Sob o Sol

Desde pequeno, Sirius achava o ''quase'' uma palavrinha cruel e, há 100 quilômetros de Hogsmead, mais do que nunca.

O fugitivo tinha, agora, acabado de atravessar os limites da região metropolitana de Dumfries e se encontrava com as patas afundadas até a metade na grama fofa que crescia por ali. Suspirando de cansaço, deixou o corpo tombar.

Fazia um dia espetacularmente agradável de verão, com uma temperatura razoável e uma brisa fresca e cálida, só o suficiente para não deixar a temperatura se elevar demais. Era um dia perfeito para fazer qualquer coisa; menos ser um foragido procurado pela justiça bruxa.

Rolou para ficar de barriga para cima e olhou para o enorme céu nu que se estendia acima de sua cabeça. Fazia tanto tempo que não parava unicamente para fazer isso!

Mesmo descontando os doze anos que gastara em uma cela escura e fria, Sirius notou que mal parara para olhar para o céu nos dois que meses em que estivera em liberdade, tão ocupado estava em satisfazer suas necessidades básicas e manter seus sistemas funcionando.

Não que estivesse satisfeito, é claro; fome, sede e cansaço eram sentimentos constantes em seus dias desde antes de sua fuga da prisão. Aquele era, percebeu, o primeiro momento em que se permitia fechar os olhos e relaxar totalmente, sem se preocupar se estava sendo vigiado ou não.

De repente, sentiu suas patas se encostarem cada vez mais no chão quente, coisa que não deveria ser possível por questões anatômicas. Abriu os olhos preguiçosamente e analisou seu corpo: Sua estrutura estava anormalmente alongada e os pêlos estavam falhos em vários pontos, deixando a pele praticamente nua, e suas patas já tinham pés com unhas humanas na ponta.

Instintivamente, o foragido tentou interromper a transformação, mas então... Quem estaria ali, naquele meio do nada, para olhá-lo?

Voltando a fechar os olhos, Sirius deixou que a transformação se completasse.

O homem se lembrou de seus tempos de Hogwarts, quando podia se deitar sob o sol sem qualquer preocupação ou medo de ser apanhado e mandado de volta para um lugar que era reconhecidamente o inferno. Há! Imagine só, naquela época ele nem sabia dizer exatamente como funcionava Azkaban!

Naqueles anos, ele não só podia contar com segurança, como podia também contar com a companhia descontraída e (naquela época, ele tinha certeza) fiel de seus amigos, aos quais ele mesmo apelidara como os Marotos. Sirius tinha toda uma coleção de memórias em que ele os amigos se esticavam embaixo da ''árvore de sempre'' para fazer a lição de casa, trabalhar em qualquer coisa ''nobre'' que estivessem planejando fazer ou simplesmente para conversar.

Aquela era, verdadeiramente, a época da inocência.

Era o tempo sem preconceitos, sem medo, sem insegurança, sem preocupações, o tempo em que ele ainda era capaz de sentir orgulho de sua coragem, de sua teimosia, de seu humor. Mas mudara, é claro, todos eles mudaram.

Tiago foi assassinado antes de completar 30 anos; Peter se tornou um traidor, falsificou a própria morte e viveu doze anos como um rato de estimação; Remo... Sirius não sabia nada sobre Remo, mas, pelo curto encontro que tivera com ele na estação londrina, não supunha que ele tivesse tive anos lá muito tranquilos; e Sirius... Ora, Sirius apenas passara doze anos no inferno com o demônio, só isso.

 O moreno suspirou e abriu os olhos; de repente, o céu lhe pareceu melancólico demais. Levantou-se, uma hora ou outra tinha que voltar para a realidade. Percebeu que estava completamente nu e olhou preguiçosamente para a vasta paisagem verde, apenas uma precaução costumeira antes de se transformar, e viu uma senhora vestida de forma simples o encarando fixamente.

- Que bom – Murmurou Sirius para si mesmo, quando a mulher arregalou os olhos para ele e correu para longe, olhando em sua direção o tempo todo. – Com a minha sorte, ela me reconheceu e vai avisar o ministério que eu passei por aqui.

Quando ela estava devidamente afastada, Sirius deu uma última olhadela para cima e voltou à forma canina, correndo para longe dali logo em seguida.