Bulletproof Grower escrita por Jéssica Sanz


Capítulo 24
Flashback


Notas iniciais do capítulo

Como será que ficarão as coisas agora, com essa descoberta tensa?



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— Você tá tão quieto…

— Bom, não é uma descoberta fácil — confidenciou Yoongi à esposa. Ele estava sentado na cadeira da penteadeira, olhando para sua própria imagem no espelho e tentando se acalmar. — Sempre tratei Flor como uma filha, e de repente, descubro que sempre conheci a mãe dela. Sempre a tive como irmã. Eu sou o quê, agora, o tio dela? Eles dois são primos?

— No fim das contas, somos todos filhos de Eva.

— Aqui, sim, mas tivemos uma vida. Mais de uma, aliás.

— Mesmo assim. O que Minji foi naquela vida não tem relação com a última. Ela ser mãe da Peuro naquela vida é uma coisa. Você ser irmão dela nesta vida é outra, completamente diferente.

— Sim, sim… — Yoongi colocou as mãos no rosto e apoiou os cotovelos na penteadeira. — Teoricamente, é muito fácil. Na prática, é tão confuso, bae…

— Não precisa ficar pensando nisso, meu bem. Não é problema seu, pelo menos não diretamente. Todos nós sabemos que Minji é importante, mas não cabe a nós ficar teorizando sobre esse passado.

— Sabe o que eu acho? Eu acho que o Baekhyun é o pai da Florzinha. E, se for, eu não vou me sentir nada bem. Ele já tirou o Jungkook de mim, uma vez. Já tirou a Minji também, de certa forma. E agora, ele pode tirar a Florzinha.

— Ele nem nesse plano está, meu amor. E você nunca deixaria de ser importante pra ela...

— Sabe o que mais eu acho? A morte da Minji está muito suspeita.

— Qual das?

— Ambas.

— Foi parada cardiorespiratória, da última vez.

— Isso não quer dizer nada pra mim.

— Você não tá… Não tá sugerindo que o Baekhyun…

— Quem sabe?

— Você tá viajando. O Baek ama a Minji, ele não a mataria.

— O Baek é sempre o bonzinho da história, mas na verdade, ele é o criminoso. “Ah, ele matou o Kookie porque foi ameaçado, tadinho!”, tá, eu sei, mas quem arruma um pretexto arruma vários.

— Para de loucura, Min Yoongi. Se o Baekie quisesse matar a Minji, ele já teria feito isso há muito tempo, não agora.

— Muito bem. Colocando em termos práticos, essa vida não dá tanta abertura. Mas Florzinha não gostava nada do pai dela. Ele a obrigava a vender fósforos no frio com míseros anos de idade. Ela morreu por causa do temperamento difícil dele, então, o que custaria pra alguém assim matar a própria esposa?

Yoongi virou-se para Sunghee, e percebeu que ela já estava quase dormindo.

— Já acabou? Bae, não cabe a você ficar pensando no que o Baekie fez ou deixou de fazer nesta ou naquela vida, e mesmo que coubesse, não haveria nada que você pudesse fazer. Devemos falar do passado apenas para melhorar do futuro, lembra? Esquece isso, vamos dormir.

 

~

 

Assim que acordou no dia seguinte, Yoongi foi ver como Minji estava. Ela ainda parecia um tanto abatida, mas ao menos estava bem.

— Como está o seu nível de açúcar?

— Mais que excelente. Jin me trouxe a bomboniere inteira de café da manhã.

— Ótimo. Mas você ainda tá muito pálida, que tal um pouco de vitamina D?

Minji riu.

— Nunca achei que teria que me preocupar com vitamina D depois de morta.

— É, no que diz respeito a saúde, você é beeem azarada, passarinho. Vamos dar uma volta?

Minji riu um pouco. Tinha se desacostumado a ser hipoglicêmica, a ter um guarda-costas que vivia cuidando dela em todos os sentidos possíveis. Mesmo depois de todo aquele tempo, Agust nunca tinha dado um apelido a ela, mas “passarinho” a lembrava de quando ela tinha anunciado sua partida. “Você precisa voar, passarinho”, ele dissera. Eles foram saindo do quarto.

— Vamos, D-Boy. Vamos atrás de vitamina D. Acho que precisamos mesmo conversar.

— Precisamos? É, acho que pode ser bom… Desde que a gente não toque naquele assunto.

— Que assunto? Todos os assuntos parecem proibidos.

Yoongi pensou.

— Hum… Falar sobre o passado geralmente não é tão legal. Mas, se não for isso, não temos nada para falar. Será que você saberia escolher uma parte “menos pior” do passado?

— Eu estava pensando em falar sobre uma promessa não cumprida. — Eles chegaram ao jardim lateral, ensolarado, aquele que parecia uma floresta. — Você me fez prometer que arrumaria um oppa.

— Ok, você tem um Baekhyun.

— Sim. E me fez prometer que só morreria bem velhinha.

— De causas naturais. Ok também, né?

— Sim, ok. E me fez prometer que teria filhos. Eu e Baekie não tivemos.

— Boa pergunta. Por quê?

— A vida sempre foi agitada. Nós fomos adiando, adiando…

— Entendi. E quanto às outras promessas? Você cumpriu tudo?

— Acho que cuidei bem do Holly, até ele morrer. Não me lembro de ter chorado por você de novo — Yoongi assentiu, parecendo muito satisfeito com essa parte. — Ah, sobre 9 de março, desculpa por não ter feito bolos para dividir com Baekhyun, isso seria muito bizarro.

Yoongi riu.

— “Aqui, oppa, vamos comer este bolo para comemorar o aniversário do meu irmão morto”!

— Credo, Agust — ela gargalhou.

— Ué, você não sabia que a melhor parte de estar morto é fazer piada com a própria desgraça?

Eles riram mais um pouco.

— É, é engraçado. Mas… E se você não fosse meu irmão?

A risada de Yoongi desapareceu gradativamente, mas demorou só um segundo.

— Minji… — disse ele, em tom de advertência. — Assuntos proibidos, lembra? Proibidão!

— Vai dizer que você não quer saber?

— Não! — disse Yoongi com toda a sua sinceridade. — Só tem duas opções nas consequências. Opção um: voltar a odiar o Baekhyun. Opção dois: fazer a Sunny voltar a te odiar. Não tem nenhuma opção boa.

— Uau, você é muito racional. Só esqueceu de notar que a minha situação não é nada boa. Eu sempre quis ter filhos, mas acabei não tendo, e agora descobri que tenho uma, mas eu não sei nada sobre isso. Eu não me lembro daquela família, eu não sei qual era o meu nome, como eu morri, não sei nada. E eu quero saber, eu quero conhecer o meu passado. Quando ela chegar aqui, vai descobrir que tem mãe e vai querer saber quem é o pai, e o que eu vou dizer?

— Que tal “não sei”? Jimin Hyung agradeceria.

— Você sabe que só tem uma maneira de descobrir a verdade. Aí sim, Jimin agradeceria.

— Eu. Sou. Casado! E você também é, parece até que não sabe.

— Eu não tô pedindo pra largar a Sunghee, nem pra acabar com seu casamento. Só quero descobrir quem eu fui. Isso está me consumindo, Agust! Eu preciso saber! Olha, é sério, não vai dar em nada, é só pra descobrirmos a verdade sobre o passado. Seja lá o que for, não vai mudar o presente. Você ama a Sunghee, eu amo o Baekhyun, e é isso, independente das vidas passadas.

— Então espera o Baekhyun chegar.

— Eu não sei quando ele vai chegar. Ele nem tem 70 anos, pode demorar muito, e eu não posso…

Minji hesitou. Yoongi permaneceu encarando-a, esperando por alguma continuação, mas ela permaneceu em silêncio por alguns segundos.

— Vai embora — terminou ela, em voz baixa.

Yoongi deixou o ar escapar, um tanto aliviado com aquilo. No entanto, não parecia certo deixá-la sozinha, já que ela estava doente. Além do mais, não queria que a discussão terminasse daquele jeito.

— Minji…

— Vai embora — insistiu ela, um pouco mais alto.

— Por que isso agora? Eu não quero ficar brigado com você.

— Nem eu — disse ela, dando dois passos para trás, até ficar ao lado de uma árvore. — Mas eu prometi que não choraria mais por você. Então é melhor você ir.

Só então, Yoongi notou que ela estava lacrimejando. Ao ver aquilo, se sentindo culpado, ele mesmo sentiu uma imensa vontade de chorar, mas segurou. Para isso, não conseguiu dizer nem mais uma palavra. Assentiu tremulamente depois de alguns segundos e encarou o chão de terra enquanto se virava e caminhava lentamente em direção à casa. Foram só três passos lentos até que ele olhasse para trás. Minji, de olhos fechados, apoiava as costas na árvore, parecendo que iria chorar a qualquer momento.

— Vai — insistiu ela, baixinho. Mesmo sem vê-lo, ainda sentia sua presença.

Ele se virou novamente e andou mais um pouco, mas sentia tudo muito estranho. Afinal, ele a conhecia. Ela estava mais pálida. Ele olhou novamente para ela. Mais do que da última vezes, ela se parecia com papel. Impaciente, ele deu passos firmes e rápidos de volta para ela.

— Você não tá bem.

— Eu nunca tô bem. Nem morta, nem viva.

— Você mentiu pra mim. Não está tão forte quanto antes. — Yoongi olhou para o céu azul, para a luz forte do Sol. — Vitamina D — murmurou, como uma prece, e olhou para ela. — Você precisa.

Ela abriu os olhos sonolentos. Eles estavam avermelhados. Ela não parecia mais ter tanta certeza, por mais que estivesse cada vez mais fraca. Yoongi, ao contrário, parecia perceber que ela não precisava de Florzinha. Ela precisava do passado.

— Não quero — murmurou ela, com um fiapo de voz.

Yoongi riu um pouco do que ele achava ser uma mentira.

— Você precisa — disse ele, convicto.

Minji apoiou as mãos na árvore e usou uma força que não tinha para se impulsionar para ficar em pé. Sem conseguir, é claro, ela se deixou cair para a frente, para onde Yoongi estava. Era aquilo: ela não o queria; ela precisava dele. Ele a segurou pelas costelas para que ela não caísse, e a ajudou a encontrar apoio nele, mantendo alguma distância. A distância necessária.

Os dois sabiam que Minji desmaiaria a qualquer momento, então, ele se apressou um pouco para beijá-la levemente.

Os dois adolescentes correndo pela floresta, brincando, rindo, até que um alcançou o outro e eles pararam para se beijar.

Yoongi a soltou repentinamente, franzindo o cenho. Nada naquela lembrança era familiar, mas tudo era muito real. Ele sabia que era um fato, não uma imaginação. As roupas eram antigas, os penteados e os sapatos, tudo muito antigo. E eles nunca tinham se encontrado na adolescência. Eram, de fato, lembranças de uma vida anterior. Olhando para Minji, Yoongi percebeu que a cor dela tinha voltado ao normal. Ela não parecia mais estar à beira de um desmaio.

Eles ficaram se encarando, pensando no significado daquilo. Significava alguma coisa, mas ainda não era suficiente. Dessa vez, não era só Minji quem sentia a ânsia por respostas. O próprio Yoongi, de repente, precisava muito saber quem ele havia sido.

Ele voltou a beijá-la, não com a mesma serenidade. Com o jeito de quem estava correndo na floresta e parou de repente para beijar a garota que amava.

Eles correram para casa. A diversão tinha acabado: o trabalho duro os aguardava. Sempre dando um jeito de escapar para viver de verdade, mas sabiam que não podiam ignorar a verdadeira situação: suas famílias eram extremamente pobres, moradores de uma vila nos extremos na cidade.

Ainda jovens e seguindo a tradição, eles se casaram. Moravam juntos em uma pequena casa de madeira que ele mesmo construíra, e que quase não tinha cômodos. Era o que dava para ser feito com o pouco dinheiro que conseguiam vendendo aqueles fósforos na cidade. Apesar das dificuldades, eles sempre encontravam a felicidade um no outro, porque se amavam muito.

Depois de alguns anos, a vida estava ainda mais difícil, mas ganhou um brilho a mais: ela estava grávida, e em breve eles teriam uma criança para alegrar seus dias. Seria mais alguém para alimentar, mas também a consolidação de uma família. Eles foram ainda mais felizes naqueles dias.

O dia do nascimento. As mulheres da vila foram ajudar. Ele ficou ao lado dela o tempo todo, ajudando-a a suportar aquela dor terrível. Passaram juntos por longos momentos de aflição, até que a menina finalmente veio ao mundo. As mulheres cuidaram de tudo antes de entregá-la nos braços do pai, que parecia ser o homem mais feliz do mundo ao receber aquele tesouro.

Ele a levou para junto da mãe, que sorriu fragilmente. Ela havia se esforçado muito por aquilo. Segurou os dedos da menininha que chorava, e o pai chorava de alegria. Mas a alegria durou pouco. A mãe pareceu cada vez mais fraca e mais fraca até que o pai notasse que ela estava indo embora.

Ele pediu que ela ficasse, e ela tentou, mas era cada vez mais difícil resistir. Então, ela o deixou, e ele gritou. As mulheres pegaram a menina e o deixaram sofrer sozinho. Ele chorou muito, gritou muito, abraçou aquele corpo sem vida por muito tempo, até que finalmente se conformasse. Ele permitiu que ela fosse embora, mas nunca parou de sofrer.

Pegou novamente sua criança, sua herança. Ele precisava cuidar de seu tesouro, mas tinha medo de não conseguir fazer isso sozinho. Prometeu que tentaria. Mas como poderia vender os fósforos e cuidar dela ao mesmo tempo?

Uma mulher na vila tinha dado à luz recentemente e aceitou amamentá-la, mas não podia cuidar da pequena Peuro. Ele a embrulhava todinha e a levava para a cidade quando ia vender seus fósforos. Ela foi crescendo e precisava-se cada vez de mais comida. E ele trabalhava cada vez mais.

Quando ela teve um pouco de idade, ele a mandou sair para vender os fósforos e trazer dinheiro para a casa. Mas, quando ela saía, ele saía também. Ele não a deixava saber, porque achava que, assim, ela se esforçaria um pouco mais. Ele tinha medo de não conseguir dinheiro suficiente para que os dois se alimentassem.

Só que, uma noite, ela não voltou. Ele saiu para procurá-la, mas só de manhã achou o tumulto em volta do corpo da pequena garotinha, segurando seus fósforos queimados.

Aquilo foi ainda mais difícil de superar. Ele havia falhado. E, agora, ele estava completamente sozinho.

A venda de fósforos não era feita com tanto entusiasmo. Ele não tinha ninguém para alimentar além dele mesmo, e ele não era importante. Era o grande fardo de sua própria vida.

Alguns anos depois, ele ficou doente e não saiu para vender. Passou muito tempo com fome, até que ficou bem o suficiente para sair. Vendeu o que pôde, e quando achou que tinha o necessário, correu para comprar pão. Entregou aquelas moedas e pediu pão. Ganhou uma sacola e foi correndo para casa.

Pegou o pão na sacola e começou a comer, faminto, mas percebeu que havia mais dois pães na sacola. De repente, foi invadido por toda a tristeza do mundo. “Que falta de educação”, murmurou. Ele pegou uma vela e acendeu-a com um de seus fósforos, bem no meio da esteira. Então, colocou um pão à sua direita “Para você, meu amor”, e um à sua esquerda “E para você, minha filhinha”. O último, já mordido, à sua frente. “Vamos agradecer por esta comida”. Então, juntou as mãos como em uma oração e começou a chorar, cada vez mais alto. E chorou por muito e muito tempo até ser invadido pela raiva de si mesmo. Elas não estavam ali, e era sua culpa. Ele pegou aquela vela e jogou na parede com um berro.

A parede de madeira pegou fogo facilmente. A casa em chamas ruiu em pouco tempo, engolindo o solitário homem que não parava de chorar.


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Notas finais do capítulo

Eitaaa
Por essa o Yoongi não esperava kkkk



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