Enchanted to meet you escrita por Shiroyuki


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Essa fanfic foi escrita há alguns meses, e faz parte de uma coletânea maior, idealizada pela maravilhosa Nekoclair, com a temática de significado das flores! Essa coletânea pode ser encontrada no link: https://coletaneas-on-ice.tumblr.com/
e lá tem muitas outras histórias maravilhosas desse anime lindo que é Yuri on Ice, além de fanarts seguindo o mesmo tema. No tumblr vocês encontram um pdf disponível no google drive com toda a coleção, tá lindo demais, vale muito à pena ver!



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Enchanted to Meet You

 

Quando Yuuri foi visto no meio da pista de dança, se movendo no que pretendia que fossem movimentos fluídos no ritmo de qualquer música que o DJ estivesse tocando no momento, com o seu paletó aberto e completamente amassado e com uma taça de champagne na mão, ninguém que o conhecesse previamente teria olhado duas vezes para a cena. Era algo comum, em qualquer festa que Yuuri não se controlasse o suficiente e acabasse bebendo mais do que deveria, e toda sua família, amigos e conhecidos sabiam bem disso. Suas performances musicais eram celebradas, talvez até esperadas, e ele sempre se arrependia na manhã seguinte, quando dezenas de vídeos de ângulos diferentes que continham cenas pavorosas dele dançando break no chão ou cantando Whitney Houston em cima da mesa do buffet se espalhavam por todas as redes sociais possíveis.

Yuuri tinha baixa tolerância ao álcool e uma tolerância menor ainda à manter a própria dignidade nesse tipo de situação. Ele já tinha um longo histórico relacionado a isso. A novidade ali era que ele havia arrastado alguém consigo para o centro da pista, e agora, ele e o homem misterioso que o acompanhava giravam ao redor um do outro, no que prometia ser uma coreografia elaborada que misturava tango, flamenco, valsa ou qualquer coisa entre as três danças.

Ao redor, os convidados da festa batiam palmas, gritavam e incentivavam os dois. É claro que já havia inúmeras câmeras de celular voltadas para o centro da pista, e, como usual, Yuuri não parecia estar dando a mínima para o fato de que tudo o que ele estava fazendo estava sendo inteiramente registrado para a posteridade. Seu par também não parecia atento a isto – seus olhos estavam direcionados para Yuuri. Ambos pareciam absortos demais um no outro, para ser mais exato, e não pareciam notar o quanto chamavam atenção.

Yuuri girava e movimentava os pés com agilidade, entrelaçando os braços no outro, sem permitir que ele se afastasse por muito tempo. O sorriso era uma constante no semblante de ambos os rapazes. Apesar de obviamente estarem sob efeito de álcool, e isto ser bastante evidente pelos movimentos lânguidos e pouco precisos, era um fato que os dois sabiam dançar, o suficiente para parecer bem mesmo naquele estado. Os dois dançavam em uma sincronia tão perfeita que era difícil de acreditar que nunca haviam feito isso juntos antes. Ainda mais difícil desconfiar de que antes daquela noite, eles nem sequer se conhecessem.

— Aquele não é o violinista que estava tocando antes, durante o jantar? – Alguém perguntou, curioso, diante da cena no mínimo peculiar.

A noiva sorriu abertamente, mais empolgada do que qualquer um, e não parecia se importar nem um pouco com o fato do padrinho do seu casamento estar roubando todos os holofotes para si, durante aquele que deveria ser o seu dia especial.

— Espero que sim! – Ela respondeu. – Ele não parou de olhar para o Yuuri nem por um segundo durante toda a festa.

Yuuri parecia feliz, como ela não lembrava de vê-lo há muito tempo, então, ela também estava feliz. Só esperava que ele não fosse se arrepender no dia seguinte, como geralmente acontecia, porque parecia que, finalmente, algo capaz de mudar a vida dele estava acontecendo diante dos seus olhos, e só restava a ela torcer para que seu melhor amigo não recuasse, e sim se entregasse de verdade ao que quer que pudesse acontecer a partir dali.

E torcer também para que ele não começasse a fazer um streap-tease no palco, como da última vez, porque ela tinha certeza de que ele não seria capaz de se recuperar de uma cena dessas tão facilmente de novo.

 

—___________________________________

 

Yuuri olhou no seu relógio de pulso. Havia passado mais tempo do que ele calculara, e o casamento começava às 18:00. Ele ainda tinha tempo de sobra para voltar para a floricultura, guardar seu material, e se arrumar para a cerimônia, mas não tinha um minuto mais a perder, se queria mesmo ter tempo para tudo isso.

O local estava praticamente pronto, ele constatou, soltando o ar, satisfeito. Apreciou o espaço todo decorado e a maneira como a iluminação das luzinhas e dos castiçais pendurados na tenda acima da sua cabeça realçava de maneira quase etérea o vermelho dos arranjos de flores das mesas, que ele havia passado a noite anterior inteira preparando.

Tudo estava perfeito, exatamente como ele imaginou, e como Yuko merecia que estivesse no dia do seu casamento. Um casamento ao ar livre, com a recepção no mesmo local, havia sido uma ideia perfeita; aquele ar simples e romântico combinava com ela e Nishigori, de alguma forma.

Yuuri terminava de arrumar alguns detalhes de cada uma das decorações espalhadas pelo local antes de finalmente ir, e havia uma movimentação intensa de funcionários – do buffet, do planejamento, do resto da decoração, todos se movendo rapidamente e dando os últimos retoques na recepção. Ainda precisava falar com a promotora de eventos que havia sido contratada para planejar tudo, antes de ir embora, para então arrumar-se para a cerimônia. Ele era o padrinho, e se atrasar não era uma opção – não quando seu terno estava na casa dos seus pais e Mari havia decidido que iria arrumar seu cabelo, e ele teria que lidar com ela se saísse um dedinho fora do planejado.

Fazer a decoração do local havia sido decisão sua, mesmo ciente da correria que seria fazer tudo no mesmo dia, sendo o padrinho e tudo mais. Não havia chance de que ele deixasse passar a oportunidade de ser ele a fornecer as flores para a decoração do dia mais importante da vida de Yuko, ainda que ela insistisse que ele não precisava se incomodar sobre isso. Ele fez questão de preparar tudo sozinho, sem que ela fizesse a menor ideia do que ele havia escolhido para a decoração. Tinha certeza de que ela iria amar.

Ele riu para si mesmo, pensando sobre quando eram crianças, e Yuko falava sobre como sonhava que seu casamento seria quando crescesse. Ele tinha certeza que seria ele a casar com ela. Porque eles eram melhores amigos, e era assim que acontecia, não é mesmo? Foi só quando cresceu, que ele percebeu que jamais poderia casar com Yuko, porque amizade e amor são duas coisas completamente diferentes, e o que ele sentia por ela era exatamente o mesmo tipo de amor fraternal que ele sentia pela sua própria irmã. Além disso, ela e Nishigori já estavam completamente apaixonados um pelo outro, quando ele chegou a essa simples constatação, embora nenhum dos dois parecesse estar ciente disso na época, e só fossem começar a namorar de verdade alguns anos depois.

— Minami! – Ele chamou, começando a recolher seu material, e as flores remanescentes. Seu funcionário, Minami, o garoto de cabelo tingido com uma mecha vermelha, e que parecia muito mais jovem do que os seus 17 anos, veio correndo com o seu chamado, prestativo como sempre. – Eu preciso ir, ou vou me atrasar.

— Sim, senhor! Pode deixar, Sr. Katsuki, eu consigo terminar tudo, e deixar tudo exatamente como o senhor faz! – O garoto bateu continência, com ares de comprometimento. Yuuri teve vontade de rir, mas sabia que ele estava falando sério quando se pronunciava com tanta contundência.

— Eu já disse para deixar esse “senhor” de lado. – Ele repetiu pela sabe-se lá qual vez, mesmo tendo a certeza de que Minami continuaria a falar da mesma forma com ele, apesar disso. Ser chamado de senhor pelo garoto fazia ele se sentir meio velho, na verdade. – Você pode terminar de colocar os arranjos nas mesas, e cuidar para que todos estejam iguais. O altar já está pronto, e a entrada também. Eu vou levar esses materiais, você pode deixar o que sobrar no depósito que fica perto da cozinha.  – Yuuri apontou para a construção que ficava na entrada do parque que havia sido alugado para o casamento. – Se tiver qualquer dúvida, ou algo acontecer, pode me ligar.

— Sem problemas! – Minami assentiu com energia, afastando-se rapidamente logo depois para seguir com as tarefas como havia sido ordenado.

Yuuri olhou mais uma vez para a estrutura montada para o casamento, e para cada um dos arranjos florais que ele havia preparado, só para garantir que não havia mais nada que ele precisasse fazer. Aparentemente, tudo estava saindo como planejado.

Uma música suave começou a ecoar pelo local, embora desconexa, como se cada instrumento estivesse tocando algo distinto. Yuko havia optado por música clássica durante a primeira parte da recepção, e o som dos instrumentos que enchiam os ouvidos de Yuuri no momento o fizeram pensar que aquela seria uma ótima decisão assim que a música começasse a fazer sentido. A banda contratada devia estar passando o som, organizando e resolvendo os últimos detalhes, como ele estava fazendo com as flores.

— É a primeira vez que eu vejo uma decoração de casamento com essas flores…

Yuuri sobressaltou ao ouvir uma voz próxima demais de onde ele estava. Ele não havia percebido a aproximação de ninguém, afinal, estava tão perdido nos próprios pensamentos, e concentrado na tarefa de deixar cada um dos arranjos perfeito, que não teria como notar qualquer coisa ao seu redor.

— São camélias… – Ele respondeu simplesmente, e sua voz se perdeu, assim que ele se virou na direção de quem quer que tivesse falado com ele. Ele pretendia acrescentar mais alguma coisa à sentença, mas já não fazia ideia do que poderia ser. Ao seu lado, estava o homem mais lindo que ele lembrava de já ter visto na vida. E o homem lindo em questão sorria na sua direção. Os neurônios de Yuuri se esforçavam ao máximo para fazer ligações e processar toda aquela situação, mas ele havia perdido completamente a capacidade de reagir, porque nada daquilo fazia sentido.

— São lindas. – O homem suspirou, sinceramente apreciando a beleza da decoração, e isso fez algo dentro de Yuuri se remexer inquietamente diante desse fato. – É uma das decorações mais bonitas que eu já vi em casamentos, sendo sincero, e olha que eu já vi casamentos o suficiente para isso significar alguma coisa! – Yuuri riu de leve da afirmação, fazendo o homem rir junto com ele. A risada dele era gostosa de ouvir. – Por que escolheu essas flores?

— Flores? – Os olhos dele eram azuis. Yuuri nunca havia visto olhos tão azuis quanto aqueles, que se destacavam mesmo que estivessem encobertos pela sombra da tenda instalada para o evento. Ele ainda sorria, com aqueles olhos mirando-o intensamente. Seus lábios se moviam. Ele estava falando alguma coisa. Algo sobre flores? Flores… Yuuri tinha uma floricultura. Ele sabia sobre flores. Sabia tudo sobre elas. Ele havia estudado isso. Por anos. – Flores. – Foi a resposta inteligente que ele conseguiu pronunciar. O homem riu de novo, divertido.

— Foi você quem escolheu? Ou foi a noiva? – Ele perguntou novamente, sem desistir de manter o assunto. Yuuri não conseguiu encontrar nenhum motivo na insistência do homem em permanecer conversando com um indivíduo que só havia conseguido pronunciar três sentenças até ali, duas delas contendo a mesma palavra repetida. Ao invés de pensar nisso, se concentrou em encontrar uma resposta para a pergunta que não fizesse ele parecer um completo idiota, para variar. Isso foi mais fácil, porque ele sabia a resposta da pergunta.

— Fui eu. Ela não faz ideia do que eu escolhi, vai ser uma surpresa. – Ele riu depois de responder, e sua risada soou estranha e completamente embaraçosa aos seus ouvidos, então, ele parou de rir. O homem sorriu ainda mais abertamente, o que foi inesperado.

— Você conhece a noiva, então? – Ele continuou a especular, cruzando os braços e repousando o indicador sobre o lábio, suavemente. O lábio superior era um pouco mais proeminente que o inferior, deixando-o com um formato peculiar e absolutamente encantador. Por causa disso, o sorriso dele tinha forma de coração. Yuuri percebeu que havia passado dois segundos a mais apreciando esse pequeno fato, quando os tais lábios se repuxaram em outro sorriso curioso.

— Sim. Sim, ela é minha melhor amiga.

— Ah! Por isso tanta dedicação nesses arranjos! Agora entendi. – Ele voltou sua atenção às flores novamente, como se, agora que sabia mais sobre elas, os ornamentos diante de si tivessem um novo significado. – E por que camélias? Quer dizer, flores têm significados, não é?

— Bem, sim, elas têm. – Yuuri também olhou para as flores, porque elas não faziam ele se sentir nervoso e tão ciente de si mesmo quanto o homem ao seu lado. – No caso, escolhi camélias porque quando éramos pequenos, havia um arbusto de camélias vermelhas na minha casa, e nós brincávamos embaixo dele. Achei que ela ia gostar da lembrança. – Ele ajeitou os óculos no rosto com o indicador. O sorriso nostálgico voltou, sem pedir permissão. – Além disso, elas significam reconhecimento, beleza, o começo de algo novo. Na linguagem vitoriana das flores, enviar uma camélia vermelha a alguém significava “você é a chama em meu coração”. Minha mãe dizia que as camélias que ela plantava eram para trazer novos horizontes. Achei que isso combinava com um casamento. – Ele deu de ombros, dando a entender que isso tudo era mais simples do que parecia.

— Poético. – O homem fitou Yuuri de canto, e ele sentiu seu coração acelerar. – Gostei bastante. – Yuuri não conseguiu responder nada. Ridículo, ele estava se comportando como um adolescente em plena puberdade. Ele não era assim! Pelo menos não nos últimos anos. – Bem, se você é o melhor amigo da noiva, devo presumir que vou encontrar você na cerimônia, certo?

— Acredito que sim? – Yuuri respondeu em tom de dúvida. Só agora ele havia percebido que não fazia ideia de quem era aquele homem e o que ele fazia ali. Perguntar agora parecia muito rude, mas ele vestia roupas formais (um simples terno preto com camisa branca que caía impecavelmente bem no seu corpo), e só naquele momento Yuuri notou que às suas costas havia um case de instrumento musical, que ele cogitou ser um violino, pelo tamanho e formato.

— Muito bom. – Outra vez um sorriso que Yuuri não sabia como interpretar, e seus olhos cintilaram, animados. – A propósito, sou Victor. – Ele estendeu a mão direita.

— Victor. – Ele repetiu, para gravar bem na memória. Se atrapalhou por um segundo, mas enfim, segurou a mão que Victor oferecia, em um aperto não tão firme quanto deveria. A mão dele era esguia e suave, mas Yuuri sentia a rispidez dos calos que só podiam ser decorrentes de anos de treino com o instrumento que ele trazia nas costas. Por algum motivo desconhecido, essa conclusão fez Yuuri sorrir para si mesmo, como se o fato de existirem imperfeições como calos nas mãos daquele homem que parecia tão irreal, o fizessem se tornar mais próximo e tangível, instantaneamente. – Yuuri. Yuuri Katsuki. O meu nome. – Ele respondeu, um tanto rápido e confuso demais. Sua mão ainda segurava a de Victor, e ele sabia que era tempo demais para um simples cumprimento, mas o outro também não parecia inclinado a se afastar naquele instante. Os dois ficaram se encarando por mais alguns segundos, sem que nenhum deles desviasse o olhar dessa vez. Yuuri não sabia como quebrar aquele momento e, depois percebeu, não tinha a menor vontade de fazer isso.

— Oooe, velhote! Não vai vir passar o som? – Alguém gritou do pequeno palco que havia no canto, um tablado de madeira que havia sido montado para o evento. O chamado fez Yuuri voltar a si, e soltar a mão do outro de uma só vez, afastando-se um passo para trás em reflexo.

Quem chamou foi um dos músicos, vestindo um terno exatamente igual ao de Victor, mas que parecia muito mais jovem. Estava abraçado a um violoncelo que era quase mais alto que ele próprio, quando sentado. Havia mais dois músicos com diferentes instrumentos próximos a ele, um garoto baixo de cabelos negros e olhar sério que arrumava as caixas de som, outro de topete que mexia em um instrumento de sopro que ele não sabia identificar àquela distância, além de uma garota de cabelos vermelhos com um vestido longo e elegante, próxima a um microfone. Todos encaravam a ambos naquele momento. A garota de cabelos vermelhos sorriu para Yuuri.

— Já estou indo! – Victor respondeu, com um aceno e um sorriso, voltando-se de imediato para  ele, não movendo um músculo para fazer como havia acabado de dizer.

— Acho que você tem que ir. – Yuuri sorriu sem graça. – E eu também tenho que ir. Preciso falar com a Sara, digo, a promotora de eventos, e me arrumar para o casamento e… tudo mais. – Ele não sabia para onde olhar agora, então se limitou a afastar-se o mais rápido que conseguia sem parecer afobado nem tropeçar nos próprios pés.

Só então percebeu que estava prestes a deixar para trás todo seu material e o carrinho de metal que usou para carregar as flores até ali. Voltou para pegar tudo, sentindo os seus pontos de dignidade caírem consideravelmente, enquanto ainda sentia o olhar de Victor fixo sobre si.

— Até mais tarde, Yuuri! – Victor acenou, sorrindo.

Yuuri acenou de volta, ainda que timidamente, enquanto pensava consigo mesmo o que raios um homem como aquele fazia jogando papo fora com um florista como ele. Com uma pontinha de satisfação querendo nascer – e ele trataria de sufocá-la antes que ela ameaçasse ficar maior – ele permitiu que um pequeno sorriso brotasse nos lábios, enquanto carregava de volta o seu equipamento no furgão da floricultura. Ele veria aquele homem novamente, naquela mesma noite, e estaria mentindo se não admitisse que saber disso despertara seu interesse, de alguma forma. Era difícil de acreditar, mas algo em toda aquela interação o fazia querer acreditar que esse interesse repentino poderia ser mútuo.

E se ele estivesse certo sobre isso, não fazia ideia de como proceder.

 

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Os convidados ainda estavam chegando e havia um leve burburinho de conversas misturadas ecoando no local, enquanto as pessoas se acomodavam em seus lugares nas mesas, e aguardavam que a cerimônia tivesse início. O juiz de paz que realizaria a cerimônia aguardava pacientemente atrás da mesa preparada no altar, acostumado com aquele tipo de situação. Yuuri estava nervoso, e isso era visível na maneira como ele se remexia inquieto no altar, mas ele sabia que só não estava mais nervoso do que o próprio noivo. Nishigori não conseguia ficar parado, e olhava toda hora para o arco de flores que marcava a entrada de Yuko.

Yuuri suspirou, passando a mão pelos cabelos penteados para trás com gel, sentindo-se um pouco egoísta por estar tão à flor da pele. Aquele momento era de Yuko e Takeshi, somente, e ele não tinha motivo algum para se sentir assim. Ou talvez tivesse? Disfarçadamente, Yuuri fitou o púlpito na lateral do altar, onde ficavam os instrumentos musicais, mas não havia ninguém ali ainda. Assim como não havia ninguém ali cinco minutos antes, e ele realmente precisava parar de olhar tão insistentemente para aquele local. Ele não fazia ideia de onde estavam os músicos e por quê eles não haviam aparecido ainda, mas este não era um problema no qual ele devesse estar pensando no momento.

— Pare de passar a mão nesse cabelo, vai estragar todo o meu trabalho. – Ele ouviu Mari ralhar, enquanto ela segurava sua mão e forçava-a para baixo. Ela era seu par como madrinha, e, apesar de ser uma visão rara ver sua irmã em um vestido, ela estava realmente muito linda no modelo amarelo-claro que Yuko escolheu para ela. Mari trabalhava em um salão de beleza, e havia arrumado o cabelo da noiva, antes de vir, e de todos da família, basicamente, e isso incluía Yuuri. Ele se sentia um tanto exposto sem seus óculos e com o cabelo para trás, mas não havia nada que pudesse fazer sobre isso.

— Acho que todo mundo já está aqui, não é? – Nishigori sussurrou para Yuuri. Era notável o quanto ele estava apreensivo, e Yuuri teve vontade de rir ao ver alguém como Nishigori parecer tão vulnerável e inquieto daquela forma. Como se Yuko fosse fugir, ou qualquer coisa assim. Impossível. – Será que ela demora?

— Acho que não estão todos aqui, ainda é cedo… E os músicos nem se posicionaram… – Quando Yuuri ergueu os olhos na direção do espaço dos músicos, percebeu que já estava sendo intensamente observado. A frase que ele pretendia dizer evaporou da sua mente.

— O músico já está lá sim. – Yuuri já não prestava atenção suficiente para saber quem havia falado com ele naquele momento. Sentiu a pele formigar, como se pudesse sentir fisicamente o peso de um simples olhar.

Embaraçado, ele olhou para baixo, disfarçando enquanto ajeitava os óculos com o indicador. Seu dedo tocou o próprio nariz e só então ele lembrou que havia deixado os óculos de lado e estava usando lentes de contato, por insistência de Mari. Seu rosto queimou com a constatação de que apesar dos esforços, ele estava fazendo papel de idiota ali.

Victor sorria. Yuuri não estava olhando para ele, mas de alguma forma, sabia que ele estava sorrindo. Nishigori ainda estava murmurando algo sobre o tempo não passar rápido o suficiente, e Mari havia puxado o noivo de lado para ajeitar seu cabelo e o nó da gravata, mas Yuuri não conseguia prestar atenção nisso mais.

Do grupo de músicos que Yuuri havia encontrado na recepção, apenas Victor estava ali, e Yuuri concluiu que ele tocaria a marcha nupcial para Yuko com seu violino, que, a propósito, já estava à postos. Yuuri ainda estava tendo dificuldades para decidir onde focar seu olhar (que insistia em ir parar no pequeno palco dos músicos contra a sua vontade, a cada minuto) quando percebeu que Victor havia ficado sério de repente, tirando a franja do olho com um movimento gracioso da cabeça, para ajeitar o violino em seu ombro.

Ele começou a tocar, e a melodia singela e suave logo chegou aos seus ouvidos, fazendo-o perder a linha de pensamento por um breve segundo. Os movimentos de Victor eram tão precisos e belos de se olhar que Yuuri teve dificuldade em processar toda a situação – até lembrar que o motivo pelo qual ele estava tocando o violino era porque o casamento supostamente estaria começando. Ao olhar para frente, finalmente, ele teve sua suspeita confirmada, ao enxergar o rosto sorridente de Yuko, que vinha em passos vagarosos no seu simples e romântico vestido. Ela estava linda.

Yuuri suspirou, deixando que a doce melodia que vinha do violino continuasse a embalar a entrada de Yuko, e concentrando-se apenas nisso, por enquanto. Sorriu de volta para ela, e sentiu o quanto ela estava feliz. Ele também estava, por ela, e ela merecia toda a sua atenção naquele momento. Era o dia dela, afinal.

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Yuuri havia sinceramente perdido a conta de quantos bem-casados já havia comido, mas não era sua culpa que eles estivessem absolutamente deliciosos e ele tivesse essa tendência chata de comer demais quando estava nervoso. E, ah, ele estava nervoso, muito nervoso! Talvez nervoso não fosse nem o suficiente para definir o que ele sentia naquele momento.

Ele havia decidido não pensar nisso durante a cerimônia, e se concentrar apenas no seu papel como padrinho dos noivos ali, mas agora a tarefa estava se tornando gritantemente mais complicada de ser cumprida. Se inicialmente ele estava com alguma dúvida sobre o estonteante violinista que lançava olhares sugestivos na sua direção aqui e ali, essa sua desconfiança começava a se tornar mais e mais realista à medida que as outras pessoas começaram a notar isso também.

Mas havia um problema: Katsuki Yuuri não sabia flertar. Não sabia interagir, ser amigável ou social. Pelo menos não de forma natural, sem apoio externo, completamente por iniciativa própria. E o fato de não saber o que fazer diante dessa situação fazia ele sentir que estava à beira da insanidade, tentando fazer sua mente trabalhar o suficiente para tirá-lo daquela situação de alguma forma que não ferisse diretamente a sua dignidade, de preferência.

De início, ele até conseguia convencer a si mesmo que poderia ser apenas sua imaginação sendo excessivamente otimista, para variar. Mas Victor não parou de olhar na sua direção durante todo o jantar, enquanto tocava a sua suave música ambiente para os convidados, e mesmo depois, quando a garota de cabelos vermelhos da banda – que ele descobriu se chamar Mila – começou a cantar.

Quando seus olhares por acaso se cruzavam, o que acontecia ocasionalmente, (já que eles estavam naquele ridículo jogo de olhar e disfarçar por tempo suficiente para que isso se tornasse frequente), Victor ainda sorria, o que acabava com qualquer chance de Yuuri acreditar que isso poderia ser algum engano.

O ponto crucial nisso tudo era: Yuuri não fazia ideia de como corresponder a essas prováveis expectativas que surgiram sem que ele percebesse. Se – e, veja bem, apenas se— Victor estivesse de fato interessado, e todos esses olhares nada discretos que ele lançava em sua direção significassem que ele estava paquerando Yuuri (surreal, ele sabia, quem iria imaginar?) como é que ele deveria reagir? Como responder, agir como se isso fosse natural e não estragar tudo? Bem… Não que Yuuri estivesse preocupado em estragar qualquer coisa, afinal, não existia nada ali para estragar. Ainda. Mas, se existisse, ele iria dar um jeito de fazer tudo ficar errado, porque ele era Yuuri Katsuki, e ele tinha experiência nessa área. Se existia alguém que poderia fazer uma situação simples e objetiva se tornar uma total bagunça, esse alguém era ele.

— Hey, Yuuri… Você está com uma cara estranha. Está tudo bem?

Yuuri virou-se do local onde se encontrava concentrado, próximo à mesa de buffet em que estavam dispostos os doces decorados, para encontrar Yuko, com um ar de preocupação que não combinava nada com seu lindo vestido branco, a maquiagem elaborada, porém discreta, em seu rosto, e o penteado cuidadosamente montado nos seus cabelos. Ele estava fazendo de novo – deixando Yuko preocupada com ele, quando ela deveria estar aproveitando aquele dia tão importante para ela.

— Ótimo. Eu estou ótimo! A festa está linda! Você está linda também, Yuko. Está tudo lindo! – Yuuri riu, nervoso, e puxou uma taça de champagne do garçom que passava por perto para disfarçar o quanto se sentia auto-consciente naquele instante. Bebeu metade daquela taça em um só gole, e voltou a olhar para Yuko com um sorriso um pouco mais aberto do que o normal, visivelmente forçado, sem realmente encará-la nos olhos. Yuuri, o mestre do disfarce.

— E os seus pais?

— Mari foi levá-los para casa, logo deve estar voltando. – Ele respondeu, aliviado pela mudança de assunto. – Você conhece ela… Provavelmente só vai ir embora da sua festa de manhã cedo.

— Sabe o que eu lembrei? – Ela sorriu, concordando, e segurando Yuuri com uma das mãos, e puxando ele em direção à pista de dança, onde alguns casais aleatórios se moviam lentamente ao som da banda e da voz suave da cantora no palco. Yuuri já havia dançado a valsa com Yuko, assim como ela havia feito com Nishigori e com alguns outros convidados no início da festa. Ele pensava que sua função como padrinho de casamento havia oficialmente encerrado ali, e que ele não precisaria voltar à pista de dança pelo resto da noite. Ledo engano.

Yuko se posicionou e colocou as mãos ao redor dos ombros de Yuuri, coagindo-o a dançar com ela, mesmo que ele não tivesse aceitado o convite em primeiro lugar. Ele apenas seguiu o fluxo e começou a conduzi-la, como era o natural a se fazer.

— Você lembrou de quê?

— Da escola. Lembra aquela vez em que uma menina do primeiro ano se declarou para você, e você ficou um ano inteiro sem almoçar na escola para não cruzar com ela no refeitório, e toda vez que via ela passando no corredor você ficava congelado, ou se escondia até ela sumir?

— Yuko! Você disse que nunca mais ia falar sobre isso. Eu só não sabia como reagir, nem como dizer para ela que não estava interessado, então… Eu queria evitar uma situação desagradável, só isso. – Ele se justificou, mesmo que ela não estivesse exatamente acusando-o de nada. – Mas já faz mais de 10 anos que isso aconteceu!

— E você não mudou nada desde então, ao que parece. Porque o violinista está tentando chamar sua atenção desde a cerimônia na igreja e não está conseguindo nem ser sutil sobre isso, e você ainda não fez nada!

— Quê?! – Em sua defesa, Yuuri pareceu genuinamente indignado com aquela afirmativa. – Eu não… Ele não está… – Yuuri soltou o ar. Não havia nem como tentar remediar a situação, porque Victor tinha que ser totalmente evidente nas suas intenções, é claro. – Mesmo que ele esteja, e eu não estou dizendo que está, a fim de mim, eu não… sei fazer essas coisas, certo? Ele vai cansar assim que perceber isso. Melhor viver sonhando com o que poderia ter sido do que se decepcionar, não é mesmo?

— Duvido que você acredite nessas coisas que diz. Sério. – Ela pronunciou, cética. Não havia a menor chance de Yuko deixar aquele assunto de lado. Ela já conhecia Yuuri bem o suficiente para esperar uma resposta daquelas dele. – Preste atenção. A banda vai tocar só até as 10, e depois, o DJ deles vai assumir e tocar o resto da noite. Eles vão recolher as coisas e provavelmente ir embora depois disso. Se você for rápido, consegue conversar com ele antes disso, e convencê-lo a ficar um pouco mais, ok?

— Você está louca? Eu não sei nem o que eu poderia dizer quando… – O sorriso de Yuko aumentou ligeiramente, e Yuuri sentiu que caminhava sobre terreno extremamente perigoso nesse momento. – Estou dizendo, se eu quisesse realmente fazer alguma coisa. O que eu não quero. Digo. Não tem a menor chance! Alguém como Victor…

— Oh! Então já estamos no estágio de saber nomes?! Nem eu sabia o nome dele ainda! Bom trabalho Yuuri, você é melhor nisso do que eu poderia imaginar.

Yuuri girou Yuko pela pista, apenas para ganhar algum tempo e pensar em uma resposta inteligente o suficiente para fazer ela mudar de ideia. Não obteve qualquer sucesso, principalmente porque ele podia sentir claramente que Victor o seguia com o olhar enquanto ele girava com Yuko seguindo o ritmo do violino dele, e isso o fazia sentir-se extremamente auto-consciente.

— Não é nada disso. Eu posso até ter conversado com ele quando estava arrumando as flores. Por alguns segundos, apenas. Isso não quer dizer nada. – Ele completou rapidamente, esperando que houvesse alguma maneira de escapar daquela conversa, e falhando em encontrar qualquer saída. Ele sempre detestou ter que falar sobre essas coisas com Yuko. Ela estava sempre tentando arranjar encontros e apresentando pessoas para Yuuri, pois, na cabeça dela, ele era solitário demais e precisava se abrir mais para o mundo. Mas ele estava bem sendo assim. Na maior parte do tempo, pelo menos.

— Yuuri. Você me conhece. Eu não vou ficar nada ofendida se você quiser levar o violinista do meu casamento para atrás daquelas árvores ali, para a salinha do depósito lá na entrada, ou pra sua casa mesmo. Na verdade, vou ficar feliz por você! Cá entre nós, você precisa relaxar um pouquinho, vai te fazer bem. Eu totalmente apoio um alívio desse tipo.

— Yuko!

Yuuri não conseguiu nem mesmo ficar horrorizado com a sugestão de Yuko, embora tivesse revirado os olhos apenas para disfarçar o rubor que subiu pelo seu rosto. Os argumentos dele já haviam se esgotado a essa altura, ou ele estava apenas cansado de refutar o óbvio. Sem falar que ele se recusava a admitir, mas a imagem mental que se formou com a menção de levar Victor a qualquer um daqueles lugares citados por Yuko parecia mais tentadora do que deveria.

Aquele violinista havia sim chamado sua atenção de uma forma que raramente acontecia, e ele não se importaria muito de conhecê-lo melhor, se tivesse a chance. O que faltava era a coragem, mesmo. A música teve fim. Ele terminou aquela dança com Yuko, mas, antes que se afastasse, ela inclinou-se na sua direção.

— Essas oportunidades não aparecem todo dia, sabe? Você devia aproveitar. A hora perfeita é agora! Você é um ótimo dançarino. Talvez convidar ele para dançar seja o suficiente. – Ela piscou um dos olhos e saiu rindo e saltitando (o máximo que o vestido longo permitia, pelo menos). Tentando não parecer tão afoito, Yuuri virou-se na direção do palco, apenas para ver que, assim como Yuko havia informado, a banda começava a se preparar para recolher seus pertences, dando lugar para o DJ, que já estava a postos no seu equipamento e tocando outra música. As luzes instaladas ao redor da pista de dança montada sobre o gramado baixo foram ligadas, e acompanhavam o ritmo mais rápido, piscando e colorindo o local a cada segundo. Gelo-seco se espalhava ao redor das pessoas, vindo de algum lugar que Yuuri não teve tempo de identificar. O centro da pista foi gradualmente ficando mais repleto de pessoas ávidas para dançar, agora que começavam as músicas agitadas.

Yuuri respirou fundo. Talvez fosse a taça de champagne que ele tomou antes que já havia chegado ao seu cérebro, mas, repentinamente, a ideia de ir até lá e falar com Victor não parecia assim tão ruim? Era só ir até lá, dizer oi, perguntar se ele não queria ficar mais um pouco. A conversa viria fácil, porque Victor parecia ser exatamente esse tipo de pessoa que tinha o dom de manter o assunto vivo. Não que Yuuri o conhecesse o suficiente para ter certeza de qualquer coisa, mas ele tinha essa sensação, apenas.

Deu o primeiro passo, e os passos seguintes foram mais fáceis. Ele manteve o ritmo decidido, enquanto furava o caminho por entre as pessoas que se aglomeravam ao som da música rápida que o DJ escolhera. Estava quase lá, e seus olhos esbarraram nos de Victor, que sorriu ao perceber Yuuri vindo em sua direção. Yuuri girou no próprio eixo e deu meia volta, como se essa tivesse sido a sua intenção o tempo todo, e disfarçou pegando outra taça cheia da bandeja do garçom que passava logo à frente.

Andou rápido até qualquer espaço que estivesse mais tranquilo e esvaziou a taça em um só gole. Seu coração estava praticamente pulando na mesma batida da música que fazia a maior parte das pessoas se movimentar ali perto. Yuko estava certa. Ele agia exatamente como fazia durante a escola, não havia mudado nem mesmo um pouco em todos aqueles anos. Parecia tão simples, em teoria, seguir em frente e puxar assunto com um cara de quem ele estava a fim (ele estava mesmo admitindo isso para si mesmo?), e as pessoas normalmente conseguiam fazer isso com tanta facilidade, como se não fosse nada demais.

Yuuri tinha inveja dessas pessoas, naquele momento. Com raiva, ele resgatou outra taça de qualquer bebida que tivesse sendo oferecida na bandeja do garçom mais próximo, e virou de uma só vez. Movido pela fúria que fazia seu sangue correr mais rápido, Yuuri decidiu que essas atitudes patéticas teriam seu fim naquela noite. Ele não iria mais se esconder. Iria até Victor, e conseguiria alguma coisa, de um jeito ou de outro. Seja lá o que isso significasse.

Mais decidido do que nunca, ele marchou na direção oposta, com determinação renovada. Duas taças de champagne vieram parar nas suas mãos ágeis antes que ele percebesse. Ele não tinha ideia do que faria, mas seu cérebro parecia estar planejando mais rápido do que ele era capaz de compreender, e, antes que conseguisse, já estava em ação. Era quase como uma experiência extra-corpórea – ou um sonho. Ele já não tinha o menor controle sobre o que estava fazendo, então, apenas seguia o fluxo.

Quando chegou próximo novamente, Victor não estava mais onde ele havia o visto antes. Não havia ninguém ali, além do DJ de cabelos escuros que trabalhava, e os instrumentos haviam sumido também. Yuuri não conseguiu nem se surpreender com sua falta de sorte: já estava acostumado com esse tipo de desfecho para qualquer coisa que ele se motivasse a tentar fazer diferente.

Pronto para esvaziar as duas taças borbulhantes que tinha em mãos, ele demorou a notar a presença que se aproximara por trás, só percebendo que havia alguém tocando em seu ombro quando já era tarde demais para reagir.

— Procurando alguém?

Foi puramente pela benção dos deuses do álcool que Yuuri não derramou o conteúdo das duas taças da maneira mais vergonhosa possível, conseguindo manter ambas em perfeito equilíbrio mesmo com o pulo de sobressalto que a inesperada voz em seu ouvido causou. Yuuri ouviu novamente a risada espontânea de Victor ecoar em seus ouvidos, e, por mais que fosse prazeroso ouvir esse som, de uma maneira que ele não sabia como explicar, ele ainda lamentava que estivesse sendo o motivo para a diversão dele. Ele queria causar reações em Victor, ah, como queria… Mas não era exatamente esse tipo de reação que ele tinha em mente.

— Não exatamente… – Ele respondeu, tentando parecer indiferente e casual. Na sua mente ligeiramente inebriada, estava obtendo sucesso nessa façanha. Com uma súbita onda de coragem, que vinha diretamente da imensa vontade de parar de fazer papel de idiota na frente daquele homem, Yuuri se aproximou tanto quanto podia. Encarou Victor por baixo dos cílios semicerrados, com um sorriso lento se espalhando pelo rosto. Não era o tipo de expressão que estava acostumado a carregar, mas combinava inesperadamente bem com ele. Ofereceu a taça de champagne à Victor, e, mesmo que levemente abalado pela súbita mudança, ele aceitou sem muita cerimônia, apesar de tecnicamente ainda estar em local de trabalho. – … mas fico feliz de ter encontrado.

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Yuuri sentia como se estivesse em um sonho. Um sublime, inacreditável e enevoado sonho, daqueles onde tudo é possível, onde as coisas acontecem sem qualquer problema, e seu corpo se movimenta automaticamente, quase como se soubesse exatamente o que fazer. Era o que estava acontecendo, basicamente.

— Você é absolutamente incrível, Yuuri. – A voz de um homem sussurrou em seu ouvido, e Yuuri sentiu um arrepio gostoso varrer seu corpo dos pés a cabeça. Descobriu que gostava da forma como ele pronunciava seu nome. Em condições normais, ele teria ficado com vergonha, refutado a ideia, talvez fugido. No estado atual em que se encontrava, ele apenas gargalhou.

— Você que é, Victor. Incrível. Inacreditável. – Victor riu e ele riu ainda mais. Victor era o nome dele. Victor. Victor. Ele podia ficar repetindo isso durante a noite inteira, se fosse preciso. Jamais cansaria daquele nome. Era um ótimo nome. Combinava com o homem diante de si.

Não sabia como havia ido parar ali, nos braços dele, e dançando onde todo mundo pudesse ver, mas não se arrependia, e não estava ligando para o que quer que fossem pensar dele. Sua cabeça girava, de um jeito bom, e ele tinha vontade de rir e de dançar mais. Victor era um ótimo dançarino, um que conseguia acompanhar seu ritmo, e isso por si só já era algo que ele estava extasiado em descobrir.

Na verdade, tudo o que ele descobrira até ali havia deixado-o animado além do normal. Quando se aproximou de Victor mais cedo, não esperava que ele aceitasse o convite para ficar mais tempo na festa com tanto afinco, e, sem qualquer cerimônia, aceitado o drink que Yuuri oferecera e engatado uma conversa sem pensar duas vezes. Como imaginado, era fácil conversar com ele.

Yuuri falou bastante sobre si mesmo, mais do que estava acostumado, e conheceu muitas coisas sobre Victor. Ele parecia muito afoito para falar, sinceramente – era até cativante a maneira como ele demonstrava ser aberto e disposto, e era adorável como ele estava parecendo simplesmente apreciando o interesse de Yuuri em saber tudo sobre ele.

Ele contou sobre como tocava violino desde criança, e que já havia se apresentado em orquestras e em competições ao redor do mundo (e Yuuri se esforçou para gravar na memória a ideia de procurar pelo nome dele no Google mais tarde), mas que havia se cansado das grandes plateias e da vida monótona e desgastante da música clássica nesse nível, e então, com alguns ex-colegas de orquestra, montou sua própria banda e eles viviam se apresentando em eventos culturais, casamentos, aniversários, formaturas, bar mitzvahs e qualquer outra oportunidade que surgisse. Eles estavam com alguns membros novos, sempre mudando de repertório, de estrutura ou de formação da banda, e essa movimentação fazia tudo ficar mais interessante. Era divertido, porque eles nunca faziam as mesmas coisas a cada apresentação.

Yuuri ficou fascinado com essa ideia. Ele estava acostumado a fazer tudo sempre igual. Seu maior ato de rebelião na vida foi recusar o pedido de seu pai para trabalhar na pensão da família para abrir sua própria floricultura. Depois dos anos estudando botânica,  cultivar suas próprias flores era sua maior alegria na vida. Ele acordava cedo todos os dias para trabalhar, e só voltava para seu apartamento acima da floricultura à noite, para dormir. Tudo sempre igual, nada fora do comum. Raramente saía dali. Ele gostava assim, ou, ao menos, se convenceu disso por tempo suficiente para que passasse a ser verdade.

Eles conversaram sobre muitas coisas mais além de trabalho, enquanto caminhavam ao redor da tenda do casamento, e, depois, sentando em um dos espaços vazios das mesas, já que todos estavam mais ocupados em dançar e festejar. Yuuri descobriu que Victor era russo, mas havia se mudado para o país ainda quando criança, que não tinha irmãos, e geralmente só via seus pais durante o Natal – que também era a data do seu aniversário.

Falaram sobre suas músicas favoritas, “Yuuri, eu jamais imaginaria que você gosta de Spice Girls. Eu também!”.

Sobre comida, “Não, você vai adorar, prometo! Se você não gosta de katsudon, você está errado. Ou não comeu certo. Eu vou te mostrar o verdadeiro katsudon.”

Sobre seus amigos “...aquele loiro do violoncelo, que tem o mesmo nome que o seu. Ele é apaixonado pelo DJ, certeza. Apostei com os outros sobre quem vai se declarar primeiro, você quer entrar na aposta?”

Sobre animais “EU NÃO ACREDITO, VOCÊ TEM UM PODDLE? EU QUERO CONHECER ELE!”, e sobre tantas outras coisas mais que Yuuri já havia perdido a conta. No final, Yuuri falara tanto sobre si, e ouvira tantas coisas de Victor, que já sentia como se o conhecesse durante toda sua vida.

Passando de um assunto para o outro, de uma taça de champagne para a outra, as horas passavam, e ele teve certeza de que nunca havia se divertido tanto em toda a sua vida. Estava tão fascinado que sentia que poderia explodir. As bolhas do espumante pareciam estar correndo pelas suas veias, deixando-o ainda mais alerta e ativo. Os olhos de Victor brilhavam tanto, e a voz dele era tão boa de se ouvir. Ele queria celebrar!

Foi assim que Yuuri puxou Victor para o centro da pista de dança, juntou seus corpos, e deu início a melhor e mais memorável performance de tango que todos naquela festa seriam capazes de presenciar, seguida de muitas outras variadas e espontâneas danças pelo resto da noite.

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Mais do que escutando, Yuuri sentia cada uma das batidas da música que tocava naquele momento. Ele já havia perdido as contas de quantas músicas e quantas danças haviam passado. O ritmo agora era lento e ele se movia preguiçosamente, deixando que Victor suportasse o seu peso, o que ele fazia sem qualquer protesto.

Yuuri aproximou um pouco mais seu corpo do de Victor. Ele raramente dançava com homens nesse tipo de evento – geralmente, era arrastado por Yuko, Minako, Mari ou qualquer uma que precisasse de um par, pois todas sabiam o quanto ele dançava bem, e assim ele ficava a noite inteira, conduzindo as damas enquanto seus acompanhantes se recusassem a dançar. A sensação dos braços fortes ao seu redor, da mão firme em sua cintura, não era algo que ele estivesse acostumado, mas ele gostava. Yuuri aproveitou para descansar o rosto no ombro do seu par. Era tão bom que ele fosse mais alto do que ele. Victor usava perfume, e Yuuri não costumava gostar muito de perfumes comerciais, com seus aromas artificiais e fortes, mas a fragrância que vinha dele, floral e amadeirada, era maravilhosa. Yuuri quase sentiu que poderia dormir ali, sentindo aquele aroma envolvendo-o, mas sua mente ainda estava desperta demais para pensar em dormir.

— Você é um dançarino maravilhoso… – A frase escapou de Yuuri, enquanto ele alegremente circundava os braços ao redor de Victor em outro abraço descoordenado e apertado. Ele não se importava com a sinceridade das frases que passavam pela sua mente e eram pronunciadas em voz alta sem qualquer filtro. Já havia perdido a vontade de se importar com o que quer que acontecesse há algumas taças atrás. – Eu poderia ficar aqui dançando com você o reeesto da noite. Ainda bem que a Yuko contratou a sua banda, eu… – Ele tropeçou nas palavras, se esforçando mais do que o normal para encontrá-las e pronunciá-las através da sua língua enrolada. – … tenho que agradecer a ela depois…

Victor tinha outro daqueles sorrisos estonteantes no rosto e Yuuri se sentiu a pessoa mais sortuda da noite por poder ser o alvo daquela expressão.

— Eu que me sinto sortudo por ter aceitado a proposta de tocar esta noite. – Victor girou Yuuri uma e outra vez, voltando a abraçá-lo. Ele já estava começando a se sentir tonto, mas mesmo essa falta de equilíbrio e de foco parecia extasiante. Victor também estava falando com a voz mais rouca e arrastada, o rosto pálido manchado de vermelho e os olhos úmidos lentamente perdendo o foco. Ele havia bebido tanto quanto Yuuri no decorrer da festa, e, apesar de parecer alguém que conseguia aguentar bem, todo mundo possui seus limites. – E por você ter me pedido para ficar.

Seus corpos estavam próximos, e Yuuri podia sentir com dolorosa clareza o calor que emanava de Victor e que o aquecia, mesmo através das roupas –  que, durante uma dança e outra, foram sendo retiradas, até que ambos estivessem sem seus paletós, Victor com o colete que usava por cima da camisa, e Yuuri com a camisa entreaberta e sem a menor ideia de onde sua gravata havia ido parar.

Algo na mente de Yuuri, um resquício da sua consciência, provavelmente, alertava que ele estava entrando em terreno perigoso e absolutamente sem volta, mas ele empurrou esse alerta para o fundo da mente e só conseguia pensar no quanto não se importaria nem um pouco de ter Victor mais perto.

— Eu preciso… – Yuuri hesitou. – … tomar um ar.

Havia gente demais ao redor. Todos dançavam e riam, felizes. A maioria, rostos conhecidos por Yuuri, e ele percebia que quase nenhum deles prestava mais atenção neles dois, agora que o entusiasmo pelo espetáculo que Yuuri providenciou já havia passado. Porém, eles ainda estavam em meio há tanta gente, e Yuuri desejava um pouco mais de… silêncio. Privacidade. Seu corpo parecia reagir diretamente à ideia de estar sozinho com Victor, e de uma maneira absolutamente positiva. Ele estava ávido para saber até onde isso poderia ir, não iria negar.

— Ah. Tudo bem. – Victor tirou as mãos de Yuuri, e ele imediatamente sentiu falta do calor fornecido por elas. Ele recuou, em um claro sinal de que esperaria por Yuuri ali. Não era isso que ele estava planejando.

Determinado, Yuuri puxou Victor pela gravata que ele ainda usava, se aproximou do ouvido dele. Se seus lábios roçaram de leve ali quando ele se preparou para falar, foi completamente sem intenção, claro.

— Eu esperava que você viesse comigo. Você quer?

Ele sentiu claramente quando Victor estremeceu diante da ideia, e sorriu ao ver o rosto dele, agora ainda mais corado, assentir. Os olhos desfocados pareciam completamente inebriados pela presença de Yuuri, e ele estava adorando estar ciente desse pequeno fato.

Yuuri soltou a gravata, e percorreu o peito de Victor com a mão, pressionando de leve, até chegar ao braço dele, onde se enganchou com naturalidade e se apoiou completamente ali, conduzindo Victor para longe da pista de dança, em direção às árvores iluminadas que circundavam o local.

Os convidados certamente percebiam a saída nada discreta dos dois, mas Yuuri não estava dando a mínima para o que isso parecia. Na verdade, a ideia de que poderiam estar vendo-o se afastar da festa com Victor à tiracolo o deixava ainda mais estimulado a prosseguir com o que quer que ele estivesse fazendo – ele ainda não tinha certeza do que era, mas não hesitaria em descobrir com detalhes.

— Eu geralmente não faço isso. – Victor confessou, quando já estavam longe o suficiente de todos para a música parecer mais distante, apesar de ainda estar alta. Yuuri se escorou atrás da primeira árvore que encontrou, e puxou Victor para perto, permitindo que ele escondesse o rosto no seu pescoço, e, respirando fundo ali, fez com que as pernas dele estremecessem e perdessem levemente a compostura. Se não fosse a árvore, Yuuri sentia que teria ido ao chão com somente aquilo.

— Faz o quê? Seduz os convidados dos casamentos onde se apresenta? – Yuuri provocou, erguendo as mãos e passando pelos cabelos finos de Victor, que pareciam seda ao seu toque.

— Exato. – Ele parou, e se afastou o suficiente para encarar Yuuri. – Eu te seduzi? – Um sorriso torto quebrou o seu ar de inocente curiosidade, transformando sua expressão imediatamente. – Acredito que tenha sido exatamente o contrário. Você está me seduzindo a noite inteira. Ou melhor, você está fazendo isso desde que nos conhecemos à tarde. Arrumando arranjos de flores com aqueles óculos e o avental, absolutamente adorável. Eu não tive a menor chance.

Yuuri discordava completamente. Ele estava uma bagunça hoje mais cedo. Era Victor quem ficava mandando os olhares, e que tinha toda a sofisticação e aquele ar sedutor que parecia surgir naturalmente nele, e que combinava tão bem com todo o resto. Yuuri não havia feito nada. A culpa era toda de Victor.

— Então você nunca seduz os convidados.

— Não. Os padrinhos do casamento, talvez, mas só aqueles que dançam tango surpreendentemente bem.

Yuuri sorriu, deixando que Victor percorresse sua cintura com as mãos, até deixá-lo encurralado contra aquela árvore, sem chance de escapar. Não que ele quisesse, de qualquer forma.

— Então foi minha noite de sorte... – Victor roçou o rosto contra o seu, sua respiração quente envolvendo-o, causando arrepios por onde passava, e fez Yuuri perder-se na linha de pensamento, esquecendo do que pretendia dizer ali.

— Eu quero muito, muito mesmo, beijar você agora… – Victor confessou. Yuuri, completamente enlaçado a ele, sentiu seu coração latejar e sua a respiração se tornar ainda mais ofegante com a expectativa criada por aquelas palavras, que pareciam projetar perfeitamente o que se passava na sua própria cabeça.

Ele pensou em dizer que não havia nada impedindo Victor de realizar seu desejo. Ou falar que ele também queria muito. Talvez fazer alguma outra brincadeirinha, uma provocação de leve antes de entregar aquilo que ambos pareciam ansiar tanto.

Ao invés disso, Yuuri apenas apertou ainda mais os braços ao redor de Victor, içando-o para baixo até que estivesse ao seu alcance, e roubando o resto de fôlego que ele possuía de uma só vez. Seus lábios se encaixaram de imediato, sincronizados em perfeita harmonia, com um ímpeto que só inúmeras taças de champagne, flertes desajeitados durante toda uma noite e um tango improvisado e absolutamente estonteante poderiam causar. Ele foi tomado pelo perfume de Victor, o fraco sabor de álcool que havia nele, e o calor que seu corpo e as mãos firmes que ainda o seguravam na realidade transmitiam. Todo seu corpo parecia ter sido fundido em um só sentido, uma mistura inebriante de sensações e de instinto.

A única verdade que continuava a se repetir constantemente na ínfima parte da sua mente que ainda tinha alguma consciência era a de que ele queria mais. Victor interrompeu o beijo apenas para tomar fôlego, e enterrar o rosto na curva do pescoço de Yuuri, absorvendo seu cheiro.

— Você tem cheiro de flores…. – Ele balbuciou, mais para si mesmo, antes de avançar e tomar com os lábios a pele sensível diante de si. Yuuri não conseguiu refrear o gemido que surgiu no fundo da sua garganta. Suas pernas já estavam enlaçadas nas de Victor, e ele se moveu, querendo mais do que nunca intensificar o contato do seu corpo contra o dele, sentindo o quanto ele reagia à fricção que nada tinha de involuntária.

— Yuuri… Se você continuar… – A voz grave, falhada, quase sem fôlego contra o seu ouvido, fez Yuuri gemer baixinho, de novo. – … Eu não vou conseguir…

— Se segurar? Parar? – Yuuri riu, mordiscando de leve a orelha que estava ao seu alcance, sentindo perfeitamente o tremor que passou pelo corpo do outro com o ato. – Por favor, não consiga então. Eu quero continuar.

Victor suspirou longamente, afastando-se apenas o suficiente para encarar Yuuri nos olhos, passando a mão pelos cabelos. Aparentemente, ele permanecia inalterado, mas Yuuri percebia o leve cambalear, a concentração para manter o foco, a dificuldade de se manter coerente e de se expressar. Mesmo com a luz tênue da decoração externa, Yuuri percebeu a fagulha que se acendia naqueles orbes azuis, e que fazia seu corpo inteiro estremecer com a perspectiva do que aquilo poderia significar. Qualquer insegurança de que Victor poderia mudar de ideia sobre ele a qualquer momento, trazida pela parte de Yuuri que ainda não havia sido afogada no seu atual estado etílico, havia oficialmente morrido naquele momento.

— Você acha que alguém vai perceber se eu te levar daqui?

—___________________________________

Yuuri precisou de vinte minutos, inúmeras tentativas, e girar a mesma chave sete vezes para conseguir acertar o ângulo e abrir a porta da floricultura. Com as luzes apagadas, tudo o que se notava eram sombras em formatos estranhos e o aroma doce de primavera que era uma constante no seu local de trabalho, que, por acaso, também era sua residência. Ele conseguia se mover por aquele local até de olhos fechados, mas seu acompanhante certamente não, considerando o barulho de algo batendo, coisas caindo, e uma sonora interjeição de dor que se seguiu.

— Foi sem querer… – Veio a voz arrastada no escuro. Yuuri tateou com a mão até encontrar um braço, e, por consequência, uma mão, onde segurou firme.

— É só me seguir. – Ele conduziu Victor pelos corredores atulhados de plantas até o teto. Era a primeira vez que trazia alguém até ali daquela forma. Na calada da noite, como se fosse algo proibido, com uma intenção que não era nada pura, nem de longe. Os dois saíram discretamente pela lateral da festa, sem sequer lembrar ou se importar de recolher seus pertences,  pegaram um táxi ali mesmo, e foram direto para a casa de Yuuri. Victor mal conseguia manter suas mãos longe de Yuuri durante toda a corrida, e os dois riam como dois adolescentes, com aquela sensação de estar prestes a ser pego no flagra, mesmo que isso fosse impossível a essa altura.

A decisão de ir para sua casa havia sido fácil. Yuuri morava sozinho, Victor tinha um cachorro. Yuuri não estava tão bêbado a ponto de acreditar que conseguiria fazer o que quer que ele e Victor fossem fazer durante (se tudo desse certo, e ele esperava que sim) a noite toda, com um cão no recinto. Não, absolutamente não. Eles iriam para o seu apartamento pequeno e confortável, onde poderiam fazer o barulho que quisessem sem ser importunados por ninguém. Ah, isso soava tão bem na sua mente inebriada. Ele deveria ter ido embora com Mari, mas, naquele momento, essa era a última preocupação que passava pela sua cabeça.

Ele era um adulto, independente, pagador dos seus impostos perfeitamente consciente das suas escolhas, e ele queria isso. Ah, como queria.

Enquanto seguia o caminho familiar pelo escuro, com Victor em seu encalço, sentiu claramente quando ele se aproximou o suficiente para colar o corpo em suas costas, o nariz percorrendo lentamente a extensão do seu pescoço.

— Esse lugar cheira como você. Cheiro de flores. – Ele murmurou, com a voz arrastada, e Yuuri estremeceu. Victor percebeu, e pareceu receber essa reação como um incentivo para prosseguir, agarrando o corpo de Yuuri por trás, e depositando beijos lentos e suaves em toda a região, indo até a ponta da orelha. – Eu gosto. Você é tão… Ahn… Eu não lembro a palavra. Lindo. Atraente. Envolvente. Você está me deixando louco, Yuuri. Não consigo mais pensar direito. – Ele reclamou, e, ainda que toda a sucessão de elogios deixasse Yuuri perdido e sem reação, ele conseguiu rir, continuando o caminho no escuro o mais rápido que a restrição causada pelo abraço de Victor permitia.

Parou próximo a parede, tentando encontrar o interruptor que ligaria a luz do corredor, para que ao menos ficasse mais fácil se localizar ali, mas a proximidade e os beijos que Victor continuava a distribuir por toda a superfície da sua pele que ele encontrasse exposta não ajudavam a se concentrar na tarefa.

— Não sou eu, é a bebida que causa esse efeito. – Ele respondeu, tentando ao máximo não parecer tão entregue, embora fosse difícil depois de terem chegado até ali. Desistiu de encontrar o interruptor, inclinando instintivamente o pescoço, deixando Victor fazer o que quisesse ali. Um gemido abafado ameaçou sair, e ele mordeu o lábio com força.

— Desde que eu o vi dançando… Yuuri, você é tão… Ah! Eu não conseguiria desviar meus olhos nem que tentasse. Eu quero fazer você…

Yuuri não conseguiu ouvir o resto da frase, com Victor percorrendo seu corpo com as mãos ávidas, e a forma como ele conseguia friccionar o corpo dele contra o seu daquela forma. Raciocinar estava difícil, e, se ele não se esforçasse, não conseguiria nem sequer chegar ao seu apartamento, quanto mais ao quarto. Naquele momento, com a mente embaçada pelos lábios de Victor, permanecer ali mesmo na floricultura, apoiado no balcão talvez, não parecia uma ideia tão ruim.

Reunindo toda a força de vontade e o resto de bom senso que ainda clareava sua mente, ele se concentrou em qualquer coisa que não fosse o homem ao redor de si, e seguiu a  conduzi-lo pela escadaria lateral, no escuro mesmo, até o seu apartamento no segundo andar do estabelecimento. Era estranho ter alguém que não fosse ele próprio ali. Mesmo seus amigos, ou sua família, raramente o visitavam em casa – ele preferia ir até eles, e não o contrário. Sua casa era mais como um refúgio, um espaço só seu. E ele estava mesmo disposto a dividir isso com mais alguém? Alguém que havia acabado de conhecer?

— Você está bem ,Yuuri?

A voz de Victor, comedida, rouca, propositalmente baixa, vindo de algum lugar atrás de si no estreito corredor escuro, fez os pelos da nuca de Yuuri se eriçarem. Como era possível que com apenas algumas palavras ele fosse capaz de causar tal reação, Yuuri não saberia explicar.

— Sim. Sim, estou. – Yuuri abriu a porta do apartamento e puxou Victor na sua direção, sem dar qualquer tempo para ele pensar (e, por consequência, ele próprio também não teve tempo para pensar), tomando os lábios que, no decorrer daquela noite, haviam se tornado familiares a ele.

Victor não perdeu tempo. Yuuri sentiu as mãos dele, habilidosas em manusear seu violino, invadindo por baixo da sua camisa, e novamente, todos os pensamentos confusos foram varridos para algum outro lugar da sua mente. Rodeou com os braços o pescoço do homem, convenientemente mais alto do que ele próprio, e sentiu suas costas sendo pressionadas contra a parede, logo na entrada. Uma interjeição ofegante escapou dos seus lábios. Ele buscou por algo em que se apoiar, qualquer coisa que impedisse suas pernas bambas de desabar ali mesmo. Encontrou o aparador que ficava logo após a entrada, mas concentrado na urgência que os beijos de Victor arrancavam de si, derrubou o que quer que estivesse ali no chão.

Victor se afastou, mas Yuuri segurou seu rosto no lugar, procurando os lábios dele novamente.

— Desculpe… – Ele pediu, enquanto Yuuri voltava a tomá-lo para si, roçando todo seu corpo contra o dele, ao mesmo tempo em que se livrava da camisa que ainda estava usando, sabe-se lá por que razão.

— … Quarto. – Yuuri ofegou apenas, desabotoando a camisa de Victor logo depois de jogar a sua no chão. Puxou-o pela camisa aberta da direção onde sabia que seu quarto estaria, sem nunca se afastar demais. Cambaleando e no escuro, os dois conseguiram, de algum modo, chegar no cômodo.

Yuuri percorreu com a mão o corpo de Victor. Ele malha, oh meu Deus, ele é mais definido do que eu pensei, O que ele está fazendo aqui com alguém como eu?

Mais uma vez, a proximidade e os toques de Victor o distraíram dos pensamentos invasivos, enquanto ambos se rendiam um ao outro novamente, e seguiam a passos trôpegos em direção à cama no centro do quarto. Yuuri deixou-se cair, enquanto puxava Victor junto de si para cima da cama; os beijos dele se tornaram mais intensos e o calor irradiado por eles pareciam tomar todo o seu corpo. Yuuri sentiu que estava em ponto de combustão. Não aguentaria muito mais daquilo.

Sentia-se como se estivesse em um sonho, mais uma vez, naquela noite que parecia eterna. Um daqueles sonhos onde nada faz sentido mas tudo parece se encaixar, e seu corpo clamava por mais atenção, enquanto Victor experimentava toques aqui e ali, como se estivesse testando a sua capacidade de fazer Yuuri perder a sanidade ali mesmo.

Isso era real? O calor e o perfume de Victor, o resquício do champagne em seu hálito e a forma como Yuuri conseguia sentir o corpo dele com perfeição contra o seu, isso tudo não teria como ter sido forjado pela sua mente. Era tangível demais para que Yuuri pudesse duvidar.

Ele ergueu as mãos, passando da nuca para os cabelos de Victor, sentindo a textura dos fios finos correndo pelos seus dedos. Segurou com mais firmeza, sentindo Victor gemer em sua boca, mordendo seu lábio sorrateiramente, e uma onda de satisfação percorreu seu corpo. Victor estava tão inebriado e envolvido quanto ele próprio, e, naquele instante, ele teve certeza disso.

Victor sorriu contra ele, voltando a enterrar o rosto em seu pescoço, respirando fundo e cravando os lábios ali. Yuuri teve certeza de que isso deixaria uma marca, mas essa era a última das preocupações que passavam pela sua cabeça, enquanto ele sentia cada terminação nervosa do seu corpo se agitar em resposta ao que Victor fazia.

Sua mão voou com ânsia para a calça dele, desabotoando com certa dificuldade. Victor riu baixinho, tão ávido quanto ele próprio, ajudando-o a libertar-se daquele empecilho. As calças de Yuuri também sumiram em um instante. Com mais pontos de contato à mostra, Yuuri sentiu as sensações redobrando de intensidade. Ajeitou-se na cama, trazendo Victor consigo, e ele murmurou em aprovação, roçando seus quadris contra os de Yuuri, com apenas as camadas de tecido das suas roupas debaixo separando-os, e moveu-se lentamente, arrancando mais gemidos e suspiros comedidos de Yuuri, que não conseguia mais evitar que os sons saíssem da sua garganta, com aquela pressão.

Era demais para que ele pudesse aguentar, e, ao mesmo tempo, não era suficiente. Sua mente girava, puxada para várias direções, e ele sentia seus sentidos se esvaindo, à medida que se entregava às sensações que o dominavam.

 

 

Quando a consciência o alcançou, Yuuri desejou poder voltar ao estado de ignorância abençoada ocasionada pelo sono, mas não obteve sucesso. Sua cabeça latejava, protestando e fazendo com que ele lembrasse que já não tinha mais a resistência de outrora para beber e acordar bem o suficiente para querer viver.

Por breves dois segundos, Yuuri lamentou sua sorte, apesar de conformado com as consequências da sua imprudência. Mas sua parcial tranquilidade só durou dois segundos, mesmo. Logo, uma variedade de lembranças desconexas surgiram, e, quanto mais ele se esforçava para fazê-las terem algum sentido em sua mente, mais se arrependia.

Seria melhor ter bebido mais e ter amnésia alcoolica no dia seguinte.

Victor…

Ele se ergueu no susto, quando lembrou do resto, após a festa. Seu corpo doía, mas ele não ligou. A chegada turbulenta em casa, do homem que trouxera consigo, do nome que saiu dos seus lábios tantas vezes, em súplicas apaixonadas, até que sua voz se perdesse.

Ele não tinha lembranças além desse ponto. Não sabia como a noite havia terminado. Olhando por baixo do lençol que o cobria, com os olhos doloridos semi-cerrados, ele constatou que estava apenas de cueca, mesmo na luz tênue que atravessava a janela fechada e iluminava parcialmente o quarto. Conseguia distinguir a forma de roupas jogadas pelo chão, dos lençóis amassados, e o caos completo naquele quarto refletia com exatidão o estado da sua mente.

O arrependimento pesou como uma pedra nas suas costas. Ele queria voltar ao estado de inconsciência anterior, quando não fazia ideia do que havia acontecido, e podia dormir com a mente vazia, mas isso já não era mais possível, porque ele lembrava com torturantes detalhes tudo o que havia feito e dito durante seu ébrio período.

E, apesar de tudo, não havia sinal de Victor ou de sua passagem por ali. Yuuri não precisava pensar muito para deduzir o que havia acontecido ali. Ele era tão patético que doía. Havia arrastado Victor até ali, agido de forma tão leviana, e, no fim, certamente, havia pegado no sono. Victor provavelmente se decepcionou. Devia estar rindo do idiota que conheceu em uma festa e que fez um papel tão ridículo na sua frente. Foi embora, e agora, Yuuri jamais o encontraria novamente, nem para pedir desculpas pelo seu comportamento.

Talvez fosse melhor assim. Yuuri não sabia como faria para encarar aquele homem novamente, e, só em pensar nisso, sua cabeça doía ainda mais. Ele havia feito besteira, como sempre. Estava tão cansado disso que não tinha forças nem para se sentir frustrado com isso. Suspirando pesadamente, Yuuri se preparou para levantar e dar jeito na sua vida, já que não havia mais nada a ser feito ali. Afastou o lençol, bagunçou os cabelos (ainda mais), e sentou na beirada da cama, levando mais cinco minutos de semi-consciência, encarando o tapete do chão, para enfim se erguer e ir direto para o banheiro. Seus olhos ardiam, e ele lembrou, com arrependimento, que não lembrara de retirar as lentes de contato antes de dormir na noite anterior – mas quem o culparia por esquecer um detalhe desses naquela situação?

Voltando ao quarto logo depois, ele se espreguiçou, pensando no que deveria fazer para o café da manhã, apesar de não estar com a menor vontade de se esforçar para comer naquele momento. Sem vontade alguma de vestir uma roupa também (uma das vantagens de morar sozinho, certamente), seguiu para abrir a janela, consciente de que a vida não pararia apenas porque ele somara mais uma vergonha para a sua coleção embaraçosa de vexames da vida adulta. Sua única esperança era o fato de Phichit não conhecer Yuko e consequentemente, não ter sido convidado para aquela festa – de outra forma, aquele seria outro embaraçoso momento seu que estaria para sempre eternizado internet afora.

A luz que invadiu o cômodo feriu seus olhos. Yuuri olhou ao redor, reparando nas roupas espalhadas e na cama desfeita. Teria que lavar tudo aquilo o quanto antes. O bom senso impedia ele de verificar se o cheiro de Victor teria sobrevivido à noite desastrosa, impregnado nos tecidos, mas ele apostava que sim, e não queria pensar nisso agora. Foi então que ele notou algo que havia passado direto pelos seus olhos até então.

No criado-mudo, logo abaixo do relógio que ele usava como despertador. Um pedaço de papel dobrado, e uma camélia vermelha, recém colhida, que parecia ter sido tirada da floricultura do andar de baixo há pouco tempo. Seu coração saltou no peito, desacostumado há tanta agitação de repente, e Yuuri não sabia o que fazer primeiro. Tinha medo de tirar conclusões precipitadas e errar, mas era impossível não criar expectativas. Tentando ser racional, ele avançou até lá, segurando com delicadeza o pedaço de papel e a flor, como se ambos fossem se esvair e sumir diante dos seus olhos se ele não fosse cauteloso o suficiente.

Com apreensão e o nervosismo aparentes, Yuuri abriu o papel, que reconheceu como uma folha da agenda que ele deixava no aparador da sala. O aroma da flor invadiu seus sentidos também, trazendo memórias ainda mais vivas da noite anterior. A dança no casamento, os movimentos do homem que o abraçava, a voz dele em seu ouvido…

Yuuri percorreu todo o cômodo, procurando pelos seus óculos, só para encontrá-los exatamente onde havia deixado-os na noite anterior, antes de sair. Afoito, colocou-os, e voltou a se aproximar da janela aberta, para enxergar melhor. Yuuri não conhecia aquela letra, mas, mesmo sem nunca tê-la visto, sabia exatamente a quem pertencia. Longa, apressada e ligeiramente inclinada, aquela letra combinava perfeitamente com ele.

Sinto muito, Yuuri, por não ter acordado você. Estava dormindo tão tranquilamente, não quis incomodar. Espero que não se incomode, mas tomei a liberdade de passar a noite na sua casa. Nós dois caímos no sono ontem à noite, e, quando eu acordei de madrugada, percebi que não sabia como voltar para minha própria casa, e dormi com você. O café-da-manhã será por minha conta, como recompensa. É bom que haja alguma padaria aqui perto, porque eu saí à procura.

A noite passada foi mágica e especial para mim, e espero que você se sinta da mesma forma.

P.S.: Peguei seu número com a noiva ontem à noite, antes de você me encontrar. Se eu me perder na rua, ligo para você ♥

Até daqui a pouco,

Victor

Yuuri sorriu, fechando o bilhete e tocando de leve a superfície do papel com os dedos. Sentiu algo pesado florescendo em seu peito, tomando espaço, invadindo seus sentidos e tornando todo o seu redor mais vívido e brilhante num piscar de olhos. Talvez fosse esperança, o nome disso. Talvez fosse a sensação única de enfim enxergar alguém na multidão, e ser reconhecido em resposta. Algo que ele não acreditava que pudesse acontecer. Algo que sempre desejou sem nem perceber.

Novos horizontes pareciam despertar, e Yuuri sentiu o impacto de uma mudança que ele jamais imaginou que pudesse ocorrer despontando em algum lugar de um futuro incerto, mas cheio de expectativas. Algo desconhecido o chamava, e ele estava exultante em corresponder. E, pela primeira vez, talvez em toda a sua vida, ele não sentiu medo do que estava por vir.

—___________________________________

Epílogo

Victor teve que ligar para Yuuri minutos depois, pois havia realmente se perdido no caminho de volta e precisava de ajuda, apesar de só ter andando há duas quadras de distância.

Ele não sabia o que Yuuri gostava de comer, e, na dúvida, trouxe um pouco de tudo. Yuuri teve mantimentos para uma semana de cafés-da-manhã.

Victor o convidou para um primeiro encontro apropriado no mesmo dia. Uma semana depois, eles estavam namorando. Duas semanas depois, Yuuri conheceu Makkachin, o poddle de Victor, e teve certeza de que era amor eterno.

Os dois passaram a morar juntos um ano depois. Victor adorava tocar violino em meio às flores da loja de Yuuri, e era inegável que muitos clientes novos vinham apenas para vê-lo tocar, quando ele estava lá. Yuuri acreditava que a música de Victor fazia suas flores crescerem mais rápido e mais belas.

Após dois anos, o pedido de casamento foi feito. Contra todas as apostas, foi Yuuri quem comprou as alianças.

A festa estava linda. Makkachin carregou as alianças. Victor tocou uma música para Yuuri. Yuko chorou durante a cerimônia inteira, e Phichit fez o melhor discurso de padrinho da história.

E havia camélias em toda decoração.


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Notas finais do capítulo

Foi um enorme prazer, além de um desafio maravilhoso, escrever uma fic seguindo a temática proposta, e ver o trabalho pronto junto com todos os outros que se inscreveram na coleção, ainda mais considerando esse anime que entrou totalmente no meu coração ♥ com esses personagens maravilhosos!
Espero que tenham gostado tanto quanto eu me diverti escrevendo, apesar dos percalços no caminho, e não deixem de conferir o resto da coletânea, porque está maravilhosa!!
Muito obrigada a quem chegou até aqui ♥ Agradeço de coração~



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