Negativo escrita por Milk


Capítulo 1
Capítulo único - não precisa de mais


Notas iniciais do capítulo

One-shot escrita com muito, muito amor mesmo ♥



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Sasuke

Fazia pelo menos uma hora que eu estava ali, no banco de pedra do jardim frontal da maternidade esperando alguma coisa. Eu não sabia o que era que estava esperando, mas com certeza tinha que fazer algo e estava atrasado.

Meu vício fez-me refém no desespero. Um maço não bastou, precisei de dois. O segundo já estava na metade, mas não bastava. Onde foi que eu perdi a habilidade de me entorpecer? Lembro-me dos primeiros tragos que tiravam meus pés do chão. Um simples rolo de fumo abaixava toda a agressividade que tinha, me dava motivos para relevar coisas triviais e aproveitar o torpor e a calma na minha conturbada adolescência. Onde eu perdi isso? Não encontrava em lugar nenhum. Quanto mais eu fumava, mas me exauria do cheiro, do gosto e da frustração por não estar funcionando. Eu precisava morrer por alguns segundos, alguns segundos, para poder viver novamente. Ter força.

A fumaça subia dançando, rodopiando, com toda a sua graça e leveza. Rodopiava, perscrutava no ar como se subisse degraus invisíveis ao céu, então se desfazia como se nunca tivesse existido. A existência da fumaça era ínfima. Segundos. Invade-me, acalma-me, sai subitamente com seu charme e desaparece. Quando segui mais uma vez o caminho da fina névoa cinza, meus olhos caíram na quinta janela da esquerda do segundo andar da maternidade. Estava com a janela fechada, mas sem cortina. Podia ver claramente um balão azul prateado bater contra ela. Hinata quem o tinha levado e amarrado na cabeceira da cama da Sakura.

Hinata estava ansiosa. Seria madrinha do garoto ainda sem nome. Seria uma madrinha excelente ao lado do Naruto, com quem finalmente resolveu o passado e se juntou. Os dois se mereciam. Não havia ninguém digno do Naruto ou da Hinata senão eles mesmos. Admito isso com o meu orgulho murcho, pois sempre soube que não merecia o que Sakura era e tornou-se para mim.

Ao reparar no balão azul metálico batendo na janela do quarto, eu nem reparei meus olhos me traindo, as lágrimas formando-se e descendo pelo meu rosto na mesma velocidade em que a fumaça do cigarro subia e desaparecia na minha frente. Eu estava chorando. Lembrava-me bem da última vez que esse fenômeno aconteceu, no dia em que Mei nasceu. Foi o dia mais feliz da minha vida. Eu nasci ali, junto com ela.

Todos os dias eu acordo me sentindo vivo, feliz e grato porque ela está ali comigo. Minha pequena skatista de oito anos. Grandes olhos castanhos claros e cabelos dourados. Um quadro renascentista dos anjos que acompanham Jesus na sua ascensão de volta aos céus: era minha filha.

Eu queria sentir aquilo de novo, eu queria me preencher mais, nos preencher mais. Estava estabilizado no trabalho, os negócios de confeitaria da Sakura eram um sucesso na cidade onde vivíamos e nas próximas. Estávamos onde queríamos estar, precisávamos de algo novo, de alguém a mais. Mei não queria mais colo, mas eu queria segurá-la. Tanto amor que Sakura e eu tínhamos, tanta alegria pelos sucessos, que não cabia mais em ninguém e em lugar nenhum.

— Sasuke... - Sakura sussurrou ao meu ouvido quando estávamos na cama, de tarde, quando Mei ainda estava na escola e eu acabara de chegar do trabalho.

Com Sakura não tinha hora nem lugar. Estar com ela e amá-la de fato era a melhor parte do dia. Eu sabia que tinha momentos que eu até a irritava, "você parece que não saiu da puberdade", reclamava, mas ela sabia, ela sabe que desde que decidimos ficar juntos, meu objetivo seria amá-la e deixá-la saber e sentir isso todos os dias das nossas vidas. Eu a desejava como nunca desejei qualquer outra garotinha da escola que tirei o cabaço. Ninguém se comparava e ninguém me tinha como ela.

É estranho que algo assim venha de mim, eu sei, fui um babaca por muito tempo. Mas ela me mudou. Ela e a Mei me transformaram no homem que tenho orgulho de ser e que não se envergonha em dizer o quanto ama a mulher e a filha, o quanto amo os meus brinquedos, como Dona Mikoto, minha mãe, vive a zombar. Família se tornou o pilar da minha vida, e como eu ia dizendo, queria fazê-la crescer.

Despia desesperadamente a Sakura naquela tarde. Para seu azar, um botão ou dois caíram na camisa de linho. Eu costuraria de volta se fosse preciso, não tinha problema. Eu só queria amar minha Danone depois de um dia inteiro longe dela.

— Sasuke, espera um pouco - pediu num misto de gemido e falta de ar. - Espera - repetiu me trazendo pra perto do seu rosto, sussurrando.

— Que foi? - indaguei sem muito interesse.

— Eu estive pensando... Mei é muito sozinha. Ela brinca com o Aidou, mas ele já está com 13 anos, não tem as mesmas brincadeiras de antes, sabe? Ela também é mais reservada na escola, imagino que esteja se sentindo só...

— Um irmão seria ótimo, se é isso que está sugerindo - disse para resumir aquele falatório. Sakura sempre soube que eu queria mais um filho, não entendia por que ela precisava dar tantas voltas.

— Sério? - perguntou-me com aquele sorriso que eu amava.

— Não sei por que você tinha dúvidas de que eu concordaria. - Voltei a beijá-la.

— Bem, as encomendas estão ótimas, mas mais uma boca para comer pode balançar nosso orçamento e...

— Calada. - Coloquei o dedo em seus lábios. - Dinheiro não é e nunca foi problema. Não há desculpas para não termos esse bebê. Eu quero, você quer... Já passou da hora de termos. Não crie obstáculos para algo que é muito simples. - Beijei seu ventre quando terminei de falar.

— Eu parei de tomar remédio há dois meses Sasuke - revelou. - Eu sei que devia falar com você antes, mas pensei...

— Espera aí, há dois meses? - Ela assentiu. - Mas Sakura, nós...

Seus olhos, aos poucos, foram lacrimejando e ela começou a rir. Eu logo entendi o que estava acontecendo.

— Fiz o teste de sangue hoje de manhã. Estamos com três semanas. - Acariciou meu rosto. Eu fiquei perplexo de felicidade.

Não fizemos mais nada depois da revelação. Só comemoramos e fizemos planos. Imaginamos sexo, nomes, como Mei reagiria, como a Mikoto reagiria já que vivia nos cobrando mais um neto, como nossas vidas melhorariam mais.

Durou sete meses essa felicidade. Sete meses de expectativa, sete meses de alegria, de gratidão, do pequeno Uchiha que viria. Era um menino. Sem nome.

O neném não mexeu o dia todo. Corremos para o hospital, disseram que induziriam o parto. Ao fazer os primeiros exames, viram que o bebê estava com pouco oxigênio. Os médicos fizeram de tudo. Prepararam a cesárea. Meu filho morreu antes. Sakura teve que escolher entre ter a cicatriz no corpo que lembrasse na morte do menino ou o parir mesmo assim. Ela decidiu a segunda coisa. Sofreu. Sofreu muito mais do que sofreu ao dar à luz à Mei. Sofreu por nada. Seu filho não respirava e nenhum médico conseguiu reanimá-lo.

O balão azul batia na janela e cada batida ela um solavanco que eu sentia dentro de mim. Parecia um pesadelo, mas era real. Estivemos há um passo de segurá-lo em nosso colo. Há um passo. E ele se foi. Sakura estava há dois dias sem comer e sem falar com ninguém. Só dormia e se agarrava com o ursinho de pelúcia que compramos para o menino. Não havia médico que a consolasse, nem Mei, nem eu.

Eu queria me entorpecer para morrer por alguns segundos porque sabia que naquele quarto, através da quinta janela da maternidade, minha esposa estava morta por dentro.

Eu estava há uma hora naquele banco porque tinha voltado do funeral e não sabia o que fazer. Não parecia real. Nossos familiares foram, nossos amigos próximos, todos sem saber o que dizer, o que falar. Eu não escutei mais nenhuma palavra desde que o médico me informou que não conseguira reanimá-lo. Só estava acordado em pensamento e minha mente não parava.

Só me dei conta de que chorava muito quando Mei aproximou-se de mim. Fitou-me. Eu não podia me esconder, esconder a vergonha das minhas lágrimas. Já chorei por ela. Chorei quando ela nasceu e chorei quando ele morreu. Que irônica a vida...

Ela sentou no meu colo, ainda me fitando. Segurava um pequeno vazo de planta com terra.

— O que é isso? - perguntei quando ela começou a secar minhas lágrimas com as bordas do pequeno vazo. Passava no meu rosto colhendo-as.

— Meu irmão. O Ame - respondeu.

— Ame?

— Ame. Chuva. Estava chovendo quando ele nasceu, pai - respondeu distraidamente. - Mamãe me contou que ele gostou tanto da chuva que foi para o céu ver como que Deus faz chover. Ela disse que se eu ficar triste e chorar, ela e você também, para chorarmos nesse vazo. O cabelo do Ame está aqui, ele deixou antes de ir embora - explicou. Mei não tinha ido ao velório. - Temos que regá-lo com o nosso amor assim como ele nos presenteou com chuva. Foi o que a mamãe disse.

Naquele momento, me agarrei mais a Mei. O Ame era fumaça, mas Mei era concreta, estava ali comigo.

Seria difícil superar, eu ainda não imaginava o que fazer, para onde ir, o que dizer. A única certeza era que Sakura e Mei eram tudo o que eu tinha, o que não perdi, e que só unidos iríamos nos reerguer. Juntos. Ame seria semeado e nos acompanharia a cada chuva.


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Notas finais do capítulo

Obrigada pela leitura ♥



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