O Escriba e a Princesa escrita por Maryusuke


Capítulo 2
Maior que o Sol




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Ah, eu me esqueci de me apresentar. Meu nome é Masud, muito prazer. Sei que você deve estar querendo que eu conte logo como eu causei a destruição do Egito e tudo o mais. Mas calma, eu prefiro começar um pouco mais antes que isso. Até porque eu não gosto de lembrar desse fato terrível. Acho que ninguém gosta de lembrar das burrices que fez. Tá legal, não foi a primeira que eu fiz mas vou deixar esta pra mais tarde.

Meu pai era um escriba e dos bons (pelo menos era o que eu vivia escutando dele). Um escriba é alguém que domina a arte da escrita e leitura. Anotava receitas, ocorrências, ordens do rei e o que mais fosse preciso, E quanto melhor nessa função um egípcio fosse mais prestigiado ele era, como no caso do meu pai. Todos do alto e do baixo Egito já ouviram falar de Ishaq, o escriba real. O próprio faraó dizia inúmeros elogios ao meu pai pela sua eficiência na escrita. Pelos menos era o que ele me dizia em casa. Em Tebas, a capital do reino e onde morávamos, a fama de meu pai era maior ainda. E como ele estava nas graças do rei a gente até que tinha uma vida boa. Eu me lembro pouco mas acho que fui uma criança feliz, até os seis anos quando descobri que minha mãe morreu ao me dar à luz.

— Nem o deus Bes pode salva-la meu filho. Era seu destino. – dizia meu pai.

Quando eu perguntei, ele disse que Bes era o deus que protegia as mulheres na hora do parto. Devia estar de folga no dia em que eu nasci. Meu pai até pode parecer uma pessoa gentil e pacifico tentando me consolar. Mas na verdade ele muito frio e competitivo quando o assunto era a arte de escrever hieróglifos. Ele queria ser o melhor escriba da história do Egito e seu trabalho se tornou sua obsessão. E foi ai que minha curta vida boa começou a ficar ruim.

Meu pai me colocou na escola de escribas. Ele queria que eu seguisse os mesmos passos que ele e me tornasse um escriba real. Dizia que era melhor do que ser soldado ou trabalhar em obras. Talvez ele tivesse razão. Na época eu tinha dez anos, e ao contrário dos outros garotos que começavam a desenvolver o corpo e ficarem mais fortes eu era magrelo demais e para completar minha cabeça raspada era muito grande.  Se eu fosse um soldado ou trabalhasse em obrar iria morrer facilmente, eu pensava. Mas eu queria ser outra coisa.

— Eu quero ser pintor, pai. Quero pintar as paredes dos templos. – eu disse.

— Não. – ele disse. E só com uma palavra eu deixei meu sonho para trás. E assim eu comecei a frequentar a escola de escribas.

No começo eu até achei que iria ser legal, porque eu ia conhecer outros garotos. Não entendia porque só homens podiam ser escribas. Na verdade, nem hoje entendo direito. Como meu pai era o escriba real a gente morava dentro do palácio do faraó (que era bem grande). Mas lá não tinha outras crianças da minha idade. Meu pai não deixava eu sair do palácio porque, dizia ele, não queria que eu me misturasse com a classe baixa. Então como a escola de escribas era em um pequeno templo em outra parte de Tebas eu tinha a chance de ver como era a cidade enquanto caminhava até lá. Infelizmente eu não podia ir e voltar sozinho. Um soldado do palácio, Bomani, me levava e depois me buscava. Meu pai era muito ocupado com os serviços reais, dizia ele. Mas eu descobri que Bomani era uma pessoa legal e deixava eu dar umas voltas em outras partes da cidade contanto que eu voltasse ao templo escriba em tempo dele me buscar.

— Vê se não se perde e esteja aqui na hora que combinamos. – dizia ele.

E foi assim que eu comecei a ter noção de como o Egito era incrível. Que dizer, pelo menos em Tebas. No Egito todo existem quarenta e duas sepats, ou cidades se preferir. E cada uma tinha um líder nomeado pelo próprio faraó. Também haviam templos para os deuses locais. Eu nunca fui pra outra cidade naquela idade, mas depois de adulta tive essa chance e, sinceramente falando, Tebas era mesmo a mais bela de todo o Egito. A capital do reino tinha tudo do bom e do melhor. As pessoas vestiam roupas de linho da melhor qualidade, havia um imenso mercado numa grande rua onde se podia comprar uma diversidade de coisas, como frutas, peixes, animais, joias, roupas. Na praça central da cidade era aonde as pessoas iam para passar o tempo. E ela era magnifica. Havia enormes estatuas e esfinges ao redor dela e uma enorme pira bem no centro que vivia acesa dia e noite. Mas o que eu mais gostava de visitar eram os templos da cidade. Eles eram enormes e suas paredes repletas de pinturas de várias coisas. A maioria eram dos deuses e outras sobre fatos que aconteceram no passado, como guerras e construções. Cada vez que eu via essas paredes minha vontade de ser pintor só aumentava. E cada vez menos eu queria ser escriba. Descobri isso logo no primeiro dia de aula.

O templo escriba onde meu pai me matriculou não era grande ou bonito como os outros na cidade. Era mais parecido com uma casa egípcia um pouco maior e feita com grandes tijolos. Logo na entrada havia um desenho de Toth numa parede. Ele era o deus da sabedoria, criador da escrita e protetor dos escribas. Na pintura ele tinha corpo humano e cabeça de íbis, como era a forma mais comum dele, e ele escrevia num pedaço de papiro. Eu estava tão concentrado naquela pintura que não reparei no velho homem que estava do meu lado, até ele falar:

— Está atrasado, jovem.

Eu me virei na direção dele com o susto. A cara do senhor era de impaciência. Ele parecia ter uma idade avançada porque a pele era bem enrugada o que deixava a expressão de nervoso mais nítida ainda.

— Desculpe senhor. É que eu moro do outro lado da cidade. – tentei explicar.

— Sim, você deve ser o filho de Ishaq, o escriba real. Ele falou para mim que você poderia se atrasar algumas vezes, mas nunca pensei que seria logo no primeiro dia de aula.

— Desculpe...

O homem suspirou e deu meia volta.

— Siga-me. – Ele começou a andar em paços largos. Eu tive que correr para alcança-lo. Apesar de parecer muito velho ele tinha bastante energia, eu pensei. – Eu sou o grão-mestre dos escribas desta escola. Me chamo Hanif.

— Meu nome é Masud. - Hanif continuou a andar e falar como se não tivesse me escutado.

— Saiba que a arte da escrita não é para qualquer pessoa. Só os mais habilidosos e persistentes conseguem aprende-la. E saiba que são poucos os que conseguem chegar até o fim.

Enquanto andávamos pelo pátio da escola eu percebi que por dentro era bem maior do que parecia por fora. Havia várias casas espalhadas de forma organizada e passando pela porta de algumas delas eu via uma turma de garotos sentado com papiros e pinceis na mão anotando tudo o que um homem na frente deles escrevia em um grande papiro na parede.

— Me diga garoto, você já tem alguma habilidade ou conhecimento da escrita? – perguntou Hanif - Aposto que sendo filho de um escriba real já deve saber de alguma coisa.

— Na verdade não, senhor. Eu nunca tentei escrever nada. Eu passava a maior parte do tempo pitando coisas... – Eu respondi e já esperava uma resposta de decepção do grão-mestre.

— Hum, interessante. Eu aprecio muito a arte da pintura. Ela é de certo modo parecida com a da escrita.

— Serio mesmo? – essa informação me deixou animado em um segundo.

— Claro que sim. Existem muitas similaridades da pintura e escrita, isso você vai saber melhor nas aulas. Ah, ali está sua sala

De repente eu fiquei super entusiasmado. Naquele momento pensei que meu sonho de ser pintor não estava tão perdido assim. Então chegamos até a porta da sala e a mesma cena que vi nas outras apareceu. Só que dessa vez todos os alunos e o mestre olhavam para mim.

— Sabe, acho que vou gostar mesmo dessas aulas. – eu disse ao gão-mestre.

— Isso é ótimo. – ele então falou para a turma toda ali na porta mesmo. – Este rapaz se chama Masud. Apesar do atraso ele também será colega de vocês.

De repente um dos garotos apontou pra mim.

— Olha o tamanho dessa cabeça. É maior que o próprio deus-sol. – De repente a todos os alunos começaram a gargalhar.

— Mestre Hanif - chamei baixinho.

— Sim jovem?

— Esquece o que eu disse.


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Notas finais do capítulo

E ai, pessoal. Estão gostando? =D



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