Alma acompanhada escrita por Ninna


Capítulo 1
Capítulo 1 - Sozinha?




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Lá estava eu, ainda com alguns hematomas que meu ex-marido deixou como lembranças, parada na frente daquela mais moderna obra arquitetônica de nossa pequena cidade, segurando a mão do meu filho, Tomy, respirando fundo e torcendo para que tudo mude para melhor, afinal, não teria como piorar, teria?

            - Mãe, quando vamos entrar?

            Olhei para baixo, Tomy estava quase alcançado meu cotovelo, meu garotinho crescia cada vez mais rápido.

            - Vamos entrar agora – Falei sorrindo.

            O prédio aparentava mais como executivo do que como residencial, possuía aspectos extremamente moderno por fora, mas principalmente por dentro. Abri as portas de vidro, o saguão era repleto de espelhos, sofás, lustres e uma bancada onde ficava o porteiro monitorando tudo e todos pelas câmeras. Sorri e cumprimentando o referido apertei o botão do elevador.

            As portas abriram, entrei com Tomy que já estava impaciente, apertei o vigésimo terceiro andar e as portas se fecharam. Dava para ver o lado de fora do elevador, pois as laterais eram transparentes e havia um espelho contido na porta.

            - Quando o papai vai voltar? Ele precisa ver esse lugar, é demais! – Tomy falou pulando de empolgação.

            - Eu não sei, meu amor – Falei.

            Tudo aconteceu há tão pouco tempo, aquele acontecimento ficava voltando a todo instante em minha cabeça. Eu, o pai de Tomy, os tapas, a violência, o sangue, o corpo.

            - Mãe? Chegamos, Você não vai vir? – Tomy falou parado em minha frente.

            O elevador ficava no meio do corredor escuro que acendia por sensor de movimento, havia apenas três apartamentos por andar, o nosso era o que ficava no final. As paredes tinham vários espelhos, quadros, além de um mural de recados. Coloquei a chave e destranquei a porta, Tomy logo entrou correndo, fascinado com o tamanho do lugar, pois ele havia sido criado em uma casa pequena de interior.

            Alguns objetos ainda estavam empacotados e espalhados pela sala, mas o essencial já estava pronto para uso, graças à dedicação de três semanas que consegui de folga. Tomy corria como louco, nunca havia o visto tão animado. A porta de entrada ficava na sala, onde havia uma televisão colada no painel, rodeada de sofás e uma sacada. A cozinha era separada por uma bancada e ficava logo atrás da sala. Havia um corredor na lateral, com mais espelhos para variar, que ligava a suíte, ao quarto de Tomy, ao escritório, ao meu estúdio de fotografia e a um lavabo.

            Todos os cômodos eram amplos, com janelas centrais incrivelmente grandes. O ambiente era iluminado, cheio de vida e carregado de energias boas.

            Eu andei até meu quarto, coloquei a bolsa em cima da cama, fui até a penteadeira e prendi meu cabelo, respirando fundo, passei a mão em um roxo profundo que estava marcado em minha nuca, a dor havia passado, mas o trauma não.

            - O que aconteceu aí? – Tomy falou se sentando na cama.

            - Eu caí, me machuquei sozinha – Respondi beijando a testa dele.

            - Da próxima vez o papai vai te salvar, pois ele é o meu herói – Ele falou.

            Meus olhos encheram de lágrimas, a tristeza, medo e ódio se misturam a ponto de não conseguir demonstrar o sentimento em que se transformam. A pior parte era não conseguir contar ao Tomy, mas como? Como contar que o herói de um menino na verdade era o vilão? Como contar que o adulto que ele mais admira está morto?

            - Já sei, vamos comer um sanduíche de pasta de amendoim, que tal? – Perguntei a Tomy sorrindo.

            Tomy concordou com a cabeça e saiu disparado em direção à nova cozinha.

            Naquela mesma noite eu e Tomy estávamos sentados no novo sofá, assistindo seu desenho preferido. Rindo, conversando e comendo, claro. Quando abri meus olhos de uma cochilada, vi que o relógio marcava 2:14, era madrugada, as janelas estavam abertas, mesmo assim o calor era constante.

            Tomy havia pegado no sono e sua cabeça apoiava em meu ombro. Me levantei lentamente e o peguei no colo, caminhei até seu quarto e o coloquei na cama, dei um beijo de boa noite, liguei o abajur, fechei as cortinas e encostei a porta.

            Voltei para sala, o sono havia passado, peguei uma taça de vinho e caminhei até a sacada da sala. A cidade estava acordada, era possível ver as luzes de cada casa, prédio, bar e carro. O som era presente também, mas era confortante, saber que agora eu estava segura e rodeada de pessoas.

            Tranquei a porta, sacada e fechei as janelas, fui até o banheiro do quarto e em frente ao espelho da pia comecei a passar a pomada para os hematomas que a cada dia ficavam melhores. Após a leve sessão de dor, apaguei a luz e me deitei.

            Era domingo, Tomy já estava acordado, pois era possível ouvir o barulho dos brinquedos vindo de seu quarto. Peguei meu celular para ver as horas, marcavam 10:49 e três mensagens de voz de Beatrice, minha melhor amiga de infância. O filho dela Josh brincava periodicamente com Tomy, enquanto Bea me convencia a denunciar meu ex-marido, com ela sabia que podia contar, inclusive ela estava lá para me apoiar depois do incidente.

             “É....Lexy? Está aí? É....andei pensando e quero fazer a sessão de foto do meu filho hoje, tipo agora a tarde, está aí?

            “Esquece Lexy, eu, eu, eu, procuro outra pessoa“

            “Não achei ninguém, eu quero fazer com você mesmo, estou indo aí agora, levando uma câmera que quero que você prove“

            A voz de Bea estava estranha e definitivamente ela não falava assim, aquilo foi de longe a coisa mais estranha que havia acontecido há dias. Me levantei e coloquei um roupão, andei até o quarto de Tomy que estava brincando com seu aviãozinho amarelo.

            - Bom dia filho – Falei sorrindo.

            - Bom dia, eu já tomei café, comi o sanduiche que sobrou na geladeira, pois já sou um mocinho – Tomy falou orgulhoso.

            - Ah, mas você é mesmo, é meu bebezinho – Falei beijando sua bochecha.

            A campainha começou a tocar desparamente, sai correndo do quarto para atender, ao abrir me surpreendi, era Beatrice, ela parecia cansada, com grandes olheiras, magra e Josh estava pior ainda, agarrado de medo atrás de Bea.

            - Entrem, como vocês estão? – Perguntei.

            - Com pressa, as fotos são para o aniversário de Josh, preciso correr atrás das coisas, está uma loucura, mas sua nova casa é maravilhosa – Bea falou tentando animar o clima.

            - Obrigad... – Tentei responder.

            - Toma, aqui está a câmera que eu quero que você teste, acho que faz as fotos ficarem melhores – Bea falou jogando uma câmera antiga em cima de mim.

            - Calma, você não quer se sentar? Comer alguma coisa? – Perguntei.

            - Não, apenas tire as fotos logo, quero ir atrás dos enfeites, sabe? – Bea exclamou.

            Fomos até o estúdio, tudo como de costume, tirei várias fotos de Josh, em várias poses, usando a câmera de Bea e uma luz natural que aquela janela proporcionava.

            - Terminei, irei apenas revelar e eu posso te entregar – Falei sorrindo.

            - Não, quero que tire mais uma com Tomy, para guardar a melhor amizade que meu filho tem – Beatrice falou impaciente.

            - Ahn... Claro, Tomy, venha tirar uma foto com Josh – Chamei.

            Tomy logo chegou, já fazendo poses, afinal, desde pequeno era meu melhor e mais frequente modelo. Tomy ficou ao lado de Josh com a mão em seu ombro, ambos sorrindo. Me ajoelhei para ficar na altura dos dois e usando aquela câmera antiga apertei o botão, as fotos só poderiam ser vistas pelo computador, pois como eu disse, a câmera era realmente antiga.

            - Perfeito, revela as fotos ou só me envie mesmo, muito obrigada Lexy, eu amo você – Beatrice falou beijando minha bochecha e puxando Josh pelo braço.

            Eu não havia entendido a pressa dela, mas comecei a limpar o estúdio, enquanto Tomy voltava para o quarto. Estava tirando as manchas de sapato que ficou no fundo branco e me aproximando de onde Josh estava vi uma pegada negra, parecendo de adulto, logo atrás dele. Isso me arrepiou, terminei de limpar, joguei algumas coisas no saco e deixei perto da porta.

            A tarde continuava extremamente quente, já havíamos almoçado. Eu estava no escritório editando fotos de clientes por horas, foi quando ouvi um barulho que me fez pular de susto, corri até o quarto de Tomy que estava parado em frente ao guarda roupa sorrindo. Corri até ele, me ajoelhei e o abracei.

            - O que houve? Você está bem? – Falei desesperada.

            - Estou, estou muito feliz, pois o papai esteve aqui, ele me disse que voltaria essa noite para me buscar – Tomy falou sorrindo.

            - O que? Isso é impossível, meu amor, o papai está numa viagem, em um lugar muito, muito longe, lembra? – Falei.

            O meu sangue havia gelado, a sensação foi horrível, cada pedaço de mim se arrepiou. Olhei para frente e vi parte do guarda roupa aberto, empurrei totalmente a porta e vi as roupas de Tomy no cabide, mas em baixo havia um porta-retrato, havia caído de uma caixa que ficava em uma estante em cima das roupas.

            Peguei a foto, era da família, o pai de Tomy estava na esquerda e, eu na direita e Tomy no meio, mas era praticamente irreconhecível o rosto dele, pois o vidro havia rachado com a queda bem no intermédio da foto.

            Tirei a foto e joguei fora a moldura. Sentei com Tomy para assistir o mesmo desenho, ele se divertia como sempre, mas eu estava tensa, inquieta, aquilo que afirmou era impossível, certo? Era loucura, só poderia ser, coisa de criança, eu não estou louca em não acreditar, estou?

            Tomy havia dormido no meu colo e como de costume o coloquei na cama, dei o beijo, liguei o abajur e encostei a porta. Fui até o saco de lixo que deixei na porta e o levei até o lugar determinado no corredor para a coleta.

            O corredor não acendia a luz, não importava o quanto de movimento eu fizesse, porém, a porta de casa estava aberta então continuei andando no pouco de luz. Chegando perto do lugar de despejo do lixo, ficou totalmente escuro por alguns milésimos de segundos, no chão parecia uma sombra passando pela minha sala e assim tapando a luz. Logo soltei o lixo de susto e me virei, não havia nada e nem ninguém.

            Coloquei o lixo no lugar certo e voltei. Meu coração ainda estava disparado. Quando fui fechar a porta, vi claramente a sombra de uma menininha com cabelos longos, apesar de não conseguir ver o rosto por conta da escuridão. Ela estava parada na porta do apartamento da frente, do lado oposto do corredor, me encarando. Ela estava ali o tempo todo?

            Aquilo tudo estava me deixando apavorada, respirei fundo e cumprimentei a menina vizinha, a mesma não falou nada, apenas apontou para algo atrás de mim.

            Respirei fundo e a mesma sensação ruim tomou conta do meu corpo novamente, me virei e não havia nada, exceto a luz do quarto de Tomy acendendo e apagando, piscando sem parar.

            Assustada com toda aquela situação voltei a olhar para frente e a menina havia sumido, fechei a porta rapidamente e a tranquei.  Desesperada comecei a correr em direção ao quarto do Tomy e foi aí que houve uma queda de energia.

            O medo do passado voltou à tona, o sentimento era mais que real, a presença também, sei que disse que era um alívio estar rodeada por pessoas, mas não imaginava que a sensação de não estar sozinha alcançasse minha alma como estava naquele momento.


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