que pergunto. O que aconteceu? Por que você pareceu que ficou com dor durante a viagem? Você…?

— Ele estava tentando poupar você e o Felipe da dor de ter a mágica invadindo suas veias, tomando todas as sensações para si. — foi Tina quem respondeu, em tom sombrio. Deitava no chão em uma posição semelhante à de Hector, começando a se sentar para alongar o corpo. A dor de passar pelo portal, sendo um ser mágico, era mais facilmente esvaída quando ela se movia. Talvez fosse diferente para Hector, já que ele tinha tomado as sensações do marido e do filho também. Examinou as próprias asas, de um verde alguns tons mais escuro que seus olhos. — Normalmente… Normalmente não há como prevenir a dor de receber a mágica de volta, mas poucas regras se aplicam ao filho do Vento.

— Papai? — o pequeno garoto de cabelos loiros chamou, agarrado ao braço de Hector. — Você tá bem?

— Vou ficar bem sim, niño. — o ruivo sorriu encorajador, ainda deitado de costas na grama. Respirava profundamente, tentando estabilizar a própria respiração, de olhos fechados. — Que tal… Que tal você olhar em volta e me dizer como é o lugar onde caímos?

Felipe falou que tudo bem, tentando engolir o próprio choro para conseguir atender o pedido do pai. Rafael acariciava os fios ruivos com ternura, os lábios apertados como se tentasse conter algo que queria muito falar. Tina imaginou que seria uma bronca sobre pensar mais nos outros que em si mesmo, mas não podia saber com certeza.

— Tem um rio aqui do lado, umas árvores… Você sente a grama, papai? — ele perguntou, ao que Hector fez que sim com a cabeça. — Ela é muito verde, até mais verde que as plantas da vovó.

— Estamos em Ikla. — Hector concluiu. — Não é mesmo, Tina?

— Sim, ainda bem. Se tivéssemos ido parar em Iscah, seria realmente um… — ela se interrompeu, observando a forma que se aproximava no horizonte e abrindo um sorriso. — Hector, acho que Maren está vindo nos encontrar.

Hector abriu os olhos, encarando o céu azul da ilha de Ikla pela primeira vez em muito tempo. Ele sorriu para a expressão preocupada de Rafael e apoiou as mãos na grama para se sentar.

— Tem certeza de que tá bem, papai? — Felipe perguntou.

— Estou sim. Pode ir explorar, eu sei que você quer. — ele piscou para o garotinho, que abriu um sorriso animado e correu para o rio.

— Não chegue muito perto da água para não cair! — Rafael avisou antes de voltar-se novamente para o marido. — Você está bem mesmo, cariño?

— Estou. É só que meu corpo se cansa com o esforço, então tive que ficar deitado um pouco. — o olhar entre os dois foi tão cúmplice e cheio de sentimentos implícitos que Tina teve que desviar o olhar. Felipe sentava-se um passo atrás da beira do rio, um graveto em mãos enquanto mexia a água corrente. Um garotinho obediente.

A sombra no horizonte ficou mais nítida, e a fada deixou o casal a sós para voar até o encontro da mulher que cavalgava em sua direção. Os últimos resquícios da dor se esvaíram com o esforço de voar, e ela sorriu para si mesma.

 

— Maren! — gritou antes de jogar-se no abraço da jovem. Ambas caíram do cavalo, alcançando o chão suavemente por causa da ação da magia de Maren.

— Tina! Finalmente! — a jovem apertou a fada em seus braços antes de largá-la para se levantar. Ajeitou o vestido azul que usava e então assumiu a pose responsável de quem estava acostumada a liderar — Trouxe ele?

— Sim. — Agustina fez uma careta — E o marido e o filho.

Maren lançou-lhe um olhar de compaixão.

— Eu te disse, não disse? É uma perda de tempo nutrir esse tipo de esperança, ainda mais depois de tanto tempo.

— Sim, você disse. — ela suspirou — Mas temos assuntos mais urgentes a resolver. Como estão os ânimos?

— Sinto que o castelo não ruiu abaixo ainda somente pelos meus esforços e os dos Mestres. — Maren revirou os olhos, a postura geralmente assertiva denunciando a exaustão causada pelo estresse. — Espero que Hector consiga ajudar.

— Eu também.

A mulher de cabelos castanhos sussurrou algumas palavras no ouvido de seu cavalo, que assentiu e trotou para longe das duas. Ele encontrou um pasto que achou apetitoso e começou a comer distraidamente.

— Pedi para Raio de Prata nos encontrar em meia hora. — Maren comentou, em tom de explicação. Então, com um sorriso animado. voltou-se para onde os contornos dos acompanhantes de Tina se encontravam . — Agora eu quero conhecer a família que Hector construiu.

Agustina assentiu com uma expressão resignada e levantou vôo novamente. A amiga, por outro lado, simplesmente começou a correr no ar, como se subisse uma escada feita de vento. As duas retornaram para onde Hector e Rafael no momento conversavam em voz baixa, o ruivo com a cabeça apoiada no ombro do marido, enquanto observavam Felipe correr junto ao curso do rio. Tina teve que admitir que eles formavam um belo casal.

***

Ele agradeceu aos céus por ter Louis junto com ele, já que o Mestre sabia exatamente para onde ir. Nunca encontraria o caminho correto e mais curto até a Torre Purpúrea, onde ficavam os aposentos reais e os quartos que a rainha tinha designado ao Alto Conselho e à família de Rafael, se estivesse sozinho. Os dois enfrentaram as chamas, tossindo muito devido à fumaça enquanto o Mestre tentava controlar o fogo.

— Isso não está funcionando. — Louis constatou, com as sobrancelhas franzidas. — Tem algo errado com essas chamas. Geralmente elementos da natureza fluem por puro instinto e, desse modo, são suscetíveis ao poder de sugestão da nossa magia. Mas estas…

— Não temos tempo para uma aula de magia, Mestre Louis! — o rapaz de cabelos castanhos interrompeu, exasperado. — Não existe algum feitiço de rastreamento? Para podermos encontrá-los mais facilmente?

— Não consigo fazer esse tipo de feitiço. Nate é o responsável por isso, já que ele é um feiticeiro e eu, um naturalista. — Louis acenou tristemente com a cabeça, os olhos azuis rapidamente esquadrinhando o ambiente ao redor deles. — Por aqui, acho que ouvi um gemido! — apontou para um lance de escadas, e os dois começaram a subi-la. As chamas estavam começando a fazer seu estrago contra a pele de ambos, Rafael sentia seus braços quase em carne viva, mas não podiam desistir. Não deixariam aqueles que amavam para trás nem em um milhão de anos.

A escadaria acabou e o homem arregalou os olhos para o pequeno corpo encolhido aos pés de mais um lance de escadas. Felipe.

***

 

semanas antes

A beleza daquele castelo estava além de tudo o que a mente de Rafael poderia fantasiar. Todo esculpido em mármore branco e certo tipo de rocha que ele não conseguiu identificar, com janelas amplas e teto alto e abobadado, ele simplesmente não sabia para onde olhar. Tinha consciência de que provavelmente estava bastante parecido com o pequeno Felipe, que olhava para cima e para os lados e corria e abria a boca com admiração, mas não se importava realmente.

— É bonito, não é? — Maren, a moça que, ele aprendeu, era senhora daquele castelo, comentou com um sorriso. — Chamam-no de Estrela do Norte, por refletir o brilho da lua à noite. Ikla é a última ilha antes do mar aberto do norte, e esse castelo serve de aviso para os navegantes.

— Por que ele brilha? — Felipe indagou, passando os dedos pelos arabescos esculpidos na rocha.

— O mármore usado para construir esse castelo foi criado pelo fogo de dragões. — ela replicou, rindo da expressão espantada tanto do menino quanto de Rafael. Atrás deles, Hector e Agustina conversavam em voz baixa. O homem moreno sabia que eles discutiam os planos a serem executados para conseguir controlar a multidão enfurecida de magos que no momento habitava o castelo, mas não deixou de sentir uma pontada de ciúmes. Reconhecia que não tinha motivos para tal sentimento, mas não conseguia se livrar dele. Tinha conversado aquilo com seu marido enquanto a meio-fada os abandonara para recepcionar Maren, o desconforto que sentia em relação a ela, e Hector tinha sido o homem racional e compreensivo que sempre fora. Entendia que tinha colocado Rafael em uma situação complicada, mas não havia muito a se fazer, já que tinha um compromisso com o povo daquele mundo.

Às vezes, pensava que seria melhor que o marido gritasse com ele. Assim, não se sentiria culpado pela raiva que estava começando a sentir de Agustina. Não confiava nela, nem um pouco. E ver o amor da sua vida sendo gentil com ela, mesmo que fosse o padrão de Hector ser gentil e prestativo e educado com toda e qualquer criatura, estava realmente lhe dando nos nervos.

Hector claramente era um homem muito melhor que ele, Rafael concluiu com um sorriso triste. Mas bem, não era como se já não soubesse disso. Tinha se apaixonado por ele justamente por causa da índole amorosa e do bom coração, não tinha? Os olhos enigmáticos e o sorriso sincero pouco tinham a ver com aquilo. Mesmo que Hector fosse feio, não tinha como não amá-lo.

— Bom, chegamos. — Maren interrompeu o rumo de seus pensamentos com um suspiro pesaroso, parando de andar ao alcançar um par de portas duplas enormes em madeira clara. Os quatro tinham seguido a rainha sala após sala após corredor ao chegarem no castelo, em busca do lugar onde ela tinha conseguido concentrar todos os magos. — Este é o Salão Branco, que geralmente é utilizado para bailes, festas e jantares importantes. Mas o usaremos como base das investigações, por ser grande o suficiente para comportar a todos.

Rafael pôde ouvir o rumor de conversas enérgicas e discussões acaloradas atrás das portas, e tentou não parecer preocupado. Estava prestes a entrar numa sala cheia de pessoas irritadas que tinham poderes inimagináveis e que certamente estavam habilitadas a incinerá-lo com um estalar de dedos. Ou tirar-lhe o ar de dentro dos pulmões. Ou enforcá-lo à distância. Ou…

Sentiu a mão quente de Hector entrelaçar seus dedos. Virou-se para ele, que lhe dirigiu um sorriso tranquilizador de “eu sei que você está superpensando, mas estou com você, então não precisa se preocupar” antes de apertar levemente sua mão e por-se ao seu lado. Felipe observou animado quando Maren bateu uma palma e as portas se abriram, revelando um salão amplo e barulhento como final de feira. Pessoas de todo tipo gritavam umas com as outras, de pé e sentadas, gesticulando grosseiramente ou ameaçando com bolas de fogo ou gelo os colegas. Dois magos sentavam-se em cadeiras iguais no centro do salão, um com a cabeça enterrada nas mãos e outro olhando exasperado para o caos ao seu redor. Havia dois assentos vazios ao lado dos dois, e Maren gesticulou para que Hector fosse com ela ocupá-los. Rafael soltou a mão dele para que fosse, ficando no canto com Felipe só para vê-lo pedir a atenção de todos duas vezes e então desistir de ser delicado. Bateu uma palma e ergueu a mão aberta, abaixando-a com rapidez e intensidade ao mesmo tempo que todos no salão pareceram ter sido atingidos por uma força invisível que os derrubou no chão.

— Gostaria da atenção de todos, por  gentileza. — Hector pediu com um sorriso amável, fazendo Rafael rir. Ele tinha todo aquele poder e mesmo assim era educado.

Os dois homens ao lado do filho do Vento olharam tão surpresos quanto agradecidos para o rapaz e um deles, de cabelos negros e olhos azuis penetrantes, tomou as rédeas da situação ao erguer a voz:

— Bom, o filho do Vento finalmente chegou. Ele estará no comando das investigações até chegarmos a uma conclusão satisfatória. Vocês todos deverão obedecê-lo, devo lembrá-los que é seu dever como detentores de magia e membros deste Conselho.

— Espero que o ouçam, apesar de não conseguirem ouvir a nós, Mestres do Alto Conselho dos Magos, enquanto estão perdidos em suas picuinhas infantis. — o outro, de pose altiva e olhos castanhos, acrescentou com os braços cruzados. Maren teve que rir. Felipe puxou a camisa do pai, perguntando em um sussurro:

— Fael, por que esse pessoal precisa do papai pra ajudar?

— Acho que a situação é urgente e polêmica, então eles não sabem o que fazer. O papai está de fora, aí a visão dele é mais clara e objetiva. — Rafael respondeu com um sussurro parecido.

— Mas por que eles não só sentam e conversam pra resolver? — o menino franziu a testa, confuso.

— Também não sei, Lipe. Quer biscoito? — ele indagou, tirando um pote cheio dos doces de dentro da mochila que Hector tinha arrumado antes de saírem. O garotinho assentiu, sentando no chão de pedra e chamando o pai para se sentar junto a ele. Rafael riu enquanto encostava as costas à parede, refletindo que aquela não era uma pose muito digna para o marido da figura mais importante daquela sala. Mas não era como se o que todos aqueles magos pensavam dele fosse relevante, e se seu filho queria sentar no chão junto com ele e comer biscoitos, não tinha motivo para não fazê-lo. Sentiu o gosto de chocolate adoçar-lhe a boca e voltou sua atenção para o centro do salão, onde Hector já parecia estar bastante à vontade. Não notou que Agustina desaparecera misteriosamente.

Os magos ao redor estavam em um silêncio tão irritado quanto respeitoso, e uma mulher relatava o caso em aberto:

— …E então, quando eu estava prestes a conseguir convencer o ar a criar um pequeno furacão em minha mão, senti o cheiro da fumaça. Olhei em volta e andei um pouco para descobrir o que estava acontecendo. Logicamente pensei, em um primeiro momento, que algum dos outros aprendizes tinha produzido fogo pela primeira vez e estava muito animado. Mas logo notei que não era aquilo.

— Qual seção da Biblioteca queimou primeiro? — Hector perguntou, ao que a mulher deu de ombros.

— Não sei realmente. A primeira estante que notei queimar era a de alquimia. Então fui atrás do mestre João, que deu o alarme. — ela respondeu, brincando com os próprios dedos em uma indicação de nervosismo.

— Você saberia informar quem estava naquela seção naquele momento? Já que pensou que tinha sido algum dos outros aprendizes… — o filho do Vento inquiriu, fazendo-a refletir um pouco. Prendeu os cabelos muito claros em um rabo de cavalo apressado antes de replicar:

— Lembro de ter visto a mestra Eline e o mestre Albert, junto com seus aprendizes, logo que cheguei.

— Você não está insinuando que eu…?! — o referido mago, um idoso usando um chapéu roxo, se levantou do outro lado da sala e começou a protestar. Os Mestres do Alto Conselho soltaram suspiros iguais de cansaço, mas Hector interrompeu tão firme quanto gentilmente:

— Ninguém o está acusando de nada, mestre Albert. Por favor, sente-se.

— Mas ela…

— Ela apenas respondeu uma pergunta. — o ruivo pontuou e, quando o velho pareceu que iria protestar novamente, acrescentou — O motivo de não terem prosseguido em semanas é essas interrupções. Peço, mestre Albert, que deixe para fazer seus protestos quando eu indicar que é sua vez de falar.

Rafael quase bateu palmas, um involuntário sorriso orgulhoso tomando conta de sua expressão. Maren suspirou, agradecida, e os homens do Alto Conselho endireitaram as costas, tomados por novo ânimo. Passaram a ouvir os depoimentos da mestra Eline e de sua aprendiz, uma garota esguia de grandes olhos negros que o rapaz entendeu se chamar Olívia.

— Vimos o fogo vindo da seção de ervas e fungos, então corremos e nos encontramos com Michele, que também estava indo verificar a situação. — a garotinha falou rapidamente, com mais segurança do que ele tinha antecipado. Só foi entender a gravidade da situação horas mais tarde, ao deitar-se na cama do quarto que a rainha tinha cedido para o casal. Felipe dormia no cômodo ao lado, e Hector reunia todos os relatos transcritos que ouvira naquela tarde sentado na poltrona ao lado da cama. Ele tinha os ombros caídos e bocejava, o que obrigou Rafael a levantar-se e puxá-lo para a cama.

— Você teve um dia cheio, cariño. Descanse um pouco. — pediu, fazendo Hector assentir com um pequeno sorriso. Se deitou junto ao marido, o braço dele servindo-lhe de travesseiro e as pernas de ambos entrelaçadas.

— Vou descansar só algumas horas, precisarei levantar e terminar isso tudo amanhã. — comentou. — A Biblioteca é um lugar extremamente recluso, meu pai a fez para ser como uma dimensão intermediária feita só para abrigar conhecimento. É por isso que é tão importante.

— Pelo que entendi, só aquelas pessoas do Salão Branco são permitidas a entrarem lá. Não é? — Rafael indagou, ajeitando-se de modo que pudesse acariciar os fios ruivos do homem que amava.

— Sim. E só os Mestres do Alto Conselho, os dois homens sentados ao meu lado durante a sessão de hoje, podem permitir a entrada de alguém. Por isso que é tão preocupante que ela tenha queimado: significa que alguém que pode frequentá-la não é digno de confiança.

Rafael fechou os olhos, cansado de pensar a política desse mundo mágico.

— Se importa se eu for passear com o Felipe amanhã, enquanto você resolve essa situação toda? — perguntou — Nós dois ficamos cansados de acompanhar a reunião.

— Não me importo. Mas tenham cuidado, sim? — Hector pediu, para então se livrar da pouca distância entre os dois e encaixar seus lábios nos dele. Rafa sorriu em meio ao beijo; em meio à rotina, sobrava pouco tempo para dedicarem um ao outro, e aqueles raros momentos onde o casal estava sozinho eram sempre bem aproveitados.

***

Os dois continuaram a correr, Rafael levando Felipe nos braços enquanto tentava se concentrar em ajudar o Mestre Louis a encontrar os outros. Viraram em um corredor, desceram mais uma escada e encontraram Maren tentando arrastar um homem negro muito alto para uma janela. Ela estava fraca e prestes a desistir, quando sentiu Louis ajudá-la a erguer o corpo desacordado dele.

— Vou jogá-lo e amortecer a queda com magia! Julio não vai viver muito tempo se aspirar mais dessa fumaça! — ela explicou, utilizando de todo o autocontrole que possuía para não se desesperar. Louis assentiu e Rafael observou os dois simplesmente jogarem o homem janela abaixo, a rainha de cabelos castanhos pulando logo em seguida. O Mestre olhou para baixo e, vendo os dois fora de perigo, gritou:

— Maren! Pegue Felipe! Precisamos achar Nate e Hector!

O pai hesitou, mas o semblante confiante de seu companheiro naquele momento o fez entregá-lo o corpo desacordado de seu filho rapidamente. Louis queimou levemente as costas da mão no mármore muito quente ao esticar-se para jogar Felipe pela janela. Rafael correu para ver o que aconteceria, e Maren abriu um sorriso aliviado ao usar as mãos para controlar o ar ao seu redor e fazer o garotinho suavemente cair em seus braços. Ela gritou algo que ele não conseguiu entender, porque Louis já o puxava para sair daquela sala e voltar à sua busca desenfreada.

***

 

dias antes

O rapaz esfregou os olhos com frustração. Estava há muitas horas seguindo linhas de raciocínio com todos os fatos que tinha à disposição, fazendo conjecturas e coletando evidências tanto nos relatos quanto na própria Biblioteca. Tinha tido muito pouca sorte com o espaço em si, já que qualquer rastro de magia tinha desaparecido durante as semanas em que o lugar esteve fechado antes dele chegar. A única conclusão que chegou foi que o fogo começou na seção de Poções, se alastrando por Alquimia e Herbologia até os Livros Negros de Necromancia. Foi um sorte que só essas seções, da vasta Biblioteca, foram queimadas. Dentro dos diários dos Mestres do Alto Conselho deveria haver informações suficientes para repor os livros queimados, e um grupo de magos já tinha sido escalado para auxiliar o Mestre Nate na trabalhosa tarefa de transcrever informações do diário dele para novos livros. Restava apenas encontrar o culpado por toda aquela dor de cabeça.

— Conseguiu algo? — Mestre Louis, com seus cabelos escuros e olhar penetrante, apareceu na porta do Salão Branco com uma bandeja flutuando atrás dele. Hector apenas gemeu, afundando na cadeira. — Seu homem mandou-me trazer isto. Ele foi arrastado pelo pequeno raio de sol para brincar na praia antes que pudesse vir aqui.

Ele fez a bandeja aterrissar no colo do filho do Vento para que ele pudesse ver o conteúdo: vitamina de abacate e o que na Espanha eles chamavam de bocadillo de jamón mas que Louis provavelmente encarava apenas como um sanduíche de carne. Hector sorriu; Rafael sempre se lembrava das coisas que ele mais gostava de comer quando estava estressado com trabalho.

— Obrigado por trazer aqui, Louis. — o rapaz falou, tomando um gole da vitamina.

— De nada. — ele respondeu, abrindo então um sorriso sarcástico — Sempre foi meu sonho servir de garçom para o filho do Vento, claramente.

Hector riu, revirando os olhos.

— Você é muito chato, alguém já te disse isso?

— Nate me diz isso todos os dias, não me incomodo mais. — Louis deu de ombros, puxando uma cadeira para sentar-se ao lado do ruivo e poder ver tanto os papéis quanto a parede onde o agente tinha feito várias anotações, como um quadro de evidências. — Está pelo menos mais perto do que estávamos antes de você chegar?

— Talvez. Ao menos sabemos que o fogo foi produzido por um tipo de magia que passou indetectável pelas defesas da Biblioteca. Pedi a Maren para pensar sobre isso e me dar uma resposta mais tarde. — Hector explicou antes de morder o sanduíche. — Você e Nate têm o elo perfeito há muito tempo?

— Sim. Crescemos juntos, treinamos juntos. Fomos aprendizes do mesmo mestre. — Louis respondeu com um sorriso ao lembrar do feiticeiro que era seu complementar em magia e mais próximo que um irmão. — O elo perfeito só pode ser feito assim, sabe. Quando duas pessoas com tipos de magia complementares nutrem sentimentos profundos uma pela outra. Nate é o irmão que eu escolhi.

— Isso deve ser ótimo. — o rapaz ruivo sorriu, mas então pareceu ter uma ideia e largou a bandeja sobre a mesa, se aproximando da parede e analisando alguns dados. — Louis… A magia das fadas é detectável pelas defesas da Biblioteca?

O Mestre abriu a boca em descrença.

— Não. — foi a resposta, o homem de cabelos negros levantando-se para ver o que Hector via. — Você não acha que…?

— Não faz nenhum sentido, eu sei. — o filho do Vento afirmou — Mas… Encaixa, não é?

— Você realmente acha que foi Agustina? — Louis indagou. — Que ela queimou a Biblioteca?

— Ela é a única meio-fada que tem acesso à Biblioteca.

— Eu sei, mas… — e os dois começaram uma discussão acalorada sobre essa hipótese, sem notar que uma terceira pessoa podia ouvi-los por causa da porta entreaberta.

***

Rafael finalmente respirou ar fresco, carregando o corpo parcialmente queimado de um Hector desacordado para fora do castelo. Atrás dele, Louis levava um Nate em estado semelhante. Nenhum deles estava comprovadamente vivo ou morto, o que só servia para deixar seus salvadores mais desesperados. Eles deixaram os dois deitados na grama e se afastaram para deixarem os especialistas em cura trabalharem. O rapaz de cabelos castanhos passou os olhos pelo pátio da Estrela do Norte, até encontrar Felipe dando água a uma senhora que, ao que parecia, tinha perdido um braço. Ele estava muito sujo e tinha sido enfaixado em diversos pontos, mas estava vivo. Então resolveu que a situação de perigo de vida tinha passado e encarou o castelo sendo consumido pelas chamas. Louis também o fazia, perdido em pensamentos.

— Foi ela, não foi? — perguntou ao Mestre, que assentiu.

— Só ela poderia ter produzido fogo desse jeito.

— Onde ela está? Quero esganá-la com minhas próprias mãos. — Rafael disse, sua voz transparecendo nada além do mais puro ódio.

— Não sei. E, até que a situação aqui se estabilize, não conseguiremos encontrá-la. — Louis replicou, a tristeza em sua voz e expressão contrastando com o estado enfurecido do homem ao seu lado.

— Eu sabia que tinha algo errado com ela. Eu disse a ele! — ele gritou, os punhos cerrados tremendo com a raiva.

— Acho que ela não tinha planejado esse incêndio para quando vocês chegassem. — foi Maren quem comentou, tendo se aproximado depois de ter certeza que seu Julio estava fora de perigo.

— Como assim? — o Mestre de cabelos negros perguntou, franzindo a testa.

— Ela ainda gosta do Hector, você sabe. Minha hipótese é que ela incendiou a Biblioteca para trazê-lo aqui e então, quando não teve o que queria, resolveu fazer mais um incêndio. — a rainha explicou, pensativa.

— Isso parece reduzi-la a apenas alguém que queria um homem para si. — Rafael pontuou, ao que os outros dois assentiram.

— Então só poderemos saber seus motivos reais quando a encontrarmos. — Maren deu de ombros.

— Teremos que ficar aqui, não é? — o único do trio que não pertencia àquele mundo perguntou, surpreendentemente com saudades de seu emprego comum e da rotina e daquele mundo sem magia.

— É mais seguro, realmente. — Louis concordou — Hector e Felipe não devem estar suficientemente fortes para a viagem de volta.

— Muito bem. — ele assentiu com um suspiro.


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