— De volta à vida, né, amiga?

O tom agradável da voz de Marcela indicava que não havia zoação. Ao contrário, a pergunta vinha de alguém que, como ela, também era adotada e também dera suas cabeçadas.

— Começar de novo...

— A vida é um eterno recomeço. Eu apanhei muito até aprender isso! A vida ensina a gente. Tem o jeito fácil e o jeito difícil...

Bia estava feliz de estar ali na igreja, conversando com Marcela. Ao fundo, o coral de jovens dava um toque meio mágico e angelical ao ambiente. Marcela perguntou de repente:

— Quer entrar para o coral?

O olhar surpreso de Bia foi prontamente respondido:

— Eu também achava que não sabia cantar! Mas não é tão difícil não! Vem que eu te mostro!

Puxada pela mão, a acanhada Bia foi recebida com sorrisos pelo grupo. Logo estava entoando aqueles coros evangélicos, tentando de novo até entrar no tom. Não era tão difícil, como Marcela dissera, e o tempo fluiu agradável pela tarde. Ao violão, Cláudio olhava para ela com certa insistência. Aquele mesmo Cláudio com quem ela tentara um flerte antes de fugir com André. Agora Bia sentia vergonha, e não ousou olhar de volta. Quando o grupo se desfez, Marcela apresentou-lhe um garoto.

— Esse é o Luís, meu namorado!

Ora veja, pensou Bia, então igreja também era um lugar para se namorar! Ficou mirando com inveja a beleza do namorado da amiga, que com ele conversava animadamente entre um beijo e outro. Sentiu-se meio deslocada. Cláudio ainda estava por perto. Resolveu dar papo a ele.

— Você é muito bonita, sabia?

Bia riu sem jeito diante daquele galanteio tão comportado, ela que já havia feito de tudo com quem não valia nada. Mas agora estava vendo em Cláudio uma coisa que não via antes.

— Você é bonito também, sabia?

Não estava mentindo. Só agora notava o quanto Cláudio era mesmo bonitinho. Sentiu até um arrepio quando ele pegou em sua mão, como se estivesse diante de seu primeiro namoradinho.

— Quer ir comigo na festa do clube federal esse sábado?

O coração de Bia bateu mais forte, mas logo em seguida o ridículo da situação caiu em cheio sobre ela. Como podia namorar assim, com tanta candura, depois de tudo o que fizera? Lembrou-se da mãe, e respondeu:

— Eu queria, mas... minha mãe não vai deixar... ela só está me deixando eu vir aqui na igreja...

Bia baixou os olhos de vergonha, ciente de que Cláudio sabia de tudo o que acontecera tão bem quanto qualquer outro colega. Será que ele queria se aproveitar dela? Não, não era possível, não o Cláudio.

— Eu falo com a minha mãe, e ela fala com a sua! - Disse Marcela, que havia escutado a conversa.

A cabeça de Bia vagava como um barquinho de papel. Cláudio, Marcela e Luís olhavam para ela solidários e confiantes que iam dar solução.

— Amanhã eu passo na sua casa e converso com a sua mãe!