Sobre trilhos escrita por Queen Vee


Capítulo 1
nos trilhos


Notas iniciais do capítulo

bem-vindos ao nosso programa rotineiro:
fanfic curta escrita em 50 minutos + postagem impulsiva
acho que ninguém lê essas coisas
mas pelo menos posso dizer que escrevi algo

ah, sim
e feliz aniversário pra um dos fodidos que inspirou isso
por favor, menos áudios e mais amor
E PAREM DE TERMINAR SE É PRA VOLTAR

✿ aprecie este demônio ✿



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Quando terminamos a primeira vez, foi como minha vida tivesse saído do trilho.

Sempre achei que ele fosse bom demais pra mim, desde o início. No momento em que ele entrou pela porta da sala de aula, nas vezes em que eu o vi pelos corredores, quando tivemos nossos primeiros diálogos e mesmo durante aqueles longos meses de paixão unilateral a qual eu chamava “amizade”. No dia em que, casualmente como foi, decidimos que o título agora seria “namorados”, achei que estivesse em um reality show.

Tinha consciência que não tinha nada de saudável em venerar seu parceiro como eu o venerava. Minha psicóloga até comentava, às vezes — entretanto, só nos víamos uma vez por mês. Nesse período de trinta dias, tinha tempo o suficiente para fazer merda sem ninguém pra me dar um sacode, e tudo por culpa do sistema de saúde pública.

Nos meses que estávamos juntos, parecia o céu. Ele me amava, eu o amava, a gente ria, saía, se beijava, jogava RPG na mesma mesa e tudo me fazia acreditar que ficaríamos assim pro resto da vida. Ele me fazia esquecer do quão eu me achava idiota, e tudo que passava pela minha mente era como era bom estar com ele.

Eu poderia assistir ele falar por horas, se ele não estivesse sempre me lembrando que precisava responder para existir um diálogo. Seu jeito entusiasta de falar de tudo, como até quando ele tropeçava numa pedra, xingava a burguesia e o capitalismo, e como parecia que a cada dois meses ele precisava mudar o cabelo.

— Se meu cabelo continuar vermelho nos próximos dois meses, considere que estou morto. — Ele disse, e eu só ri.

Mas nós terminamos.

Terminamos, e passei pouco mais de um mês me perguntando se aquilo foi a coisa certa. Ele merecia coisa melhor. Merecia alguém que não parecesse um robô em pane, anunciando sua ansiedade pelo barulho constrangedor das juntas sem óleo. Alguém que conseguisse acompanhar seu ritmo. Alguém que usasse metáforas melhores, sei lá.

Mas nós voltamos.

Voltamos, e eu me senti o cara mais feliz do mundo. Queria preservar aquele relacionamento como uma joia, um tesouro. Um raio não cai duas vezes no mesmo lugar, e um cara como eu não tinha uma chance de namorar alguém como ele todo dia.

No entanto, eles caem. Os raios caem duas vezes no mesmo lugar.

Parecíamos ainda mais apaixonados que na primeira vez. Ele ia na minha casa me ver sempre que podia, e meus pais até gostavam dele! A gente saía, chutava pedras e xingávamos a burguesia e o capitalismo juntos. Certa noite, me lembro, até voltamos bêbados pra lá pra casa e minha mãe tomou conta da gente.

Era pra valer, dessa vez. Eu tinha certeza que sim, e me entreguei àquilo. Nós fizemos amor algumas vezes. Dormíamos abraçados, cansados, e eu só conseguia encarar o teto e pensar em como era sortudo de estar ali, do ladinho dele. Eu, que era só eu. E ele, que era todo ele, 100% ele. Matéria-prima pura, orgânica, vegan e não testada em animais.

E, antes que me desse conta, terminamos outra vez. Era como se meu cérebro entrasse no piloto-automático, e eu não soubesse mais como comandá-lo. Quando dava por mim, minha insegurança já tinha tomado conta, e ele estava magoado. Estava ferido.

Céus, como doía. O mundo já o machucava tanto… E eu, um tonto, fazia o favor de machucá-lo ainda mais. Ele não precisava de mim. Nunca precisou. Ele era bom demais, e indefeso demais. Tudo é um lixo, tudo é uma merda — mas ele é bom.

Ele é bom, e eu não.

Hoje, não tenho mais certeza de há quanto tempo estamos nesse ciclo vicioso. Pelas minhas contas, ele mudou de cabelos umas três, quatro vezes. O raio caiu no mesmo lugar algumas vezes, e não sei mais quantas. E nós voltamos, e já não tenho certeza se vai ser pra sempre, ou se vamos terminar outra vez.

Talvez minha vida nunca tenha estado no trilho, pra começo de conversa.

Talvez nosso amor não saiba andar em trilhos.

Talvez seja tolice forçar que isso tudo passe por vias ferroviárias. Aqui, em Salvador, o governador e o prefeito já provaram que não dá certo. Pra onde vamos? Em que estação a gente para? E, quando parar, será que volta de novo?

Minha cabeça gira, movida a uns goles de bebida, e só consigo deixar meu olhar vagar pela cidade enquanto o metrô corre por cima do trânsito. Fico ali, quieto, remoendo todo aquele percurso turvo.

No entanto, sinto sua mão pequena contra a minha, e sua cabeça repousada sobre meu ombro. Fico ali, no limbo da consciência pós-vinho barato, me perguntando se algum dia vamos voltar pros trilhos.

Ou, no mínimo, se um dia vamos acertar em que estação parar.

Parar pra valer. Sem doer. Sem unilateralidade.

— Estação da Lapa! Acesso ao terminal de ônibus, e última estação da Linha 1.

Respiro fundo, e aperto sua mão.

— Recomendamos aos passageiros que desçam nessa estação.

E descemos.


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Notas finais do capítulo

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;)