Vitória Régia escrita por ImmailJeevas


Capítulo 1
Primeiro




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Dentro da estufa; onde as pequenas plantinhas trepadeiras cresciam por cima das pilastras cor de mármore e as flores multicoloridas adornavam as prateleiras de ferro, Maria Teresa se esforçava em entender os fungos que matavam suas goiabeiras. Enquanto bufava e fazia caretas para a goiaba estragada, não notou a porta ser aberta devagar.

—Se soprar um vento sul, você vai ficar com essa cara feia pra sempre. -sussurrou.

—Acho melhor sair, se não quiser que essa cara feia seja a última coisa que veja.

—Uau, temos uma nervosinha aqui?

—O que você quer, Gabriel? -rendeu-se rindo, enquanto se virava para encarar o namorado.

—Atenção. É só o que eu venho querendo nos últimos quatro dias. -resmungou, segurando-a pela cintura.

—Tudo bem, bocózinho, eu vou te dar atenção.

Teresa enroscou as mãos nos cabelos escuros de Gabriel, ao tempo em que o garoto a puxava para um beijo divertido. Riam entre um selo e outro e olhavam-se com ternura. Maria Teresa tinha em seus braços o amor de sua vida e isso a fazia sentir as borboletas darem piruetas em seu estômago.

—Teresa, ouviu isso?

—Hm? Isso o que?

—Parece uma risada.

—Não foi você?

—Minha risada não é assim. -franziu o cenho. -Parece de criança.

Pararam por um momento, atentando-se ao barulho. Quase cansada de esperar um som que mais parecia coisa de sua cabeça, Teresa a ouviu. Uma risada estridente, de criança que zomba de algo. Uma piada.

—Que merda é essa? -assustou-se.

—Vem do pomar.

Gabriel saiu da estufa com Teresa em sua cola, andaram por entre as árvores de goiaba, laranja, as mangueiras e os pequenos pés de limão. Nada. Maria agarrou-se a um galho da jabuticabeira que quase não a aguentou. Seu riso fácil sumiu de repente, um bolo se formou em sua garganta ao mesmo tempo que olhava para a pegada na terra. Um pé. Só um, por todo o caminho.

—Será que... Se machucou? -perguntou, analisando a única pegada.

—Esse cheiro.

—Cheiro de que, Teresa?

—De fumo.

E de novo ouviram a risada que ressoou por toda a plantação, aumentando o ritmo das batidas do coração da garota, que ao se soltar da árvore, notou que segurava uma semente. Semente de guaraná. E quase podia sentir sua alma ser observada.


~<>~


—Escola Vitória Régia? -perguntou.

—É uma escola de magia! Que surpresa! Você foi chamada! -sorriu o avô de Teresa, calmo.

—Chamada pra que, Vô? Que história é essa de magia?

—Nossa família vem de uma longa linhagem de índios bruxos, somos de um sangue puríssimo e você é uma de nós, assim como seu bisavô e seu tio. -respondeu sua avó, animada.

—Minha mãe é uma bruxa?

—Não, querida. Até você, apenas os homens da família nasceram bruxos. -respondeu a senhora.

—E o senhor, vô?

—A magia passa por todos os homens da família, Tetê. -sorriu. -Está em você! Como não esteve em sua mãe, e ela ainda se casou com um não bruxo, nós imaginamos que não viria em seus filhos. Mas veio em você. A única filha, uma mulher. É a primeira vez que isso acontece.

—M-mas, eu não quero ser bruxa.

—Você não tem que querer ser, Teresa, você não escolhe. -responderam, compassivos.

—E essa escola, o que eu faço?

—Vai lá estudar, mas é claro! Gabriel vai adorar ir conosco comprar os materiais.

—Gabriel! Ele sabe?

—Os familiares dele vêm sendo nossos amigos e protetores não bruxos à três séculos, eu tenho certeza que ele reagirá bem a notícia.

—Melhor do que eu, provavelmente, não é?


Nos próximos dias, a vida de Maria Teresa haveria de girar em torno de sua entrada no tal colégio de magia. Cuidando para que as coisas chegassem a tempo, seus avós corriam com os trabalhos do pomar, assim estariam prontos para acompanha-la na compra dos materiais escolares, contudo, houve um atraso na encomenda de árvores e sementes, então a plantação não ficaria pronta, por isso, coube a Gabriel a função de levar a namorada ao centro.


—Fica no Mercado Ver-O-Peso?

—A sorte é que é perto. Sua avó disse que em cada estado tem um desses. -sorriu. -A 25 de março em São Paulo, soube que no Espírito Santo fica no meio de uma ilha; você entra em Vitoria, compra as coisas e já vai de barco pra escola.

—Não parecem lugares seguros para comprar materiais de uma escola de magia.

—Ah, mas pra isso tem um segredo.


Gabriel sorria sem parar enquanto dirigia até onde deveriam entrar, o mercado estava cheio e difícil de estacionar. Saindo do carro, os dois quase se perderam no meio daquela gente vendendo e comprando, os olhos de Teresa brilharam para todos aqueles temperos e comidas cheirosas, estava quase parando em uma barraquinha de pimentas, quando Gabriel a puxou para um beco escuro.

—Hey, o que é? -o olhou assustada.

—Isso vai ser divertido. -riu, enquanto tirava a semente de guaraná do bolso.

—Quando você pegou isso?

—Ok, eu não tenho certeza se é assim. -fez bico, enquanto se concentrava em pisar na semente que havia jogado no chão.

—Gabriel! O que é–

Engasgou-se ao ser interrompida pelo chão abrindo, um buraco grande o suficiente para passar uma cama de solteiro. Escadas em caracol levavam a um lugar escuro no subsolo. Começaram a descer. A cada passo o buraco se fechava sobre suas cabeças e a frente ficava mais clara, como se estivessem sob mais um sol. Talvez dois.

Calor. Teresa nunca havia estado em um lugar tão quente, e ela morava no Norte do Brasil.

—Parece uma estufa. -reclamou.

—Sim, acho que é pra manter tudo em qualidade. É bem úmido também.

—Como uma floresta.

—Sim!

Andaram mais um pouco até uma loja toda de vidro, com teto pontiagudo como as casas europeias. Das janelas podiam ver galhos saindo de todos os móveis, como um grande viveiro. Entraram, Teresa ainda estava um pouco receosa, mas não conseguia conter sua curiosidade para tantos tipos de madeiras raras.

—Como eles têm essas coisas? É proibido cortar esse tipo de árvore.

—Magia, Teresa, magia!

Com o cenho franzido e meio desacreditada do que via, Maria Teresa acompanhou Gabriel loja a dentro. O lugar parecia vazio e abandonado, as raízes cresciam sem limites entres os móveis e frestas, os dois quase tropeçavam no caminho até um balcão meio escondido entre as folhas.

Gabriel se adiantou, olhando atrás do móvel.

—Tem alguém em casa? -perguntou, tocando o sino dourado que estava por sobre a mesa.

—Boa tarde, jovens bruxos!

Teresa assustou-se com o barulho repentino, virou de costas a pode notar uma pequena porta, quase invisível, por onde o velho dono da loja havia saído. O senhor tinha olhos caídos e coluna curvada, usava calças jeans e camisa xadrez de lenhador, seu sorriso era contagiante. As roupas modernas faziam contraste com as rugas e olheiras, mas a animação que demonstrava aquecia o coração da garota.

—Boa tarde! -sorriu. -Eu sou Gabriel, viemos comprar uma varinha para ela. -apontou.

—E para você?

—Eu não sou bruxo. -respondeu, ainda sorrindo.

—Muito bem. -encaminhou-se para o balcão e encarou Maria Teresa por alguns segundos. -Sabe, jovenzinha, dizem que uma varinha deve escolher seu dono, mas aqui, o dono é quem faz sua varinha. Por favor, coloque as mãos no bolso.

Ainda nervosa, Teresa fez o que lhe era pedido. Nos dois bolsos da bermuda nada havia, olhou para o velho que ainda a sorria, esperando alguma coisa. Crispou os lábios e desamarrou o casaco que tinha costume em levar na cintura, colocou a mão no bolso e tirou uma pequena semente de girassol.

—Perfeito! Uma varinha de flor, meus parabéns!

—Minha varinha é uma semente?

—Não, não, meu bem, sua varinha é o que essa semente vai virar.

—Mas, girassol? Como é?

—Plante a semente, querida. -respondeu, entregando-a um pequeno vaso vermelho, cheio de terra úmida.

Sem entender aonde tudo aquilo levaria, Maria Teresa colocou a semente no vaso, tampou com mais terra e esperou.

Nada.

—Você precisa colocar mais amor nisso, querida, sua varinha é parte de você.

Teresa cerrou os olhos e tentou novamente, desenterrou a semente e a plantou de novo, tomando cuidado para passar todo o sentimento que tinha, como fazia com as árvores de seu pomar. Aos poucos, via nascer pequenas folhas, caule e a flor de girassol aparecia debaixo de seus olhos. Como mágica.

Sorriu ao notar que o caule não havia crescido mais do que trinta centímetros, olhou o dono da loja, que sorria para a planta recém nascida.

—Vamos colhê-la agora. Faça as honras.

Tereza tirou as raízes da terra e quanto mais forte segurava, mais firme se tornava o caule. Fino e pesado, verde com pequenas flores de girassol para enfeite. Uma coisa tão bonita quanto impossível.

—Varinhas de flores são raras, costumam ser confortáveis e poderosas, porém muito frágeis, cuidado, querida, não vai querer quebra-la.

Sorrindo, Gabriel pagou pela varinha e os dois saíram da loja para comprar o que faltava. De uniformes a livros escolares com nomes esquisitos, Maria Teresa comprou tudo o que precisaria apenas com algumas sementes aleatórias, não sabia que esse tipo de comércio existia, mas parecia ser muito comum onde estavam. Após terminarem o que tinha para fazer, voltaram para casa a fim de descansar durante o último dia da garota. Na manhã seguinte partiria de barco para o centro da floresta, estava ansiosa, mesmo que assustada com tantas novidades em tão pouco tempo.

—Quer fazer alguma coisa antes de ir pra casa, Teresa?

—Eu não sei mais o que quero fazer, tenho medo de tomar um sorvete e descobrir que é feito por duendes.

Gabriel riu e largou uma das mãos do volante para bagunçar o cabelo da namorada.

—Relaxa, vai dar tudo certo, você vai se divertir muito, eu tenho certeza.

—Por que você está mais ansioso que eu? Quer se livrar de mim?

Gabriel engasgou com a própria saliva e quase perdeu o controle do carro, o que, obviamente não passou despercebido por Teresa, que o encarou esperando uma resposta.

—É claro que não, Teresa. Que pergunta! -exclamou, recuperando-se do susto. -Eu só não quero falar sobre isso, eu não gosto de ficar me lamentando, você vai ficar longe e isso dói, mas eu não posso te impedir, então é melhor me divertir com você.

—Acontece que eu pareço ser a única que não está se divertindo! -gritou, batendo os punhos no porta-luvas.

—Mas vai, você só precisa ter calma, ainda não se acostumou, apenas isso.

Maria Teresa suspirou, notando que aquela frase era o que faltava para que o assunto estivesse encerrado. Pela milésima vez desde que recebeu seu chamado, Teresa havia perdido a oportunidade de dizer o quanto não estava satisfeita com tudo aquilo.




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