Tudo o que eu Peço escrita por Owl KodS


Capítulo 1
Capítulo 1




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Era noite fechada, muito além do toque de recolher, mas ela já estava tão acostumada que a cidade se estendia como um mapa em sua mente, cada um dos pontos vigiados parecia brilhar e ela conhecia as alternativas.

Seu destino era o outro lado da cidade. Ela preferia pegar seu carro é claro, se ele não estivesse destruído, é claro. Logo seus pais começariam a fazer perguntas e ela não queria responder. Poderia pegar sua bicicleta, mas a noite parecia boa o suficiente para uma caminhada e além do mais ela precisava pensar.

Melissa tinha as mãos nos bolsos quando começou a chover, nos fones tocava algo que mal registrava, foi quando a chuva começou. Apenas uma garoa fina, molhando seu cabelo recém cortado, ainda chamuscado em algumas partes.

Ergueu a cabeça sem pensar muito. Queria sentir as gotas frias sobre seu rosto, talvez aquilo lhe desse coragem de dizer o que precisava, afinal nunca havia sido boa com palavras e menos ainda com seus sentimentos e agora precisava encarar os dois.

Era estranho estar lá depois de tudo. Ela ainda sentia as marcas. O gato não estava na rua e provavelmente não estaria em casa também. Ela sabia que lá dentro haveria um vegetal. Aquelas coisas eram culpas dela, ela havia tentado protege-lo e perdeu o controle.

Foi olhando para a fachada decrépita, as marcas ali eram piores e não apenas pela grama amarelada ou pelo cadilac cor de rosa da Mary Key, mas pelas aranhas, pelas ameaças, pela arma carregada e pela dor de um cérebro destruído.

Por sorte Melissa não precisou entrar. Ele vinha em sua direção, o casaco longo arrastando pelo gramado e a pele pálida contrastando com a escuridão, como um fantasma. Ele não precisava mais de seus óculos e ela não precisava mais de seus fones, mesmo que nunca tivessem sido necessários entre eles.

Ela os retirou devagar. Os olhos negros encarando os dela com uma intensidade nova, muitas coisas eram novas naquele momento, os cabelos cortados curtos dele já não cobriam o rosto e os olhos de ébano já não tinham a moldura grossa das lentes dos óculos e uma escuridão além do normal emanava, mesmo que mais controlada agora.

A chuva aumentou, derrubando o topete curto que desde que crescera não descia por nada. Ele sempre ficava bonito naquela luz etérea da chuva. Eles não falavam nada um para o outro, sabiam o que viria e a cabeça era uma bagunça sem fim.

Ele se aproximou alguns passos de Melissa que não recuou. Nunca suportara a ideia de alguém lhe tocar, mas agora era tudo tão diferente e afinal era ele que a envolvia em seus braços com o casaco molhado pela chuva, as lágrimas correram pela face pálida até encontrar o tecido negro.

Se afastaram novamente. Tudo já havia sido dito, ele precisava ficar e cuidar da vida que ela deixava para trás, dos erros com os quais ela não conseguia lidar.  Ele não iria jogar nada em sua cara e ela não precisava disso, mas todo o medo de seguir em frente os consumia. E se ela nunca mais pudesse se sentir daquela forma com outra pessoa? Se nunca mais pudesse confiar?

Quando se deu conta novamente já tinha os lábios colados ao deles, a chuva caia torrencialmente agora e as lágrimas traçavam o caminho por seu rosto, enquanto a escuridão dele a invadia pela última vez, se derramando por todos os poros. Tomando seu corpo daquela forma que só poderia acontecer entre eles.

Mas haviam mudanças demais entre eles e todas eram irreversíveis.

Você poderia ficar”. Eram palavras dispersas na chuva e nem havia a certeza de terem sido ditas. Ela não se deu ao trabalho de responder. Ele a conhecia o suficiente para saber que isso não era uma opção válida.

Ele havia lhe dado muito, uma porção de sensações e o controle sobre si mesma, mas agora precisava partir. “por favor, pare de me pedir para ficar.” Ela já havia dado aquela resposta, não poderia viver naquele mundo, não daquela forma. Toda a sua vida fora uma forma de sobreviver e agora ela queria viver.

— Você não precisa estar lá amanhã – foi tudo o que disse, já de costas para ele. – Você sabe, eu não acho que vá conseguir se você estiver lá.

— É assim que acaba? – ele perguntou. Entendia todas as circunstancias, mas era impossível não se assustar com a tragédia que tudo havia se tornado.

— São os nossos lugares – não havia mais nada a ser dito.

Ela se afastou, andando de costas para a rua. Encarando a sua felicidade, seu maior ami e a única pessoa que amou ficar para a trás.

A luz azul cobriu a pequena cidade congelando as gosta de chuva no ar e ela continuou caminhando, abandonando ele para sempre naquela solidão que sempre compartilharam e que muito tempo só eles compartilhavam.

Perdido naquela hora secreta.

Para sempre no limiar de sua escuridão.


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