Havia dias mais esperançosos que outros. O sol brilhava no horizonte. O cheiro da mata era intenso, mas trazia um conforto. Apesar de não ser silencioso, era agradável. A sensação de perigo iminente parecia distante, talvez porque Tess estava em casa. Era um tanto quanto perturbador quando ela não estava.

Em dias assim, Joel costumava pegar o violão, mesmo que o instrumento estivesse surrado. Ele sentava-se no sofá puído e afinava as cordas, cuidadosamente. Era como um ritual ou uma oração, e Tess não ousava interromper. Apenas olhava-o por cima do ombro enquanto debruçava na janela.

Gostava de imaginar que era um dia quente de verão, em que as pessoas saíam de suas casas e iam conversar e passear pelas ruas. Assim como antigamente. Quando ela fechava os olhos, conseguia escutar as risadas das crianças brincando, um casal de namorados no banco, um velhinho tossindo, o canto dos pássaros. E, no fundo, a melodia dedilhada por Joel.

Ele não cantava nada, apenas tocava o instrumento. Poderia fazer aquilo por horas a fio. Gostava da sensação das cordas sob seus dedos e o som que produziam. Era como voltar no tempo, quando o tempo ainda era bom.

Enquanto tocava, seu olhar pousava sobre os ombros de Tess, debruçada na janela. Ela parecia apática, mas ele sabia que estava curtindo. Algumas vezes, ela deixou escapar que gostava de ouvi-lo tocar. Por isso, Joel passou a tocar mais vezes.

Quando a música terminou, Tess finalizou com um suspiro de aprovação. Era a única reação que tinha. Então, virou-se e encostou o quadril no peitoril da janela.

Joel manteve o braço apoiado sobre o instrumento, mas suas mãos já não tocavam nas cordas. Eles se olharam. Houve um momento de silêncio. Não era constrangedor e nem pesado. Eles haviam chegado a um nível de intimidade em que aproveitavam o silêncio. Estava tudo bem ficar em silêncio, era bom. Algumas coisas não precisavam ser ditas. Porém, outras sim.

— Você acha que, em um mundo normal, nós poderíamos... — Joel iniciou a conversa, mas parou para limpar a garganta antes de continuar. — Nós poderíamos ser uma família?

Ele escutou o risinho curto de Tess. O brilho do sol estava tão forte, que a silhueta dela parecia apenas uma sombra contra a janela.

— Você está mesmo sendo este tipo de homem? Agora? — sua voz soou sarcástica.

— Deixe este velho homem divagar e apenas responda a pergunta.

Ela respirou fundo e, apesar de não conseguir enxergá-la direito, Joel apostou que ela revirou os olhos.

— Você não é velho, Joel.

— Tess. — chamou seu nome, tentando obter sua resposta.

— Eu não sei como seríamos em um mundo normal ou no mundo antigo, mas... — ela afastou o corpo da janela e começou a andar em direção a Joel. — Nós podemos ser uma família agora. Enquanto ainda há tempo.

Por mais impossível que pudesse parecer, dias esperançosos voltaram a aparecer. O sol continuou a brilhar no horizonte. O cheiro da natureza era cada vez mais presente. Era úmido, mas também era silencioso. Entretanto, a sensação de perigo iminente parecia mais forte. Talvez porque havia outra pessoa em casa.

Dessa vez, era Ellie quem tocava o violão enquanto Joel se inclinava na janela. Ela ainda errava algumas notas, mas tinha grande potencial. Algumas vezes ela ameaçava cantar e, apesar de nunca ter dito, Joel gostava dessas tentativas. A voz dela era doce e enchia seu coração de amor. Por mais clichê que isso pudesse soar.

Ela também o observava. Fitava os cabelos embranquecidos e os ombros cansados. Gostava de imaginar sobre o que ele estaria pensando. Será que pensava em Sarah? Em antigamente, quando podia tocar para ela?

Joel apenas olhava pela janela, observando o dia. O som da melodia que Ellie tocava deixava o dia mais bonito, porém trazia algumas lembranças dolorosas. Há algum tempo atrás, seria Tess debruçada na janela enquanto escutava-o tocar. Ou talvez...

Talvez, seria você e Ellie, debruçadas na janela enquanto me escutavam tocar. Era o que ele sempre imaginava quando Ellie tocava o violão. Este mundo está longe de ser normal, mas poderíamos ser uma família? Eu, você e Ellie?

A música acabou. Joel suspirou, aproveitando o silêncio entre ele e a garota. Eu gostaria que sim.

Ellie pigarreou, abandonando o instrumento ao lado de seu corpo. Seus olhos ainda vigiavam Joel.

— Gostaria que Tess estivesse aqui. — disse.

E acredito que ela também.